Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Meu Chefe, meu herói! Fasc. 084

“O teu filho te vê como um herói, não te transforme em um tirano aos olhos dele.”
Plutarco.
 
Meu Chefe, meu herói! Fasc. 084

                 Recebi o recado do "Velho" quase na hora de sair do trabalho. Estranhei,
pois dificilmente ele fazia isto. Fiquei preocupado e fui direito a sua casa. Estava cansado aquele dia. Uma máquina resolveu quebrar e ficamos horas desmontando e consertando. Deu trabalho. Nem tomei banho, pois o chamado do "Velho" tinha prioridade. Subi as escadas e abri a porta da sala grande sem bater. O "Velho" estava lá, como sempre na sua poltrona de vime favorita ouvindo um dos velhos discos de vinil que ele insistia em manter. – "Velho"? Perguntei. O que ouve? Nada, respondeu. Mas me mandou chamar com urgência? Eu? Só pedi para passar aqui, mas vejo que você é rápido no gatilho. E riu a vontade. Só queria saber se você é esperto o bastante para saber quando for uma chamada séria de uma idiota. E riu com gosto.

                Nada contra o "Velho". Suas manias eram por mim aceitas sem raiva ou rancor. Logo a Vovó adentrou a sala. Olá! Você aqui hoje? Sorri de leve. Dificilmente eu ia à casa do "Velho" as terças feiras. Voltei para o "Velho". Vamos aproveitar minha vinda aqui e hoje e você termina suas observações sobre aquele tema do Meu Chefe, meu herói. O "Velho" me olhou e disse, olhe, não chamei você aqui para isto, mas porque não? E você vai ter opiniões fresquinhas. Veja, estive neste sábado a convite em dois grupos escoteiros. Não conhecia. Apenas confirmou o que eu pensava sobre o Diretor Técnico, seus chefes e suas sessões.

              Mas antes quero fazer uma observação, pois vai servir como exemplo para minhas dúvidas que aqui irei narrar posteriormente. De vez em quando dou uma olhada na internet. Não me surpreendeu ver a foto do Escoteiro Chefe Inglês junto à rainha, junto aos jovens e abraçando lobinhos. Também o mesmo nos escoteiros americanos. A BSA faz o mesmo. Idem em diversos países. No Brasil não. Por quê? Porque não vemos dirigentes abraçando, cumprimentando e sorrindo junto aos jovens? Podem dizer que aqui eles são muitos. Mas onde estão? Não os vejo em bate papo na internet, não os vejo sugerindo com artigos em sites de amigos. Isto não seria possível com o presidente do DEN? Acabaram com termo de Escoteiro Chefe, implicaram tanto e hoje ninguém nem mais sabe que existia. Não sei por que, e fizeram isto que está aí. Fecham-se e alguns vêm me dizer que lá tudo é às claras. Mas esqueçamos disto. Só citei para lembrar que em outros países os dirigentes se mostram alegres, juntos aos seus irmãos escoteiros.

              Não o chamei para ir comigo, pois você disse que estaria trabalhando neste fim de semana que passou. Assim aproveitei a carona de um Chefe amigo e lá fui eu ao primeiro grupo. Pessoal bacana. Receberam-me muito bem. O Diretor Técnico foi o fundador do grupo. Está no cargo a mais de trinta anos. Os chefes me mostraram serem um pouco subservientes. Na presença dele abaixavam a cabeça. Confesso que não me senti a vontade. Não gosto disto você sabe. No escotismo ninguém deve abaixar a cabeça ou considerar o outro importante demais para ele. Fiquei pouco tempo. Deu para ver as tropas Sênior e Escoteira e a alcatéia. Não parecia uma família feliz. Não sei, mas acreditava que o Diretor Técnico estava sempre junto, observando, e quem sabe dando instruções aos seus comandados. Comandados? Não seria este o termo, mas ele era o “dono” do grupo. Trinta anos. Fundou o grupo. Queriam o que? Despedi-me e prometi sem muito entusiasmo voltar outro dia com mais tempo.

