Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sábado, 24 de novembro de 2012

As responsabilidades são de todos nós – Fasc. 078



Não existe nada mais perigoso do que acreditar que se detém a formula que vai continuar sempre conduzindo ao sucesso.
Robert Collier

As responsabilidades são de todos nós – Fasc. 078

                         Tudo deu certo para mim naquele dia. Deu certo a manutenção que fiz no Torno Elétrico que voltou a funcionar divinamente. Pela primeira vez elogiei a cozinheira pelo cardápio no nosso restaurante da empresa. Estava cansado de comer frango ensopado. Ela se esmerou. Deu um belo de um sorriso quando falei ao seu ouvido: Parabéns! Seu almoço foi divino. Nunca comi tanto em minha vida. Ela me olhou espantada e sorriu dizendo – Obrigada! Fui para casa mais cedo. Sempre ficava depois das cinco. Hoje não. Hoje era meu dia de sorte. Porque não visitar o "Velho" Escoteiro? – pensei comigo. Não era dia. Era quarta, mas não tinha nada para fazer, horário de verão e resolvi ir até lá.

                         Subi as escadas que leva a Sala Grande sem fazer barulho. Como um filho da casa abri a porta devagarinho. Não o vi. – Entre! Era ele! Que susto. Estava em um canto da sala que não deu para ver quando entrei. – Sente aí. Explique-me direitinho. Mandaram você embora? Eu sabia! Só fica fazendo escotismo e não se preocupa em desempenhar suas funções a contendo. Veja, tem mais de nove anos nestas empresa e não passa de um reles chefinho mecânico! – Sorri de leve. Já conhecia este “papo” do "Velho". Era sempre assim quando saia de minha rotina. Não o cumprimentei. Nunca fiz isto. Nunca dei um abraço. Devia dar. Acho que todos gostam de um abraço. Será por quê? Não sei explicar. Desde a primeira vez que foi assim. Mas tanto ele como eu sabíamos que tínhamos uma amizade incrível. Eu adorava o "Velho" e ele quando não ia a sua casa sentia uma falta tremenda.

                        Sentei no meu banquinho de três pés e ele de supetão me perguntou? – Me diga, quando sua organização ou sua fábrica vai mal de quem é a culpa? Dos funcionários ou dos diretores? – Não sabia onde ele queria chegar. – Fale "Velho" do que se trata. – Da nossa direção Escoteira. – Mas é diferente "Velho". Lá se um funcionário vai mal ele é substituído. Isto não pode acontecer aos escoteiros. – Mas se a diretoria não mostra resultados o que fazem os acionistas? Trocam todos eles não? – Fiquei pensando. Quem sabe os membros da nossa direção que são sócios, pois pagam uma taxa anual não seriam aos acionistas? – "Velho", é difícil comparar, eu sempre converso com outros amigos escotistas e eles nunca “batem” direto com nossa direção. Quem recebe críticas sempre são os funcionários subalternos, ou um Assistente de qualquer ramo ou mesmo alguém que recebeu a incumbência de esquematizar alguma atividade nacional e ela não deu certo.

                      - O "Velho" me olhou de esguelha. – Você acha isto certo? Nunca ninguém disse que precisamos mudar para eles? Não cobram? Claro, tem aqueles que dizem que os congressos e assembleias é para isto, mas você já viu alguém tomar alguma atitude? Mas meu amigo, hoje não quero falar sobre isto. Recebi via e-mail de um amigo virtual, um pequeno artigo sobre as alterações que vem sendo feitas e claro, ele englobou as tradições. Comentou sobre elas se elas estão desaparecendo, se isto é bom ou ruim. Não sei o que pensar. Li e reli. O rapaz que a escreveu parece ter tirado do meu pensamento. Leia você mesmo. Depois me diga, onde está a razão? Onde estão os dirigentes? Que tipo de luta se poderia fazer para que houvesse uma grande “grita” nacional com tudo isto? – O "Velho" me entregou o artigo. Li duas vezes. Dizia:

