Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sexta-feira, 29 de março de 2013

Comentando sobre o Sistema de Patrulhas



Conversa ao pé do fogo.

Comentando sobre o Sistema de Patrulhas

“‘Quero que vocês, monitores, entrem em ação e adestrem suas patrulhas inteiramente sozinhos e à sua moda, porque para vocês é perfeitamente possível pegar cada rapaz da Patrulha e fazer dele um bom camarada, um verdadeiro homem”. De nada vale ter um ou dois rapazes admiráveis e o resto não prestando nada. Vocês devem procurar fazê-lo todos positivamente bons.
...Para conseguir isso a coisa mais importante é o próprio exemplo, porque, o que vocês fizerem os seus Escoteiros também o farão.
...Mostrem a todos eles que vocês sabem obedecer às ordens dadas, sejam elas ordens verbais, ou sejam regras que estejam escritas ou impressas e que vocês cumprem ordens, esteja ou não o chefe presente. Mostrem que conseguem conquistar distintivos de especialidades, e, com um pouco de persuasão, os seus rapazes seguirão o seu exemplo.
...”Mas lembrem-se que vocês devem guiá-los e não empurrá-los”.
Baden Powell

Capitulo I


Pequenos rolos de fumaça se misturavam com a fraca brisa do ar que soprava leve e intermitente na varanda da casa do “Velho”. Fora um dia quente de verão, já em meados de novembro num mês de primavera, onde as flores tão bem cuidadas pela Vovó desabrochavam nos canteiros próximo a cerca de madeira caiada de branco. A grama verde era um convite para sentar, principalmente naquela hora do lusco fusco, onde a vista não alcançava o pôr do sol que se escondia atrás de prédios e casas, naquele longínquo bairro da cidade onde morávamos. A fumaça, velha conhecida, era produzida pelo cachimbo do "Velho" e o aroma achocolatado como sempre era elogiado pelos mais novos, que ainda desconheciam o ritual do “Velho” e que este fazia questão de não mudar.

Ao nosso lado, dois rapazes de aproximadamente 20 anos, um deles noivo de um ex-guia e o outro namorando uma pioneira, estavam empertigados nas suas cadeiras de madeira, calados, prestando uma atenção “canina” no que o “Velho“ dizia. Este, sentado numa cadeira de balanço, já gasta com o tempo, e com o olhar de quem acredita no que fala, pensava mais uma vez que poderia passar para aqueles rapazes toda sua experiência de anos e anos de Escotismo em poucas horas de um bom “tete a tete”.

Os dois iniciavam como Escotistas em um Grupo Escoteiro próximo ao nosso. Estavam com aquela motivação tão própria da idade e foram a casa do “Velho" para trocar ideias e aprender um pouco de como dirigir uma Tropa Escoteira. Apesar de terem sido Escoteiros e Seniores sentiam dificuldade na mudança brusca, pois agora a responsabilidade era bem maior do que antes.  O Grupo ao qual pertenciam apesar de aparentemente sólido, fraquejava na direção das sessões, pois as chefias anteriores não marcaram bem suas presenças. Pôr serem da modalidade do Mar, comentávamos entre nós que estavam a “deriva”. O Chefe do Grupo sentindo dificuldade em arregimentar adultos procurou ex-escoteiros e pôr sugestão do “Velho”, jovens que pudessem colaborar e se sentissem satisfeitos com a participação.

O “Velho” quando podia estar junto aos jovens era outro. Cortês, simpático, amigo e totalmente diferente quando estávamos sós, eu e ele. Isto provocava ciúmes, pois eu era o único que o visitava constantemente e aguentava sem reclames suas egocentricidades. Claro, eu sabia que eram forçadas, só para mostrar que o leão de outrora ainda rugia, mas seus dentes não mordem mais.
Próximo a nós, Vovó tricotava em outra cadeira de balanço ao lado do “Velho”, e numa manobra simples, sem pressa, balançava a frente e atrás, num rangido próprio e que aos poucos estávamos nos acostumando.