               No segundo grupo me senti em casa. Uma rapaziada alegre, cantando, brincando, chefes rindo, dando instruções para os monitores, alcateias cheias de vigor, olhinhos brilhantes significando que ali as reuniões eram perfeitas. Fui apresentado ao Diretor Técnico. Estava na sede, junto com outros membros diretores. Não estava lá mostrando junto às sessões não ser o chefão. Conversava com os diretores alegremente. Preocupados com o desenvolvimento do grupo, não quis interromper e vi quando um diretor perguntou quando seria a nova eleição? Quando seria a próxima assembleia? Vi que o Diretor Técnico respondeu preocupado. Conversou com vários chefes sobre sua substituição. Ele já estava lá a mais de quatro anos e achava que precisava passar o bastão para frente.

                Voltei para casa pensativo. Afinal qual a maneira correta? Ora se você fundou o grupo tem que ter seus direitos. Mas isto é bom? Até um certo ponto acho que sim. Já vi muitos grupos cujos Diretores Técnicos são eternos. E muitas vezes perfeitos em suas funções. O grupo neste caso sempre tem uma boa sede e quase a maioria tem sua sede própria. Mas nem todos tem este carisma de arregimentação e se deixam prevalecer pela demagogia, e com isto perdem muito seu efetivo adulto. Claro, temos adultos voluntários que sempre usam a palavra servir antes de tudo. Obedecem sem pestanejar e ficam lá por poucos anos. Outros não pensam assim. Quando entram estão cheios de entusiasmo para aprender e ajudar. O tempo vai passando e ele gostaria de opinar, mas tem sua palavra cortada sempre. Chega uma hora que pega o chapéu e vai embora.


               Já comentei com você sobre a sede de poder no escotismo. Juram para mim que não existe. Existe sim. Na maioria dos grupos os Diretores Técnicos são eternos. O mesmo se aplica ao Distrital. Infelizmente também com a região e a direção nacional. Juram para mim que não. Que a oportunidade são de todos. Dá vontade de rir. Teve até um, que não se identificou se dizendo anônimo que a democracia lá é perfeita. Dizer o que? Mas falo para você francamente, eu ainda não tenho uma opinião formada. Homens são homens. Com seus defeitos, suas qualidades e alguns até imprescindíveis. Não diria que são insubstituíveis não. Conheci um grupo que o “dono” se eternizou no cargo de Presidente deste que fundou o grupo até falecer 50 anos depois. E sabem o que aconteceu? O grupo fechou as portas.

             "Velho" acho difícil mudar isto. Veja você em nosso próprio Grupo. Você saiu depois de vinte anos, entrou um ficou doze anos e há mais de nove tem outro.
O "Velho" me olhou e respondeu: - Deu certo não? Deu sim. Outra mentalidade. Uma democracia diferente, mas é. Tem um Conselho de Grupo e um conselho de chefes que funcionam, uma diretoria que funciona, e os escotistas de sessão tem tudo que precisam. Em tempo algum gastam nada no grupo. Atividades extra sede, cursos, encontros distritais, regionais e nacionais sempre cobertos pelo Grupo Escoteiro. Mas assim é o escotismo em quase todo o mundo. Em alguns lugares são mais sérios nas mudanças, na maneira de agir. Aqui não. Vieram alguns, mudaram com novos em cursos, pois agora estes cursos tem em sua maioria alunos que adentraram a pouco no escotismo e criaram um verdadeiro manancial de seguir o Chefe.

                 As tradições? Foram postergadas. Disseram que o mundo moderno exigia outro estilo. Mudaram tanto o uniforme que agora copiam de outros países dizendo que é novo, é lindo e por aí vai. Espere quando lançarem. As cores iguais. Deixaram de lado as nomenclaturas antigas, os nomes de etapas que tanto encantaram uma geração e assim foi surgindo uma mudança radical em tudo. Foi fácil. Os novos assimilaram o que os novos dirigentes diziam e sabemos que nossa disciplina, a vontade férrea em aprender nos faz acreditar no que dizem e fazem. Hoje vejo dirigentes vestindo qualquer uniforme ou traje e até alguns mal vestidos. Dizer o que? Copiar é claro. Eles são os chefes e os chefes são meus heróis.

