Não
existe nada mais perigoso do que acreditar que se detém a formula que vai
continuar sempre conduzindo ao sucesso.
Robert
Collier
As responsabilidades são de todos nós – Fasc. 078
Tudo deu certo para mim naquele dia. Deu certo a manutenção que fiz no
Torno Elétrico que voltou a funcionar divinamente. Pela primeira vez elogiei a
cozinheira pelo cardápio no nosso restaurante da empresa. Estava cansado de
comer frango ensopado. Ela se esmerou. Deu um belo de um sorriso quando falei
ao seu ouvido: Parabéns! Seu almoço foi divino. Nunca comi tanto em minha vida.
Ela me olhou espantada e sorriu dizendo – Obrigada! Fui para casa mais cedo.
Sempre ficava depois das cinco. Hoje não. Hoje era meu dia de sorte. Porque não
visitar o "Velho" Escoteiro? – pensei comigo. Não era dia. Era quarta,
mas não tinha nada para fazer, horário de verão e resolvi ir até lá.
Subi as escadas que leva a Sala Grande sem fazer barulho. Como um filho
da casa abri a porta devagarinho. Não o vi. – Entre! Era ele! Que susto. Estava
em um canto da sala que não deu para ver quando entrei. – Sente aí. Explique-me
direitinho. Mandaram você embora? Eu sabia! Só fica fazendo escotismo e não se
preocupa em desempenhar suas funções a contendo. Veja, tem mais de nove anos
nestas empresa e não passa de um reles chefinho mecânico! – Sorri de leve. Já
conhecia este “papo” do "Velho". Era sempre assim quando saia de
minha rotina. Não o cumprimentei. Nunca fiz isto. Nunca dei um abraço. Devia
dar. Acho que todos gostam de um abraço. Será por quê? Não sei explicar. Desde
a primeira vez que foi assim. Mas tanto ele como eu sabíamos que tínhamos uma
amizade incrível. Eu adorava o "Velho" e ele quando não ia a sua casa
sentia uma falta tremenda.
Sentei no meu banquinho de três
pés e ele de supetão me perguntou? – Me diga, quando sua organização ou sua
fábrica vai mal de quem é a culpa? Dos funcionários ou dos diretores? – Não
sabia onde ele queria chegar. – Fale "Velho" do que se trata. – Da
nossa direção Escoteira. – Mas é diferente "Velho". Lá se um
funcionário vai mal ele é substituído. Isto não pode acontecer aos escoteiros.
– Mas se a diretoria não mostra resultados o que fazem os acionistas? Trocam
todos eles não? – Fiquei pensando. Quem sabe os membros da nossa direção que
são sócios, pois pagam uma taxa anual não seriam aos acionistas? –
"Velho", é difícil comparar, eu sempre converso com outros amigos
escotistas e eles nunca “batem” direto com nossa direção. Quem recebe críticas
sempre são os funcionários subalternos, ou um Assistente de qualquer ramo ou
mesmo alguém que recebeu a incumbência de esquematizar alguma atividade
nacional e ela não deu certo.
- O
"Velho" me olhou de esguelha. – Você acha isto certo? Nunca ninguém
disse que precisamos mudar para eles? Não cobram? Claro, tem aqueles que dizem
que os congressos e assembleias é para isto, mas você já viu alguém tomar
alguma atitude? Mas meu amigo, hoje não quero falar sobre isto. Recebi via
e-mail de um amigo virtual, um pequeno artigo sobre as alterações que vem sendo
feitas e claro, ele englobou as tradições. Comentou sobre elas se elas estão
desaparecendo, se isto é bom ou ruim. Não sei o que pensar. Li e reli. O rapaz
que a escreveu parece ter tirado do meu pensamento. Leia você mesmo. Depois me
diga, onde está a razão? Onde estão os dirigentes? Que tipo de luta se poderia
fazer para que houvesse uma grande “grita” nacional com tudo isto? – O
"Velho" me entregou o artigo. Li duas vezes. Dizia:
Essa temida tradição
escoteira.
Nas eleições deste ano (2012), fui votar no colégio municipal
onde estudei quando criança. Aproveitei a deixa para passear pelo bairro onde
cresci. Foi engraçado, quase surreal, ver crianças empinando pipa, jogando bola
na rua e trocando figurinhas na calçada. Até porque, é um bairro de periferia e
imagino que não são todos os que têm um computador ou um videogame como opções
de ócio. O escotismo aqui cabe lembrar, é de inclusão, ou seja, contempla os do
“Playstation” e os da “pipa”.
Se a questão da tradição escoteira girasse ao redor da
substituição de uma bússola por um GPS, ou de um Atari pelo Wii, ou de uma pipa
por um aeromodelos, quão fácil ficaria o diálogo neste ou em qualquer outro
blog. Bastaria estar por dentro de novas tecnologias e pronto. Mas não se trata
somente disso; é mais complexo.
Pessoalmente, não entendo a questão da tradição escoteira. Eu
não sei quando ela começou. Para mim, será aquela que vivi no final dos nos 80,
como membro juvenil. Para outros, os mais entrados em idade, será a década de
60. Não sei, ademais, se ela deveria existir, já que a escravidão, por exemplo,
foi uma tradição neste país.
Cabe ao povo, e somente a ele, decidir quando uma tradição acaba
e quando ela começa. E não uma junta diretiva ou uma comissão. Não adiantará
assinar leis impondo uma tradição ou decretando seu fim se o povo não a
aceitar.