Numa mesinha pequena próximo a varanda, bolos, pães caseiros e deliciosos biscoitos de polvilho estavam espalhados em singelas travessas, alem é claro de um chocolate quente, colocados ali para que pudéssemos saborear as delicias que somente a Vovó sabia fazer. Ela nada dizia. Quieta e serena continuava seu lazer, tricotando, como se aquilo refizesse a labuta daquele dia tão quente. O “Velho” conversava calmamente com um sorriso nos lábios. Seus conselhos, seus contos, sua maneira de falar, era como se fosse um contador de estórias de barbas brancas, falando para Betsabá, num castelo próximo a Bagdá, naquelas famosas historias das Mil e uma Noite. Os jovens olhavam embevecidos, como se pai e filho estivessem confraternizando.

- Eu diria para vocês - Dizia o “Velho” que se pudesse voltar no tempo eu não seria o mesmo. Se tivesse a oportunidade que vocês estão tendo de ser um Chefe Escoteiro, começaria tudo de novo. Meu sonho sempre foi estar em uma tropa Escoteira, com jovens ao meu redor sorrido. Todos eles liderando e sendo liderados.

- Não seriam empurrados nem ficariam preocupados com o apito do chefe. O programa não seria rígido (café com leite dos sábados, conforme ele dizia onde já se sabia o inicio, meio e fim – em termos é claro).

- Teria elasticidade bastante para mudar dependendo das expressões do rosto de cada um. Encorajaria os jovens para que fossem os donos do programa. Eles é que o fariam. O relógio seria um mero instrumento para marcar o inicio e o fim da reunião, pois o meio iria depender da aceitação do programa. Meu julgamento do que é bom ou ruim não existiria. Os jovens é quem diriam pela sua maneira tão peculiar de aceitar ou não o que é bom para eles. Somente os resultados teriam validade.

- Esta tropa dos meus sonhos - continuava o “Velho”- não teria a preocupação de ser grande. - Poderia ser duas ou três patrulhas. Poderia com o tempo ser até quatro, mas seriam patrulhas livres e unidas. Ali todos seriam amigos fraternos. Minha preocupação seria com a qualidade e não quantidade.

- O respeito do antigo ao mais novo seria uma questão de honra e aceito com dignidade. Haveria uma fila para formação, mas esta não seria como uma escala hierárquica para se chegar ao topo. No meio dela poderia estar um 1a classe e a sua maneira tanto faz se fosse pôr altura, pôr amizade, e até pôr decisão do Conselho de Patrulha.

- O importante seria que quando a patrulha formasse todos saberiam que ali eram grandes amigos, responsáveis pelo desenvolvimento próprio, da patrulha e da Tropa. O monitor era um a mais e não o único.

- “Velho“- falou um dos rapazes - Não entendi o porquê da fila e o que ela tem a ver com a Tropa! - Afinal sempre foi uma rotina a formação, pois sempre ficou bem claro onde fica o Monitor e o Sub. Também a antiguidade ali era demonstrada. - Não sou eu que estou dizendo, - completou o “Velho”- Repito as palavras de BP - “Cada patrulha escolhe um rapaz como chefe. Ele é chamado Monitor. O Chefe Escoteiro espera do Monitor um grande trabalho na orientação e lhe dá inteira liberdade para executar sua tarefa na Patrulha. O Monitor escolhe outro rapaz para ser o segundo no comando. Este é chamado de Sub. Monitor. - Consultem a página 58 do livro Escotismo para a Rapazes”. Não existe meio termo. Não há antiguidade. Os jovens elegem seu líder e este escolhe seu assistente.
    
- E se eles escolherem alguém sem condições de liderança? - falou o outro rapaz. - A escolha foi deles - completou o “Velho” - Eles que devem achar se foi bom ou ruim e não vocês. A democracia começa pôr ai. Pôr sermos adultos julgamos diferente dos jovens. A confiança é a base do Sistema de Patrulhas. A partir do momento que passamos a tomar decisões dos rapazes, deixamos de cumprir nossas obrigações como Chefe Escoteiro.

- A nós compete treiná-los, adestrá-los (os monitores) e dar condições para o desenvolvimento deles.  Afinal pretendemos conseguir liderança não de um só, mas de todos na Patrulha. Não vamos discutir se o líder nasce feito ou pode ser feito. Isto não importa neste caso. Todos eles tem seu próprio estilo e sua própria liderança. Diferente, mas tem. Se o Sistema de Patrulha for feito adequadamente com responsabilidades distribuídas, vai funcionar. 