               Isto não acontece em outros países. A maioria preserva suas tradições e suas identidades. Vejam voces muitos alegam que a BSA muda muito. Não muda. Quando faz mudanças faz pesquisas sérias com todos os membros. Aqui? Sim temos o sabe tudo. Ou melhor, Chefe Herói. Ele fala, ele diz, e todos dizem amém. E vá discordar para ver. Olhem as fotos de escoteiros ingleses, americanos, alguns países europeus e principalmente os asiáticos. Que garbo, sinto saudades quando éramos assim também. – Fiquei olhando o "Velho" e pensando. O caminho já tinha sido feito. Era um caminho sem volta. Agora pensava como poderia ser a liderança Escoteira em todos os seus níveis. Difícil dizer.

             O "Velho" como a adivinhar meu pensamento disse – Olha meu caro, o estilo nosso de hereditariedade nas lideranças em alguns casos são positivos. Talvez se houvesse mais seriedade nas alterações que fazem se dessem mais satisfação de seus atos a toda comunidade Escoteira e se estas fossem acompanhadas de pesquisas sérias não estas que dizem que fazem então até que o escotismo poderia ser outro. Mais sério. Agora não é. Chamo isto ainda de casta. Uns poucos mandando e outros obedecendo. Meu Chefe meu herói. São tantos heróis. Difícil dizer que eles são assim. Deviam ser o herói dos meninos e meninas, mas com essa profusão de uniforme, com essas mudanças que acontecem no programa, quem é o herói?

              Vovó apareceu na sala com seu carrinho mágico. Magico mesmo. Estava morto de fome. Sanduiches de Peru, de peito de frango, de camarão, pasteis de carne, de mandioca, de queijo. Para beber chocolate quente, suco de maracujá. Vovó era demais. Meu Deus! Vamos lá. Meu estomago não pode esperar. O "Velho" colocou Max Greger tocando Lullaby Of Bird. Comer, ouvir uma bela música e pena, eu não estava em casa para dormir e sonhar. Será que eu também seria um herói?

"Um herói é um indivíduo comum que encontra a força para perseverar e resistir apesar dos obstáculos devastadores."

( Christopher Reeve )


domingo, 7 de julho de 2013

O passado de todos nós. Fasc. 083 Ladies And Gentlemans, com vocês...!

“Todos os dias devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro bonito e, se possível, dizer algumas palavras sensatas”.
Johann Goethe.

O passado de todos nós. Fasc. 083
Ladies And Gentlemans, com vocês...!

                 Levantei cedo. Meu corpo acostumara e aos sábados mesmo querendo não conseguia dormir mais um pouquinho. Sábado
era sagrado. Muita coisa para arrumar, pois eu e minha esposa trabalhávamos fora a semana toda. Nem pensar em ficar ali na minha poltrona, curtir meu jornal, cochilar e dar uma olhada na TV mesmo sabendo que ali não tinha nada de interessante. Não me culpem.  E ainda tinha o Grupo Escoteiro a tarde toda o que não dispensava as noites. Bem eu não reclamo, pois adoro o escotismo e todos os membros que são meus amigos. Minha esposa nunca participou e sempre me apoiou. Hoje ela estava na casa de sua irmã na mesma rua onde morávamos. O telefone tocou – Atendi. – Preciso de você agora! – era o Velho Escoteiro. Tem de me levar ao canal 10 urgente. – Velho tenho muita coisa para arrumar e a tarde você sabe que vou para o grupo! Esqueça tudo. Olhe eu estava lendo meu jornal e com a TV ligada.  Comecei a cochilar quando o apresentador de um programa de auditório chamou alto: - Ladies And Gentlemans, com vocês...! Orêia e Cotovelo! O auditório veio abaixo e eu fiquei ali em pé olhando a entrada deles. Não havia dúvidas. Eram eles sim. Samuel e Pascoal, vulgo Orêia e Cotovelo.

