Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

terça-feira, 4 de junho de 2013

O tesouro maldito da Mãe-do-Ouro. Fasc. 82.

Todos buscam a felicidade como se de uma caça ao tesouro se tratasse. Talvez até tenham razão, pois no fundo a felicidade é o ouro da vida.

 O tesouro maldito da Mãe-do-Ouro. Fasc. 82.

              Ao chegar à casa do "Velho" Escoteiro naquele domingo fiquei surpreso. Lá estava ele de uniforme, o seu velho caqui de guerra que ele adorava. – Sorri, pois mesmo com seus 86 anos ele ainda fazia bela figura. Sempre um exemplo envergando o uniforme. Ele diferente da sua rotina me cumprimentou normalmente. Não estava com semblante carregado sinal que o dia estava sendo promissor. Sentamos na sala grande e uma melodia silenciosa nos trazia uma paz gostosa. Reconheci Edward Simoni, um dos meus preferidos. – Meu caro, ele disse, sei que veio aqui hoje porque prometi lhe contar a historia do Tesouro maldito da Mãe-do-Ouro. Vou contar sim, mas antes estive pensando em muitas coisas que sinto e olho a alegria demonstrada por muitos que participam do movimento. São jovens, adultos e nem sempre sabemos se a alegria é só deles ou de toda sua família. Ontem mesmo esteve aqui um Escotista e ficamos conversando por horas. Conversa interessante. Ele mesmo vítima do seu amor ao escotismo. Agora divorciado. Acontece muito com chefes novos ou até antigos. Nem sempre sua família participa e ele diferente dos demais, mantém um enorme entusiasmo e maior ainda quando um filho ou uma filha estiver engajado.

           Eu acompanhava o raciocínio do Velho Escoteiro. Conhecia alguns chefes com graves problemas em família por causa do escotismo. Um tema que poucos comentam. Sempre vemos o lado bom, o Chefe sorridente com a esposa, os filhos todos uniformizados e o outro escondemos atrás da porta. – O Velho Escoteiro me olhou e como sempre adivinhando o meu pensamento continuou – É comum, o adulto quando entra se motivar de tal maneira que esquece que sua cara metade ou alguém de sua família não pensa como ele. Sabemos que o conceito básico da família é formada a partir da união de pai, mãe e filhos. Quando um deles assume uma personalidade que acredita trazer a felicidade e o bem geral a todos, a vida em grupo pode acarretar um grande obstáculo para uma união perfeita. Principalmente se antes do escotismo o casal não estava ainda preparado para o contrato social e espiritual que fizeram. Nestas horas a não ser os mais próximos poucos ficam sabendo dos acontecimentos.

           Em vários cursos que participei sempre coloquei como dinâmica de grupo o que poderia trazer a desagregação familiar na participação ao escotismo. Em primeiro lugar vinha o sacrifício de quem não participava isto por achar que o outro estaria consumindo valores, sem pensar que a família deveria estar em primeiro lugar e não o escotismo. As rusgas começavam a aparecer e logo o bom relacionamento que deveria existir era corrompido por um ou até dos dois cônjuges. Outro ponto que abordavam, mas em menor intensidade era absorção do escotismo nos fins de semana e feriados. Sempre o participante deixando a outra parte sem ele ou ela. Afinal dizem que basta três horas por semana e estaremos colaborando, mas não é verdade. O sábado dia de quase boa parte das reuniões em Grupos Escoteiros, não bastam três horas. Muitas vezes vai, além disto. Quase sempre o sábado passa a ser parte do escotismo. Sobra o domingo isto se não haver atividades com a sessão neste dia.

          Já vi grupos com reuniões no dia de semana. Isto ajudava muito com os fins de semana liberados para a família. Mas existem muitos senões. Infelizmente não temos no escotismo nada que comente ou oriente o Chefe ou a Chefe nesta hora. Um psicólogo, um conselheiro matrimonial nem pensar. Ficam os amigos tentando ajudar, mas sem nenhuma experiência. Quando o Grupo Escoteiro tem personalidade, onde todos se sentem como uma grande família então, a chamada interação de pensamento seria responsável para achar um caminho, isto claro se as vibrações de amizade emitem a todos uma maneira de dizer – “Um por todos, todos por um”. E olhe isto se aplica em todas as camadas escoteiras. Na chefia e nos dirigentes.  Mas sei que você está impaciente. Deve achar que a tal mãe-do-ouro é uma bela história. Poderia ser, mas sabe? Nada de anormal nada mesmo.