- Estamos sentindo que alguns tem procurado fazer do Chefe Escoteiro um líder cheio de obrigações e responsabilidades fugindo da parte mais importante. Até certo ponto não discuto, mas não como está sendo colocado. A Tropa flui positivamente quando o Sistema de Patrulhas funciona. A distribuição de tarefas, a preparação do programa, o arquivo, a vida da tropa, irão dar melhores resultados sendo feito pôr eles.

- Claro que cada um de vocês fazem parte do todo. Para isto estão ali. Esqueçam um pouco esta preocupação inicial de todos os novos em chefia e lembrem-se do tempo em que foram escoteiros. Procurem ver o que gostavam ou não gostavam.

- O “Velho“ respirou fundo, deu uma grande tragada em seu cachimbo, piscou seus olhos azuis várias vezes e se levantou indo até a mesa de guloseimas, dando uma mordida com vontade em um biscoito qualquer. Os rapazes também fizeram o mesmo. A noite despontava gostosa e fresca. O ar puro invadia aquele cercado com sabor de aventura.


“Você é o líder dos seus monitores”. Podemos até chamá-lo do monitor dos monitores. Dirija somente esta patrulha. Cabe a você orientá-los, fazer acampamentos e excursões, sempre visando o adestramento para que eles possam depois adestrar os escoteiros da patrulha. Esta é sua responsabilidade. Não fuja dela e experimente, pois tenho certeza que poderá alcançar o gostinho do sucesso.                                                                                       
Baden Powell.

Comentando sobre o Sistema de Patrulhas.

A CORTE DE HONRA

“A Corte de Honra é parte importante do Sistema de Patrulhas”. Trata-se de uma comissão permanente que resolve os negócios da Tropa.
A Corte de Honra é formada pelo Chefe e pelos Monitores, ou caso se trata de tropa pequena, pelos Monitores e Submonitores. Em muitas Cortes, o Chefe assiste à reunião, mas não vota. Monitor reunido em Corte de Honra tem muitas vezes mantido em atividade a Tropa na ausência do Chefe.
A Corte de Honra toma decisões sobre programas de trabalho, acampamentos, recompensas e outros problemas relativos à administração da tropa. Os membros da Corte estão obrigados a guardar segredo.
“Somente as decisões que afetem a Tropa toda, isto é, competições, nomeações, programas etc., são trazidas a público”.
Baden Powell.


CAPITULO II

O sol caminha para o oeste. Inexoravelmente em qualquer lugar do planeta, lá está ele, rumo a sua velha e conhecida trilha. Seu percurso não é novo e todos sabem disso. Toda a humanidade depende do seu programa diário para sobreviver. Não foi ele que destruiu florestas, poluiu rios ou mesmo fez escurecer a atmosfera do tempo. A evolução natural das coisas não impediu sua marcha e ele é prova viva que as mudanças são válidas, mas nem sempre proveitosas se feitas desordenadamente.

Nesta hora do entardecer, onde a penumbra avança noite adentro, as luzes da varanda foram acesas e ali, inebriadas com a voz do “velho” e sua maneira peculiar de “Contar estórias” esquecíamo-nos do tempo. Vovó agora dormitava na cadeira de balanço. Para lá... E para cá... - Será que dormia mesmo? - Seu compasso era igual ao grande relógio que tomava conta de uma parede na sala grande. Ela abstinha de comentar. Era assunto do “Velho” e não seu.

- Sou sincero - continuava o “Velho” - Se tivesse a felicidade de ter uma máquina do tempo, o que não daria para volta ao passado, somente para começar tudo de novo! – Nunca esqueço o que fui o que fiz. Não há arrependimentos.

- Lá, nesta tropa dos meus sonhos, eu teria um excelente contato com os monitores. Quantos acampamentos faríamos juntos. Num domingo despretensioso, iríamos todos a um Shopping, uniformizados, assistir a um bom filme. - Iríamos também Visitar locais importantes para aumentar o saber, provocando admiração nos transeuntes e mostrando que a idade para a responsabilidade nada significa no Movimento Escoteiro.