                 Meu amigo foi uma bela surpresa! Havia anos que eles desapareceram da face da terra. Mas tinha alguma coisa errada. Eu preciso ir lá não só para abraçá-los como saber o que ouve com o Espoleta, ou melhor, Baltazar. Eram três. Agora só dois? – Não tive saída. Sabia que ia chegar tarde à Tropa, mas eu era assistente. Liguei para minha esposa avisando. Disse que ia levar o Velho até o Canal 10. Ele insistiu que ia rever antigos Escoteiros. Ele me esperava na varanda de sua casa. De uniforme é claro. Calças curtas e chapelão. No caminho não parava de falar. - Todos os três foram da minha Patrulha. Eu era o Monitor da Leão quando eles vieram da Alcateia. Primeiro Samuel e dois meses depois o Pascoal. Baltazar veio seis meses mais tarde. Ainda não tinham estes apelidos. Nunca esqueci o dia. Estávamos acampados em Santo Ângelo do Amarantes. Um grupo novo nos convidou. A cidade em festa. Na última noite a pequena emissora de radio sem nos consultar convidou toda a cidade para o Fogo de Conselho. Um sábado, sem cinemas e seus nove mil habitante nada tendo o que fazer o convite foi aceito por todo mundo. À noitinha lá foram todos para o Campinho Verde. Não longe da cidade. Acampávamos lá com os Escoteiros do Grupo Escoteiro Santo Ângelo do Amarantes. Resolveram dar o nome da cidade ao grupo.

                 Ninguém esperava aquela multidão. Mandar embora? Cancelar o Fogo de Conselho? Nem pensar. Nosso Chefe Nestor nem admitia pensar nisto. – Chamou os monitores dos dois grupos e o Chefe deles. – Precisamos pensar em outro tipo de fogo. Sou todos ouvidos! – Surgiram ideias e ideias. – Chefe eu disse – Tem três Escoteiros da Patrulha que são superengraçados. Acho que tranquilamente podem fazer lindas apresentações e tenho certeza que todos irão morrer de rir. – Dito e feito. Olhe, foi o melhor fogo de conselho publico que participei. Nunca ri tanto em minha vida. Pela primeira vez surgiram os apelidos – Palmas para Orêia Cotovelo e Espoleta! Assim foram apresentados pela primeira vez. Sucesso absoluto. Diferente de muitos eles não se maquiaram de palhaços. Um silêncio enorme.

                 O Velho Escoteiro não parava de falar. Vi que os três amigos do passado foram muito mais que isto. Agora vendo seus sucessos o Velho voltava no tempo e se não desse um abraço em cada um seria o fim do mundo. – Ele continuou - Havia uma pequena elevação onde quem se apresentava ficava a vista de todos. Orêia chegou correndo. Parou. Mãos no rosto como a procurar no horizonte. Mamãe! Gritou. Mamãe! Repetiu. Cotovelo chegou correndo – Que ouve meu filho? Mamãe minha Chefe disse que descendemos dos macacos, é verdade? Eu não quero ser um macaco – Calma meu filho, calma vamos perguntar ao seu pai, pois ele até hoje não me apresentou a família dele! – Foi à conta, o povo caiu na gargalhada. – Espoleta entrou pensativo – Atenção vocês! Conhecem a piada do não nem eu? O povo gritou naãao! Não mesmo? Então nem eu. E deitava no chão rolando de rir. E ria, e ria. O melhor deles eram as gargalhadas, deitados no chão rolando de rir não havia quem não acompanhasse. Era contagiante. As piadas surgiram aos borbotões. Eu não sabia onde eles tiravam todas. Depois me disseram que eram criações suas.