          Este preâmbulo que fiz do problema, tão pouco comentado no escotismo e nunca lembrado pelos dirigentes em cursos de formação nunca deixarão de existir. Felizes os que a família aos sábados partem para o escotismo. Sempre digo que nesta união se a família está unida, o mesmo acontecerá no escotismo. Ao contrário, se algum deles ficou em casa e não comunga do mesmo ideal, perde-se muitas vezes a noção do que é o certo e o errado, com ambos os cônjuges se considerando com a razão. Esquecem os amantes do escotismo que o outro lado exige sua presença principalmente em atividades sociais e familiares, que muitas vezes são esquecidas. Os voluntários que se aproximam por não saberem dosar esta participação, quando reconhecem o erro ou mesmo pressionados pelo outro lado (aí entra a família dele e dela) abandona as atividades escoteiras, claro com uma certa mágoa, mas sabendo que o caminho que resolveu seguir é o certo. Perde o escotismo por não saber ou mesmo não poder resolver tais problemas familiares.

               Mas vamos lá, não é uma grande história e acredite, passei poucas e boas nas minhas aventuras escoteiras. Nesta eu achei que não ia voltar. – O Velho Escoteiro se levantou e foi até a uma prateleira de livros na sala. Dentro de um dos livros retirou uma tira de couro, do tamanho de uma página de caderno – Veja ele disse –
Aqui você tem o maior mapa de tesouro que já existiu em nosso país. Nem imaginas quantos morreram por causa dele. Eu mesmo não morri porque a mão de Deus me protegia. – Agucei a curiosidade. – "Velho" Escoteiro é uma história sua? Gostaria de conhecer. – Calma ele disse. Esta estava guardando comigo e achei que não contaria para ninguém. Nunca pensei que de novo pudesse pensar naquela aventura que ficou marcada e nunca mais esqueci. Nunca esqueci e nem vou esquecer que vi a morte de perto. – Tudo começou quando um antigo Escoteiro amigo do meu Chefe me procurou – Olhe jovem, ele disse, soube que você tem espírito aventureiro. Se um dia achar que está preparado, siga este mapa. Se você conseguir encontrar a pista, irás ficar rico!

             - Olhei para o antigo Escoteiro duvidando. Eu tinha vinte anos. Ainda era pioneiro, pois como gostava de viajar por este mundo de Deus não quis assumir nenhuma chefia e nem nosso Grupo Escoteiro precisava. – Ele o antigo continuou – Seguindo o tesouro da Mãe do Ouro, o veio da mina estará próximo. Quem me deu disse que nunca iria lá. Disse-me que a lenda da Mãe do Ouro tem sua origem na África. Quando aqui chegaram os primeiros escravos eles fugiam das fazendas, e com a mesma persistência que faziam em seu país de origem, eles iam para as montanhas, escavavam grandes tuneis e logo surgiram centenas de minas. Parece ou parecia que havia uma guardiã dos tesouros da serra, das montanhas e dos rios que eles exploravam. – Ela está sempre perto do ouro e é vista a noite, porque brilha com a mesma beleza dourada do metal dourado. – Me afirmaram que ela foi vista muitas vezes em Ouro Preto.

          - Não que duvidasse do Velho, mas aquela historia parecia mais uma lenda – o Velho Escoteiro continuou – Se um dia você resolver entrar em uma mina e deve ser das que a Mãe de Ouro mora, aguarde. Ela costuma aparecer depois das sete da noite, como uma luz dourada e cauda luminosa. Poucos mortais puderam vê-la de perto. Dizem ser linda, coberta de ouro, cabelos cheios de bichos e é crença geral é quem conseguir limpar seus cabelos, ficará muito rico.  – Olhe meu amigo você sabe como sou. Um aventureiro de mão cheia. Procurei outros pioneiros e chefes convidando a ir comigo. Ninguém quis. O espírito aventureiro nem sempre é assimilado por todos. Meu pai e minha mãe já eram falecidos. Tinha na empresa de meu pai um excelente diretor. Eu passava mais tempo na faculdade que na firma. Não deixei de barato. Nas férias de julho me mandei para Ouro Preto sozinho. Nunca tive medo.