Para ilustrar o pensamento, a bandeira do Mercosul deveria ser hasteada, por lei (sequer é uma tradição), em todos os estabelecimentos públicos oficiais. Quantos de nós já vimos uma bandeira do Mercosul?
Para ilustrar o pensamento, a bandeira do Mercosul deveria ser hasteada, por lei (sequer é uma tradição), em todos os estabelecimentos públicos oficiais. Quantos de nós já vimos uma bandeira do Mercosul?
E não há meio de afrontar uma tradição sem deixar feridos pelo
caminho. E esses feridos podem ser os que mais precisamos num movimento em
queda livre, já que trazem na bagagem as rugas de alegria em relação ao que deu
certo, e as cicatrizes daquilo que não vingou.
Traslademos o pensamento à associação escoteira.
Uma instituição que não aposta na própria imagem e no que ela
representou e representa há décadas, não poderá mostrar seriedade ou firmeza
naquilo que crê ou faz. Um desenho que sempre estampou aqueles uniformes
levados com galhardia, livros publicados na década de 60 (período mais fértil
da literatura escoteira), se apagado de nossa história da noite para o dia, não
somente mostrará que a associação não acredita em sua imagem, mas que sente
dificuldade em dar valor àquilo que fez dela o que é hoje - “um país que não
conhece sua história, tende a cometer os mesmos erros no futuro”.
E se por uma questão de moda se tratasse, ela, a moda, é tão
passageira como o passar das estações. Não podemos afirmar o mesmo no que se
refere à tradição, que se perpetua com o passar dos tempos: ela fala por si e
não há necessidade de vendê-la, sequer enfeitá-la.
Não se trata de mudanças somente de imagens, ou de roupas, ou de
modas, ou de gadgets. É que a própria instituição se resiste às mudanças. E por
uma dessas ironias que nos cruzam o caminho, nos mostra essa resistência
justamente porque ela, a instituição, não quer mudar sua forma de governar, sua
tradição política, mesmo que seja para um bem comum e mesmo que os associados a
reivindiquem.
Com o artifício da internet, o povo desfruta de portais de
transparência, mas parece que o escotismo não precisa disso. Enquanto o voto
direto representa uma democracia, nós não o temos. Enquanto a participação dos
associados, o patrimônio máximo de uma associação, é levada em boa conta em
qualquer segmento, no escotismo se faz a engenharia inversa.
Há aqueles com o discurso na ponta da língua: “mas o foco é o
jovem”. Lembremos que são 12 mil adultos que mantêm essas crianças interessadas
em escotismo. A modernização que trouxe
resultados, como se vê lá fora, foi justamente essa: a de se saber dar o devido
valor ao adulto (a meritocracia). Mas nossos sites, longe de se atualizarem,
preferem apenas gastar umas poucas linhas ao voluntariado.
No meu tempo era melhor? Lembro-me de minha infância com
carinho, mas não me atrevo a equipará-la a outra infância ou adjetivá-la de “a
melhor”.
Hoje é melhor? Para os jovens que vivem esse tempo, sim.
Hoje é melhor? Para os jovens que vivem esse tempo, sim.
Mas para os adultos, que são os alicerces do movimento
escoteiro, talvez seja um fardo demasiado grande que carregam a favor de
crianças, porque a associação contribui para tanto. O escotista, o adulto, quer
atuar onde a meritocracia funcione; quer ser ouvido, quer estar onde possa
apertar a mão de um comissário distrital; ter uma conversa ao pé do fogo com
algum dirigente nacional, receber uma carta lhe congratulando. A associação, ao
contrário, se distancia cada vez mais do seu maior patrimônio, daquele que
defende o nome da causa escoteira esteja lá onde estiver: o adulto, o “chefe”.
O movimento escoteiro no Brasil não perde jovens para a internet
ou para videogames. Os perde para ele mesmo. Passamos de um movimento que
oferecia algo único, a um movimento “a mais” que oferece o mesmo que outros,
com outra roupagem. A premissa da escola de cidadania não passará de um mantra
se não nos fazemos ver e, por conseguinte, não sermos lembrados.
Olhei
para o "Velho" Escoteiro. – E aí, disse ele – Aí? Não sei o que dizer
respondi. Ficamos os dois um olhando para o outro sem nada dizer. Ele baixinho
comentou: - Para mim são os meus velhos e bons tempos, e para você serão os
novos e bons tempos. Qual o melhor? – não disse nada. Olhe o relógio. Meia
noite. – "Velho" onde está a Vovó? Foi dormir na casa da filha. Ela
está meio adoentada. Olhei para ele, oitenta e seis anos. Dormir só ali? Liguei
para minha esposa. Expliquei. Falei para o "Velho". Ele riu, e quem
disse que quero você aqui? E subiu para seu quarto. Fui para o quarto de
hospedes. Sabia onde era. Tomei um banho, deitei e com as mãos embaixo da nuca
pensava – Escotismo, você transforma as pessoas. Quantas mudanças de destino em
cada um que resolveu ser um de nós. Acho que dormi. Acordei cedo, seis horas,
hora de trabalhar. Sai correndo, na rua lá estava o "Velho" Escoteiro
fazendo sua caminhada, até amanhã! Ele fez um sinal e foi em frente.
O sucesso geralmente vem para aqueles
que estão muito ocupados para estarem procurando por ele.
Henry David Thoreau