                    - Isto foi só o início, continuou o Velho Escoteiro. Nos fogos de conselho da Tropa eles dominavam. Quando era um fogo para o público quem os conhecia vinha de longe só para assistir. Era um estilo novo. Sem fazer caretas. Ficavam sérios quando contavam suas piadas e depois deitavam no chão rolando de rir. Não havia que não os acompanhasse. Quando fomos para os seniores às três patrulhas fizeram de tudo para eles participarem das suas. Ficamos separados pela primeira vez, mas na mesma Tropa. O melhor deles era que as piadas eles mesmo criavam. Uma facilidade incrível. – Chegamos ao prédio do canal 10. O Velho Escoteiro foi entrando e barrado pelo guarda. O Velho Escoteiro é uma pessoa formidável. Segurou na mão do guarda com esquerda, fez a saudação em posição de sentido e disse – Sou irmão do Orêia. Mostre-me o camarim deles. O guarda não teve jeito e mostrou.

                         A porta do camarim estava aberta. Lá dentro uma legião de fotógrafos e jornalistas. Um homem alto de terno e gravata tentava dar uma organização em tudo. O Velho Escoteiro entrou e gritou – Reunião de Patrulha - Quem não for da Touro sai agora! – Ninguem estava entendendo nada. Orêia e Cotovelo quando viram o Velho deram um grande grito de olé e correram para abraçá-lo. “Meu Monitor!” disseram. “Meu Monitor” você aqui? - Uma festa. O grandão esvaziou o camarim. Ficamos ali eu, o Velho e os dois antigos companheiros. Conversaram mais de hora. Só então o Velho Escoteiro me apresentou. Os dois eram ótimos. A gente não sabia se eles estavam contando uma piada ou se estavam sérios chamando a atenção. Passava do meio dia quando disse ao Velho Escoteiro que precisávamos ir. A reunião começava as duas. – Ligue. Não tem celular? Cotovelo se aproximou de mim e sério me disse – Sabe por que o português sempre deixa o celular em cima da máquina de lavar? E ele mesmo respondeu – Para não ficar fora da área de serviço. Deitou no chão e rolava de rir acompanhado de Orêia.

                          Saímos os quatro dali e fomos para um barzinho próximo. Todos que estavam no bar saudaram efusivamente os dois comediantes. Nunca vi o Velho Escoteiro tão alegre. Olha que assisti a muitos amigos dele o visitando, mas ele tirar o pé da sua sala grande e ir visitar alguém? Bem o impossível acontece. – O Velho logo perguntou onde estava o Espoleta. Um silêncio entre os dois. Ninguem queria dizer nada. – Velho disse Cotovelo, uma maldade aconteceu com ele. Uma grande maldade. Ele se apaixonou! Um silêncio na mesa. Orêia continuou – Conheceu Estrela em uma viagem nossa no interior de Minas. Ela não tirava os olhos dele. Morena rechonchuda, bonita, lábios grossos, grandes olhos castanhos, cabelos negros lisos até o ombro. Espoleta logo se apaixonou. Mesmo amigos nós tínhamos um contrato. Nosso agente ficou receoso com aquela mudança em Espoleta. Não era mais o mesmo. Só queria ficar com ela o tempo todo.

                           Ela encheu sua cabeça de novas ideias. Que ele estava sendo prejudicado e podia até estar sendo roubado. Que desfizesse o contrato e fosse sozinho apresentar seus espetáculos pelo Brasil. – Voce não precisa deles – ela dizia. Quantas vezes apresentou sozinho? – Tanto falou que resolvemos desfazer o contrato com ele. Nem passou quatro meses e soubemos que ele estava internado em um hospital em Vila Verde. Paramos dois espetáculos programados e fomos lá. Dava pena. Se você o visse nunca iria reconhecer. Magro, ossos aparecendo na face. Cabelos sujos vestia um calção com uma camiseta suja. O hospital não dava roupas. Tiramo-lo dali. Fazia pena. Ele só chorava. Queria sua Estrela de volta. Um dia sumiu e nunca mais ouvimos falar dele até o mês passado. Ele mora em um bairro simples na cidade de Além Paraíba. Ainda não fomos lá. Mas as notícias não foram boas.