- O adestramento seria uma constante. Eles seriam grandes amigos meus, frequentando minha casa e eu a deles. Teria a confiança de todos e poderia ajudá-los nos seus problemas e quem sabe, também me ajudariam. Mas o que eu iria ter certeza é de que seria mais um e não apenas um. - Faríamos tantas coisas! - E quem ganharia com isso seria a tropa! - Em nossas conversas ao “Pé do fogo“, eles me diriam o que podíamos fazer para um bom programa, o que os outros jovens pensavam a respeito e ouvindo-os, teríamos uma programação formidável! - já pensaram?

- Ainda penso num acampamento, numa floresta qualquer, já tarde da noite, o fogo brando, ali sentados, dois, três ou quatro monitores e seus subs, um ou dois chefes, - todos os amigos! - Que programa, que adestramento, quantas coisas boas para fazer deles responsáveis pela tropa e o seu adestramento progressivo. - Quando chegasse a hora da passagem para os seniores aquela amizade não iria terminar. Seriam sempre convidados como participantes em qualquer atividade que quisessem estar presente! - Errado? - Não. Muito certo. Os novos monitores teriam muito a aprender com eles.

- Vou contar para vocês uma passagem interessante quando fui escoteiro - O “Velho” já estava vivendo a personagem. Era uma das manias dele. Mas era sincero no que dizia. Era um bálsamo ouvi-lo. Seus cabelos brancos caiam na testa e seus olhos pequenos e azuis desapareciam para logo aparecerem novamente. Apesar de sua tez enrugada nós não desgrudávamos os olhos dele, e para nós não era um velho, era um jovem! Um autentico chefe Escoteiro.

- Continuava o “Velho”- Vivi o Escotismo de uma maneira que não esqueço nunca! - Vocês meus jovens também devem ter excelentes estórias para contar, pois assim como eu, puderam viver aventuras mil não? -(O “Velho” estava dando um “pito“ em mim, pois comecei como adulto. Tudo bem, não me incomodo me considero um bom chefe).

- Logo após ter passado para a tropa de Escoteiros, vindo da Alcatéia, senti uma grande liberdade na patrulha pôr mim escolhida (deixavam que os lobinhos pudessem escolher suas patrulhas quando fossem fazer a Trilha). O Chefe e dois dos assistentes foram grandes amigos e foi um choque ao ver um monitor dirigir sem a presença deles em diversas ocasiões. Era um susto e tanto, pois na Alcatéia não tínhamos essa liberdade tão aberta!

- Ali encontrei muita amizade e companheirismo. Tinha alguma preocupação com a liberdade de todos e me preocupava sempre com que fazíamos. Havia sempre o receio se desse errado em alguma atividade. - Nem bem tinha completado três meses de tropa, e saímos pela manhã de um domingo (somente a patrulha) indo de ônibus até a periferia da cidade e lá nos dirigimos a um sitio de um velho amigo do Grupo, que pôr sinal era sempre visitado pôr muitos escoteiros. 

- Na patrulha havia dois cargos em aberto, explico melhor - Todos nós escolhíamos nossas responsabilidades na patrulha e caso houvesse mais de um interessado no mesmo cargo, era feito sorteio. Assim, escolhi ser o escriba da Patrulha. Tinha facilidades para escrever e como um “Pata Tenra” achava ser a mais fácil. - Chegamos ao sitio pôr volta das 08 e meia da manhã. Não era bem um sitio, estava mais para uma fazenda. Somente um sitiante na porta de entrada, pois o local quase não era explorado e se mantinha intacto principalmente a mata e pastos. Alguns bois, alguns cavalos, e mais nada.

A casa sede era pobre. Três cômodos sem banheiro. Instalamo-nos e logo procuramos uma arvore para o cerimonial da Bandeira. Deram-me a honra de hasteá-la. Nosso monitor era calmo e ponderado. Era um autentico líder. Comecei a me acalmar à medida que participava das atividades. Os chefes já não faziam falta. Treinamos barraca, machadinha, nós (sem teoria) e corte de lenha, tudo isso pela manhã. Ao meio dia e quarenta fizemos um lanche. Foi nesta hora que resolvi dar um giro pôr conta própria sem falar com os demais. Atrás da casa havia um arvoredo muito bonito e ouvi um barulho de uma cascata. Dirigi-me até lá. Não era tão perto. Andei um bocado! - No meio das árvores só o barulho me chamava a atenção. Enfim avistei um pequeno riacho com águas límpidas e claras. Tão claras que se avistava o fundo. Fiquei hipnotizado! - Como era belo tudo aquilo! - Lembrei-me dos diversos contos da História da Jângal, contadas pela nossa Akelá, nas belas historias de Mowgli junto ao Balu e Baguera.