          - Não perdi tempo. Tinha minha tralha organizada para exploração de cavernas. Uma pequena corda de nylon de quinze metros, uma excelente lanterna e um capacete onde havia um reator fixado destinado a produzir gás a partir de pedras de carbureto de cálcio. Muitas pilhas de reserva, ração para dez dias, e um pequeno material de sapa que sabia não iria utilizar. Nada de materiais de roupa de cama, e pouco individual. Dentro da caverna não iria precisar. – Como sempre os moradores da cidade mesmo sendo ela uma cidade turística nós Escoteiros sempre chamávamos a atenção. Não perguntei nada a ninguém. O mapa era meu rumo. Eu sabia como seguir. Meu destino era a parte mais alta do Pico do Itacolomi, hoje um parque muito famoso e muito visitado. A subida era forte. Eu tinha bastante material na mochila e no bornal. Lá pelo meio dia parei para descansar e fazer um lanche. Vi um local atraente, uma pequena arvore e muito capim gordura, espesso e mesmo o conhecendo por ser meio colante desci a mochila e coloquei-a no chão e ela sumiu. Assustei, abaixei e ao tatear onde ela sumiu e eu também cai em queda livre. Uma queda que nenhum mortal poderia sobreviver.

           - Hoje me lembro de poucas coisas. Senti o primeiro baque em uma saliência daquela enorme caverna. Depois outro e mais outro baque. Não pude ver. Devia ter caído mais de vinte metros. Sentindo dores terríveis olhei para cima e vi um teto abobadado, luzes amarelas que não podia explicar. Desmaiei. Acordei outras vezes com enormes tonturas, parte do corpo parecendo sangrar e para ser sincero achei que se não tinha morrido isto iria acontecer em pouco tempo. A dor era tanta que mal conseguia rezar. Lembro um pouco de tudo. Uma madorna para dormir, acordar com dores lancinantes no corpo, sede, suor escorrendo pelo corpo, ficava em transe em um tormento inigualável. Não sei quantos dias fiquei ali. Abri os olhos e pela primeira vez as dores cessaram. Tentava abrir os olhos e pouco que via nada ouvia, a não ser bem longe dali o som de um pequeno riacho. Um dia vi um vulto. Uma mulher. Linda! Cabelos loiros encaracolados. Sorria para mim. Parecia um anjo ali naquela caverna escura.

              Não sei quantos dias se passou. Minha sede acabou. Não tinha mais fome e minhas dores sumiram. Não conseguia levantar.
Pensei que tinha dentro de mim muitos ossos fraturados. A visão sumia e poucas vezes depois a vi de novo. Um outro dia acordei. Alguém cantava, mas não conseguia ver. Uma voz me embalava e me contava uma historia – Assim a voz dizia – Uma vez algumas crianças brincavam perto da entrada desta caverna. Os moradores sabiam e proibiram as crianças de estarem ali. Naquele dia elas estavam acompanhadas de duas moças que conversavam distraídas e alegres. De repente, lá no fundo da caverna saiu uma luz brilhante. Todos queriam correr e gritavam assustados. A luz dourada passou sobre a cabeça de todos o que fez que muitos desmaiassem. Eram incrédulos e pecadores. Os inocentes nada tiveram, mas os outros ficaram vários dias abobados, sem fala. Ninguém soube explicar o que foi aquilo. Os outros os inocentes tiveram sorte. A fortuna foi dada a eles de maneira simples. Acho que foi ela quem com uma voz doce e suave disse: Sei que você é um Escoteiro. Tem a bondade no coração. Vais um dia adquirir enorme fortuna.