                           Ficamos conversando os quatro até às cinco da tarde. Minha reunião já era. O Velho Escoteiro fez questão que eles fossem a sua casa no domingo. Convidados para almoçar. O domingo foi cheio. Não deu para falar em escotismo atual, pois Orêia e Cotovelo não paravam de contar suas historias com o Velho. Para dizer a verdade o Velho Escoteiro de 86 anos parecia ter menos de sessenta. A noite chegou eles foram embora. – O Velho virou para mim – Preciso que me leve a Além Paraíba! – Velho! Como? Só se for na outra semana. – Nada disto. Vamos segunda. Se quiser ligo para seu diretor, tenho certeza que ele não vai negar lhe dar dois dias de folga. Não vou deixar o Espoleta na miséria. – A Vovó me olhou com ar de súplica. Não havia como dizer não. – Viajamos cedo. Não era seis da manhã e a estrada corria sobre o meu velho Palio de guerra. Foram mais de cinco horas de viagem. O Velho Escoteiro tinha o endereço. Não foi difícil achar. Bem periferia. Uma casinha feita de taboas. Batemos na porta e ele não estava. – Uma vizinha disse que só chegava à noite. Trabalhava de ajudante de pedreiro.

                            Ele chegou por volta de oito da noite. O Velho como sempre de uniforme. Espoleta se assustou – Não reconheceu o Velho, pois estava escuro – Convidou-nos para entrar. Quando viu quem era bateu continência. “Meu Monitor”! Abraçaram-se. Risoleta ria e chorava ao mesmo tempo. Sempre querendo saber de novidades do Velho escoteiro. O Velho insistiu com ele para irem almoçar em um restaurante qualquer. Ele indicaria. Espoleta ficou sério. – Monitor, eu não tenho como pagar. – Se abraçaram com Espoleta chorando. Vamos você é nosso convidado. Conversamos até altas horas da noite. O Velho Escoteiro insistiu que ele voltasse conosco e porque não ser mais um com Orêia e Cotovelo? – Não sei Monitor, não sei se me aceitam de volta. Vamos dormir aqui na cidade. Cedo viemos buscá-lo, você vai até a obra conosco pede demissão e vamos junto de volta. Fica comigo em minha casa até conseguir arrumar uma sua. O Velho em tempo algum perguntou por Estrela. Ele também nada comentou.

                               Às cinco da tarde de terça feira estávamos de volta. Espoleta durante toda a viagem pela primeira vez se abriu e contou seu amor por Estrela. A Vovó foi uma perfeita anfitriã. Difícil encontrar uma esposa como ela. Orêia e Cotovelo foram informados por telefone. Correram a casa do Velho Escoteiro. – Espoleta receoso. – Nem pensar amigo, somos irmãos Escoteiros. Seremos até que a morte nos separe. Os bons tempos voltaram. Agora juraram ficar juntos para sempre. Todos os domingos quando não havia apresentação os três se reunião na casa do Velho Escoteiro. Eu sempre estava lá. O Velho, Samuel, Pascoal e Baltazar, vulgo Orêia, Cotovelo e Espoleta voltaram a ser irmãos outra vez. Juraram que ninguém os iria separar até a morte. Se isto aconteceu não sei. Receberam um convite para excursionar na Europa e partiram. Soube pelo Velho que eles mandaram fazer o uniforme e em cada cidade faziam questão de apertar a mão esquerda dos além-mares. Escotismo não tem fronteiras diziam eles. 


                              A certas coisas no escotismo que me marcam. Eu não fui quando jovem, mas ele o escotismo vivia em meu coração. Uma fraternidade e uma amizade que dificilmente encontramos. E o Espetáculo continua. Orêia, Cotovelo e Espoleta cada dia mais famosos. Os Escoteiros enchiam seus espetáculos em qualquer cidade que passavam. Eu fiquei esperando seu retorno ao Brasil. Farei questão de convidar a Tropa que colaboro a ir conhecê-los. Exemplos de amor e fraternidade. E como dizia a velha Kaa – “Mowgly, não esqueça, somos irmãos de sangue. Tu e eu”.