- Passei um pouco de água no rosto e vi que era hora de voltar junto a Patrulha. Dei meia volta e senti um calafrio! - Não sabia pôr onde tinha vindo! - Comecei a tremer nos meus 11 anos, agora cheio de dúvidas. Não sabia se chorava ou se confiava que me achariam facilmente. Optei pôr ficar ali. - O tempo passava e eu já estava chorando baixinho. Senti uma mão no meu ombro. Levei um enorme susto. Era o nosso monitor. Graças a Deus!

- Voltamos junto e no caminho pensei que meu papelão seria ridicularizado pôr todos.  Estava cada um fazendo uma atividade diferente. Nosso monitor pediu a uma Segunda classe para me dar um adestramento de posicionamento e marcação de pontos cardeais para ser usado quando se anda em pequenos bosques. Ainda não estava na hora de um bom adestramento de bússola e orientação. Tudo deveria fluir naturalmente e na hora certa!

- Não houve sermão. Só um pequeno lembrete pelo monitor e comigo a sós. Sorri agradecido. Nunca mais se repetiu. O “Velho” sorria. As lembranças se mantinham acesas em sua mente. Sua estória era simples, tão simples que passou despercebido de todos o objetivo dela.


- Como vêm, - continuava o “Velho” é possível ter um monitor assim? - Só como muito adestramento! - E ele não era o único - os outros da patrulha também pareciam em determinadas horas estarem sempre preparados. Os dois chefes presentes sentaram na grama e esticaram as pernas não com o intuito de cansaço, mas querendo ouvir mais e mais. E iriam ouvir.

Era o trivial e infelizmente esquecido pôr todos pôr acharem tudo banal sem interesse. Mas para nós, o interesse estava ali presente. Sem interrupção para não perdemos o fio da meada.

Ensine-os a pescar. Não pesque para eles! - É melhor um arroz sem sal e grudento feito pôr eles do que o excelente feito pôr adultos. Lembre-se, eles são a razão de você estar aqui!

                                                                                                                                       
Comentando sobre o Sistema de Patrulhas.

“Creio nos jogos ao ar livre e pouco me importa que sejam jogos brutos ou violentos e que ocasionalmente alguém se machuque”. Não simpatizo com o sentimentalismo exagerado que pretende manter os jovens embrulhados em algodão. Na luta pela vida o homem formado ao ar livre sempre demonstrou ser melhor.
Quando vocês brincarem, joguem duro: - e quando trabalhar trabalhem duro. “Mas não deixem que os jogos e os desportos prejudiquem seus estudos”.
Theodore Roosevelt
           
CAPITULO III

Era um vozeirão que se ouvia a distancia. Todos nós já o conhecíamos e tirando o “Velho” no Distrito, ele poderia sem sombra de dúvida ser sua segunda pessoa. Fora escoteiro, Sénior, pioneiro e colaborou no distrito, na Região alem de ter sido Assistente Nacional Sênior por muitos anos. Seu humor não tinha contestação. Não enfrentava o “Velho”. Este ainda era para ele o seu chefe, o amigo. Pôr onde andou brigou muito (no bom sentido) falava de tudo, discordava de tudo. Nos conselhos, indabas, reuniões de adultos, onde quer que fosse, todos o temiam ou tinham certo respeito por ele. Como dizia sempre é melhor ser franco agora que tapear toda uma organização. 

Um antigo Escoteiro Chefe durante um Conselho Nacional, falava, falava e falava. Ele pediu a palavra e não deram. Pediu novamente e negaram. Saiu do seu lugar e foi até o microfone onde tentaram impedir. Ele os enfrentou tomando o microfone para si. Embasbacados, os conselheiros não falaram nada. Ele perguntou se éramos um movimento democrático - Que democracia é esta onde não posso falar? Vou ter um horário especifico, - falou, falou e falou. No final foi aplaudido por todos.