Essa temida tradição escoteira.
Nas eleições deste ano (2012), fui votar no colégio municipal onde estudei quando criança. Aproveitei a deixa para passear pelo bairro onde cresci. Foi engraçado, quase surreal, ver crianças empinando pipa, jogando bola na rua e trocando figurinhas na calçada. Até porque, é um bairro de periferia e imagino que não são todos os que têm um computador ou um videogame como opções de ócio. O escotismo aqui cabe lembrar, é de inclusão, ou seja, contempla os do “Playstation” e os da “pipa”.
Se a questão da tradição escoteira girasse ao redor da substituição de uma bússola por um GPS, ou de um Atari pelo Wii, ou de uma pipa por um aeromodelos, quão fácil ficaria o diálogo neste ou em qualquer outro blog. Bastaria estar por dentro de novas tecnologias e pronto. Mas não se trata somente disso; é mais complexo.
Pessoalmente, não entendo a questão da tradição escoteira. Eu não sei quando ela começou. Para mim, será aquela que vivi no final dos nos 80, como membro juvenil. Para outros, os mais entrados em idade, será a década de 60. Não sei, ademais, se ela deveria existir, já que a escravidão, por exemplo, foi uma tradição neste país.
Cabe ao povo, e somente a ele, decidir quando uma tradição acaba e quando ela começa. E não uma junta diretiva ou uma comissão. Não adiantará assinar leis impondo uma tradição ou decretando seu fim se o povo não a aceitar.
Para ilustrar o pensamento, a bandeira do Mercosul deveria ser hasteada, por lei (sequer é uma tradição), em todos os estabelecimentos públicos oficiais. Quantos de nós já vimos uma bandeira do Mercosul?
E não há meio de afrontar uma tradição sem deixar feridos pelo caminho. E esses feridos podem ser os que mais precisamos num movimento em queda livre, já que trazem na bagagem as rugas de alegria em relação ao que deu certo, e as cicatrizes daquilo que não vingou.
Traslademos o pensamento à associação escoteira.
Uma instituição que não aposta na própria imagem e no que ela representou e representa há décadas, não poderá mostrar seriedade ou firmeza naquilo que crê ou faz. Um desenho que sempre estampou aqueles uniformes levados com galhardia, livros publicados na década de 60 (período mais fértil da literatura escoteira), se apagado de nossa história da noite para o dia, não somente mostrará que a associação não acredita em sua imagem, mas que sente dificuldade em dar valor àquilo que fez dela o que é hoje - “um país que não conhece sua história, tende a cometer os mesmos erros no futuro”.
E se por uma questão de moda se tratasse, ela, a moda, é tão passageira como o passar das estações. Não podemos afirmar o mesmo no que se refere à tradição, que se perpetua com o passar dos tempos: ela fala por si e não há necessidade de vendê-la, sequer enfeitá-la.
Não se trata de mudanças somente de imagens, ou de roupas, ou de modas, ou de gadgets. É que a própria instituição se resiste às mudanças. E por uma dessas ironias que nos cruzam o caminho, nos mostra essa resistência justamente porque ela, a instituição, não quer mudar sua forma de governar, sua tradição política, mesmo que seja para um bem comum e mesmo que os associados a reivindiquem.
Com o artifício da internet, o povo desfruta de portais de transparência, mas parece que o escotismo não precisa disso. Enquanto o voto direto representa uma democracia, nós não o temos. Enquanto a participação dos associados, o patrimônio máximo de uma associação, é levada em boa conta em qualquer segmento, no escotismo se faz a engenharia inversa.
Há aqueles com o discurso na ponta da língua: “mas o foco é o jovem”. Lembremos que são 12 mil adultos que mantêm essas crianças interessadas em escotismo.  A modernização que trouxe resultados, como se vê lá fora, foi justamente essa: a de se saber dar o devido valor ao adulto (a meritocracia). Mas nossos sites, longe de se atualizarem, preferem apenas gastar umas poucas linhas ao voluntariado.
No meu tempo era melhor? Lembro-me de minha infância com carinho, mas não me atrevo a equipará-la a outra infância ou adjetivá-la de “a melhor”.
Hoje é melhor? Para os jovens que vivem esse tempo, sim.
Mas para os adultos, que são os alicerces do movimento escoteiro, talvez seja um fardo demasiado grande que carregam a favor de crianças, porque a associação contribui para tanto. O escotista, o adulto, quer atuar onde a meritocracia funcione; quer ser ouvido, quer estar onde possa apertar a mão de um comissário distrital; ter uma conversa ao pé do fogo com algum dirigente nacional, receber uma carta lhe congratulando. A associação, ao contrário, se distancia cada vez mais do seu maior patrimônio, daquele que defende o nome da causa escoteira esteja lá onde estiver: o adulto, o “chefe”.
O movimento escoteiro no Brasil não perde jovens para a internet ou para videogames. Os perde para ele mesmo. Passamos de um movimento que oferecia algo único, a um movimento “a mais” que oferece o mesmo que outros, com outra roupagem. A premissa da escola de cidadania não passará de um mantra se não nos fazemos ver e, por conseguinte, não sermos lembrados.
                   Olhei para o "Velho" Escoteiro. – E aí, disse ele – Aí? Não sei o que dizer respondi. Ficamos os dois um olhando para o outro sem nada dizer. Ele baixinho comentou: - Para mim são os meus velhos e bons tempos, e para você serão os novos e bons tempos. Qual o melhor? – não disse nada. Olhe o relógio. Meia noite. – "Velho" onde está a Vovó? Foi dormir na casa da filha. Ela está meio adoentada. Olhei para ele, oitenta e seis anos. Dormir só ali? Liguei para minha esposa. Expliquei. Falei para o "Velho". Ele riu, e quem disse que quero você aqui? E subiu para seu quarto. Fui para o quarto de hospedes. Sabia onde era. Tomei um banho, deitei e com as mãos embaixo da nuca pensava – Escotismo, você transforma as pessoas. Quantas mudanças de destino em cada um que resolveu ser um de nós. Acho que dormi. Acordei cedo, seis horas, hora de trabalhar. Sai correndo, na rua lá estava o "Velho" Escoteiro fazendo sua caminhada, até amanhã! Ele fez um sinal e foi em frente.     
O sucesso geralmente vem para aqueles que estão muito ocupados para estarem procurando por ele.
Henry David Thoreau