                Acordei encostado a um tronco de uma enorme acácia. Enorme mesmo. Avistei ao longe o sol se pondo. Ao meu lado minha mochila, meu chapéu e meu bornal. Sentia-me forte. As dores sumiram. Pensei em descer a serra, mas antes fiz uma busca nos arredores para ver se encontrava a entrada da enorme gruta que caí. Em vão. A noite chegava. Resolvi dormir ali naquela noite. A acácia era uma grande barraca e o céu estrelado era convidativo. Fiz uma oração de agradecimento. Não sei por que no final dela me lembrei da senhora loira, que a história dizia ser a Mãe-do-ouro. Acho que foi ela que me salvou. Como fez para me tirar dali daquela gruta não sei. Dormi o sono dos justos. Acordei com centenas de pássaros cantando. De uma maneira inusitada e que nunca aconteceu até um lobo guará se aproximou. Olhei para ele e ele olhava através de mim, me virei e vi ao longe no pé da serra um vulto. Um sorriso e desapareceu para sempre. Era ela. Sem sombra de dúvida.

              Incrível foi quando cheguei a minha casa e ao retirar toda minha tralha para limpar e guardar de dentro da mochila vi um saquinho de couro, pequeno. Abri. Surpresa. Uma enorme pepita de ouro. Enorme mesmo. Devia valer uma fortuna. Não a vendi. Não podia. Ficou comigo por toda vida. Acreditei que foi ela a Mãe-do-ouro que me presenteou. Queria dizer muito obrigado, mas acho que ela sabia o quão fui grato por tudo. O tempo passou. Pensei um dia voltar lá novamente. Sabia que se bem planejado muitos chefes Escoteiros iriam comigo. São coisas de Escoteiros a busca de aventuras. Melhor não. Dizem que a sorte não bate em sua porta duas vezes. – Olhei para o Velho Escoteiro. Ele parou de falar. Subiu as escadas do andar de cima. Achei que ia dormir e como era do seu feitio não disse boa noite. Levantei devagar do meu banquinho de três pês. Olhei para cima e ele descia as escadas novamente. Chegou até a mim. Retirou de um saquinho de couro a enorme pepita. Enorme. Quase do tamanho de um ovo. Devia valer enorme fortuna.

                Na rua gelada do inverno que se arrastava naquele mês fiquei pensando na historia do Velho Escoteiro. Não podia ter certeza da verdade, mas e a pepita? Sabia que era verdadeira. E nunca em tempo algum o Velho Escoteiro mentiu para mim. O vento soprava uma nevoa branca pela rua, fria e gelada. Meus ossos batiam com o frio. Pensei na Mãe-de-ouro. Gostaria de ter ido lá. Mas estas histórias não existem mais. Só as vejo nas páginas que me jogaram em uma internet qualquer. Os sonhos ficaram para trás. Um dia li que a crença de tesouros escondidos ainda permanecem intactas nos moradores mais velhos de Ouro Preto. Diziam que os escravos escondiam o ouro. Outros guardavam fortunas enormes em suas bolsas. Mas existiram outros que nunca nada encontraram e outras se deram mal nas suas vãs tentativas. O mundo dos mistérios e dos grandes tesouros ficou para trás. Hoje tudo mudou. Mas nas passadas firmes que eu caminhava pela rua onde morava o sonho permanecia em minha mente. Hã! Velho Escoteiro. Devia ter nascido em outra época. Entrei em casa calmamente. Cai num sono profundo. Nos meus sonhos ela apareceu linda e sorridente! Lembro até que me disse – Você meu jovem tem a alegria no coração, sei que como Escoteiro e puro nos seus pensamentos palavras e ações um dia terá enorme fortuna. Acordei olhando para minha esposa que dormia ao meu lado e também sorria. Enorme fortuna!              

O mito característico desta história é a Mãe-do-Ouro. Conforme estudo de Câmara Cascudo a Mãe-do-Ouro é indicadora de jazidas de ouro, madrinha dos veeiro, padroeira dos filões. Aparece em forma de chama ou meteorito. Os relâmpagos indicam a suas direção e os trovões revelam a sua cólera.  Manoel Ambrosio poeticamente disse: “quando uma dessas bagas coruscantes tombam d’além, ouve-se ainda um frêmito ingênuo que a civilização ainda não pode extinguir: - é ela e ela... A zelação, serpente Mãe-de-ouro encantado, a cobra de cristas de fogo a zunir, mudando, afundando-se nas solidões das montanhas”.