- Em todos os Conselhos nos anos de eleições lá estava ele, falando, falando e falando. Ele achava que as chapas apresentadas eram combinadas para serem eleitas, pois nunca havia oposição. Nos cantos, nas pequenas salas, sempre grupinhos formavam e quando se chegava mudavam de assunto. Ele era assim, falastrão, mas um boa praça. Sentou também na grama, a moda índia (com as pernas cruzadas) e o “Velho” explicou sobre o assunto que estavam comentando. Ele balançava a cabeça concordando.

- Vovó abriu os olhos e sorriu para ele com um cumprimento simples balançando a cabeça.

O “Velho” aproveitou a deixa e continuou - Foi bom você chegar, pois lembro quando foi monitor de Patrulha. Eu já era assistente, mas pude observar que sua presença sempre foi marcante para os demais. - Não é bem assim, falou ele. Se bem me lembro, BP achava que os mais fortes, maiores e mesmo que não tivessem boa liderança, seriam melhores monitores que os demais. Claro, sempre fui alto e forte, mas acho que não era o meu caso, achava que tinha liderança.

- Em termos disse o “Velho”- Em termos. Mas vocês tinham um excelente chefe - continuou o “Velho”- E olhe que ele era um pai novato, que se adaptou tão bem na área escoteira, que não sabia se era um antigo ou um novato. No meu entender era um mateiro na arte de “Fazer fazendo“.

- O Escotismo é simples. Estão tentando complicá-lo pôr não terem tido a oportunidade de “passar pôr ele”. Quem já viveu a experiência sabe o desejo dos jovens. Eles querem atividades extra sede, ao ar livre sempre e tudo que não tiveram a oportunidade de fazer até hoje.


- Isso demanda responsabilidade, pois em nossas mãos estão moças e rapazes e a segurança não pode ser desleixada. Ao sairmos para qualquer local temos que medir as conseqüências, mas a liberdade a todos devem ser dada. - Ninguém gosta de ser guiado se pode enxergar. Até lembro-me das palavras de um amigo que me dizia sempre: - Na falta de liderança, todos são bem-vindos, e Explicava: - Conheces as historia de um cego, que conduzia outro cego e ambos caíram num buraco?
 
- Tudo é simples e prático “Velho”, disse o amigo. Aquele que não faz exatamente o que diz o método nunca poderá dizer que aplica o Sistema de Patrulhas. No meu caso lembro bem que me achavam meio aloprado e inclusive quando saia com a patrulha alguns pais ficavam assustados e pediam para o chefe me alertar! - Nunca tive acidentes com a patrulha, pois nossas atividades eram programadas com hora de saída e chegada. Nossos programas eram revisados pela chefia, a “Corte de Honra” definia tudo e todos na patrulha estavam bem preparados.

- Não tão simples - comentou o “Velho”- Você deu algumas mancadas e inclusive lembro-me de uma em que todos o esperavam as 18 horas e só chegaram após as 23 horas. - Mas chegamos disse ele. Não sei por que resolvi pôr conta própria alterar algumas coisinhas no programa e tive que aguentar a pressão da patrulha, dos monitores e da Corte de Honra. Deixaram-nos no gelo pôr quatro meses sem poder fazer atividades sem a chefia. Nossa patrulha aprendeu a lição. 

- Se estou entendendo - falou um dos jovens - vocês estão afirmando que o sistema só funciona com liberdade - Deixar que eles façam desde que devidamente instruídos, preparados e adestrados. Mas e as outras atividades em conjunto? - Nunca deixaram de existir! - falou o “Velho “-Vocês devem medir a disponibilidade de tempo para que possam guiar a Tropa”“.

- Repito - G U I A R! - Não dirigir. Para isto é necessário algumas reuniões nos dias de semana. Com o tempo os próprios monitores vão procurá-los em suas casas, desde que autorizados para isto e é claro que devem ser autorizados. A amizade que vai uni-los é a mais importante na Direção da Tropa. - Deve haver diversas atividades em que todos estarão presentes. Seja na sede ou no campo. O que se está insistindo aqui é que os monitores é que dirigem, adestram, ensinam e acompanham o crescimento dos escoteiros da patrulha. Estes, democraticamente fazem do monitor o seu porta-voz, pois eles os escolheram e o elegeram.

- Este é o motivo da insistência de termos rapazes advindos do movimento liderando tropas Escoteiras. - Um adulto que não passou pôr esta fase, nunca vai acreditar ou só acredita pela metade na responsabilidade da patrulha em dirigir a si mesma. Ele vai fazer uma projeção totalmente errônea do Sistema de Patrulha, sempre baseada em sua experiência, que pode ser da sua vida passada ou da sua atividade profissional. “Mas se bem orientado, bem adestrado, tenho a certeza que ele vai ser um excelente escotista completou o amigo do ““ Velho”. E olhe que conheço uma infinidade de Escotistas que não foram escoteiros quando jovem e procuraram aprender e assimilar as ideias de Baden Powell.

- Tudo vai fluir facilmente se observarem estes princípios - era o “Velho” quem falava. - Uma boa patrulha, vai bem se a democracia é posta em pratica sempre. Vocês irão observar que o Conselho de Patrulha vai funcionar e consequentemente ele terá voz no Conselho de Monitores e na Corte de Honra. Se cada um desses órgãos for sério dentro dos padrões exigidos, o respeito as normas não deixaram de existir. Aí sim, estarão fazendo o verdadeiro Sistema de Patrulhas.

Um forte barulho sobre nossas cabeças nos deram um tremendo susto - Era um helicóptero que sobrevoava a região em baixa altitude. Levantamos correndo e fomos para a Sala Grande onde os últimos a entrarem foram o “Velho” e a Vovó.
Demos boas gargalhadas uns com os outros. As batidas do coração voltaram ao normal. A noite chegava e o tempo parecia ter parado. O assunto não se esgotara e as duvidas persistiam. Muita coisa ainda haveria de ser dita.

“Ninguém pode dizer exatamente o que é o certo, até ver que deu certo. Os melhores exemplos são aqueles em que passamos pôr eles. Ensinam-nos exatamente onde podemos chegar. O Escotismo também é assim e muitas de suas falhas são devido a falta de experiência o que pode nos levar as incertezas onde o fracasso é o caminho final”.

                                                                       
Comentando sobre o Sistema de Patrulhas.

“Cada Tropa Escoteira é formada pôr duas ou mais Patrulhas de seis a oito rapazes. O principal objetivo do Sistema de Patrulhas é dar responsabilidade real a tantos rapazes quantos seja possível. Isto faz com que cada rapaz sinta que tem pessoalmente, alguma responsabilidade pelo bem de sua Patrulha. E leva cada Patrulha a ver sua responsabilidade definida para o bem da tropa. Através do Sistema de Patrulhas os escoteiros aprendem que tem uma considerável participação em tudo que a sua tropa faz”. 
Baden Powell

Capitulo final

A noite avançou de mansinho sem fazer alarde. O amigo do “Velho” pedira licença pôr ter um compromisso e já se fora. Nós, ansiosos para mais conhecimentos, permanecíamos ali na sala Grande, acompanhados pela Vovó e pelo “Velho”. Enquanto não fossemos “dispensados“ acredito que não iríamos nos retirar. O “Velho“ não demonstrava sinais de cansaço e entre uma ou outra conversa e uma cachimbada, aumentava o volume de sua velha vitrola, cujo disco de um trio famoso em sua época, repicava velhas e saudosas canções escoteiras.

Lá fora, uma lua cheia e “rechonchuda” brilhava no céu, e pela janela, apesar das luzes acesas, invadia sem permissão parte da Sala Grande. O cheiro achocolatado, velho conhecido, era respirado pôr todos sem reclamação. O Sistema de Patrulhas em principio parecia ter sido absorvido pôr todos, mas a medida que discutíamos detalhes, mais e mais chegávamos a conclusão que pouco sabíamos. E era tão simples! - Chefe - monitor - escoteiro - escoteiro - monitor - chefe! - Simples mesmo.

- Vocês não devem esquecer - falou o “Velho” - que o Sistema de Patrulhas é um trabalho em Equipe. Através dele vamos dar aos jovens noções de civilidade, harmonia, compreensão, democracia, honra, fraternidade e formação da personalidade sem impor determinações que não condizem com a formação do caráter. Trabalhamos com o todo, mas visando a unidade, lembrem-se que colaboramos com os pais, a escola e a igreja. Não sei se me fiz entender bem! - completou o “Velho”.

- O Programa Escoteiro já é conhecido de vocês e basta aplicá-lo. O inicio é simples e para isto a tropa pode ajudar e bem. Em uma conversa ao pé do fogo, em um acampamento de monitores ou em uma reunião de tropa, tracem algumas metas e deixe que cada um use da palavra para alterar o que achar inconveniente. Peçam aos monitores para irem anotando. Quinze a vinte minutos no máximo. Maior tempo é cansativo e não vai ser produtivo. Depois, nesta mesma reunião ou numa próxima, sugiram uma Reunião de Patrulha, para discutir novamente os tópicos e o seu desenvolvimento.

- Lembrem-se que ali devem ter dados concretos, pois eles é que vão dizer as metas a serem cumpridas, tanto no programa da tropa como no adestramento progressivo de cada um. É importante que cada jovem tenha uma copia da ficha modelo 120(não sei se existe outra) para anotar e acompanhar como está indo o seu adestramento progressivo e todas as vezes que for alterada o monitor apresenta ao chefe da Tropa para atualização de uma segunda via e devolvida. A “Corte de Honra“ define sempre as etapas onde se exige parte da Lei e Promessa. - Claro que uma só reunião não será o bastante. Talvez mais. Cada tropa tem suas necessidades. Mas em três reuniões, seja de patrulha, Conselho de Monitores e Corte de Honra, acredito que terão um programa sadio e pronto para ser desenvolvido.

Isto acaba com “detalhes” de programa semanal, mensal e trimestral. Falo isto, pois tenho visto dezenas de amadores falando sem nexo sobre o Sistema de Patrulhas e o pior, nunca passaram pôr isto. Falam na teoria e na prática não se vê os resultados. Se aprenderam alguma coisa e querem colocar em prática, seria bom terem um bom adestramento técnico boa literatura e uma participação que não pode ir ao encontro dos desejos dos jovens. - Lembre-se, o importante é deixar boa parte do programa na mão dos jovens. E vai funcionar. Disso tenho certeza.


- Não importa o que possam dizer para vocês, pois compete a cada um acompanhar e se necessário alterar de comum acordo com os monitores e sempre levando em consideração a disponibilidade da chefia. A cada passo deve-se verificar o resultado. Este é que deve ser cobrado a todo instante. - Afinal, qualquer programa pode sofrer uma correção de rumo e se for o caso, discuta novamente com eles. Se passarem um ano fazendo assim e conseguirem manter pelo menos 65% dos jovens na tropa com etapas sendo vencidas estão no caminho certo. É um percentual baixo para uma boa tropa, mas acredito que a media em nosso país não passa de 25%.

- Tudo isto tem de vir acompanhado da parte mais importante que é a Lei e a Promessa. Façam seus escoteiros decorarem-na. Eles tem de saber na ponta da língua o que é e o que significa. A cada segundo não deixe de repetir para você e para eles uma Lei. - Haverá dificuldades. A própria chefia do Grupo poderá impor obstáculos.  Tentem pedir uma carta de “alforria” pôr um tempo determinado para provarem que dará certo. Acredito que irão conseguir. Mas se vierem com aquela lengalenga já conhecida, ou aceitem e continuem fazendo errado ou peçam o “chapéu” e procurem outro Grupo que irão apoiá-los.

- Haverá muitos que torcerão pôr vocês. Hoje, a evasão é tão grande que não sei como alguns ainda discutem Sistema de Patrulhas. - Se olhassem para trás poderiam ver que alguns Escotistas que se sobressaíram no Movimento ou fora dele, foi porque participaram do verdadeiro Sistema de Patrulhas.

Os raios do luar não respeitava a rua pôr onde passávamos. Deserta e calma, sentíamos o orvalho a cair e o aroma doce e suave completava nossa caminhada no começo daquela manhã. Acredito ter valido a pena ir para casa aquela hora. Nós três, contando cada um suas façanhas do passado, algumas vezes cantando as velhas canções escoteiras do “Velho” sentíamos orgulho em participar do Movimento Escoteiro.

Atenção! Fascículo já publicado aqui. Repeco após alguns acertos e melhorias. Estes não estão numerados.