Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sábado, 22 de março de 2014

O adestramento ou formação do Escotista.


O adestramento ou formação do Escotista.

É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer.
Aristóteles

           Temos hoje uma gama variada de cursos de formação, antigamente chamados de adestramento para os chefes escoteiros. Isto é bom. Muito bom. A variedade pode dar um conhecimento bem teórico ou quem sabe prático de sua vivencia Escoteira e quem ganha com isto claro é sua sessão. Mas, no entanto vejo que em alguns casos a sofisticação coloca em duvida se realmente ainda somos um movimento de atividades realizadas ao ar livre onde o aprender a fazer fazendo continua a ser a tônica da formação Escoteira. Pretendemos dar ao jovem uma variedade de atividades onde a prática é testada de frente, onde orientamos nossos monitores como fazer, e ele junto a sua Patrulha viver situações inusitadas para viver como bons mateiros, aprendendo que ali no campo de Patrulha é sua nova casa e para isto devem ter se possível ter o melhor conforto. Viver realmente em equipe. Nota-se que a prática supera a teoria.

            Lembro quando fiz meus cursos no passado. Todos vivendo em patrulha, aprendendo o respeito necessário entre si, aprendendo a obedecer ordens e ao mesmo tempo aprendendo a liderar. Não era fácil. Aqueles que juntos a outros cinco ou seis ficaram em uma Patrulha acampados por algum tempo sabem que não é fácil. Principalmente quando somos adultos. Aprender a conhecer um por um e entender os erros e acertos não são tarefa que se aprende de um dia para o outro.  O primeiro curso era de cinco dias. A parte II do IM (campo) era de oito a nove dias. Como fiz o de Escoteiro e Sênior, aprendi a conviver em equipe, mas até hoje ainda fico em duvida. Fiz também o de lobo. Cinco dias.

           Alguém outro dia me disse que já não se fazem cursos como antigamente. A sofisticação agora é bem complexa. Preocupam-se os dirigentes com vários quesitos que antes eram relegados a segundo plano. Agora temos bons alojamentos, temos cozinha geral e muitos contratam cozinheiros para que os alunos se sintam bem. Soube que em um estado existe nutricionista. Coisa da modernidade. Luz elétrica, internet, telefone e uma biblioteca para pesquisa. Com isto os cursos ficaram mais caros. Apostilas, livros, e tantas coisas que o preço sempre fica além do esperado. Tenho minhas dúvidas sobre isto. Mas como o mundo está mudando e o escotismo também segue o mesmo caminho. Dirão alguns que existem cursos mateiros. Mas sabem, eu gostaria de voltar a fazer um curso lá dentro de uma mata, receber o material de campo e aprender a fazer fazendo. Como era bom ver o apito de chamada do intendente!

             Aprendemos no CAB (curso d Adestramento Básico) o primeiro, que tínhamos na nossa hierarquia, ter tudo lá em nosso campo. Tempo? Mínimo. Fossas, WCs, Fogão suspenso, responsabilidades de cada um e havia mais de oito horas de atividades básicas diárias dadas pela equipe dirigente.  No primeiro IM que dirigi, recebi um manual mimeografado, com traduções em português feitas a mão. Para mim foi magnifico e não sei para os alunos. O caderno. Ah! O caderno. Era tudo. Anotar tim, tim por tim, tim. No final do curso a equipe dava uma olhada e não faltavam uma anotação de um ou outro dirigente sempre a elogiar.

            Todos nós nos tornamos peritos na arte mateira e claro nos ensinamentos de Baden Powell (BP). Uma época em que a evasão era mínima. O jovem permanecia em sua totalidade por mais de dois anos fazendo escotismo. Hoje não sei. Claro a evasão é enorme. Chega quase a empatar com a admissão. Mas por que escrevo tudo isto? Não sei. Talvez porque os preços dos cursos tem assustado muito os que desejam aprender. Não sei se procuram nestes cursos a vivencia Escoteira ou um bom fim de semana cinco estrelas no campo. Não sei mesmo.

                  Participei como dirigente de muitos cursos cuja taxa não chegava a dez por cento a de hoje. Mas não sei se isto é mais possível. Teremos sem sombra de dúvidas defensores da atualidade, do novo estilo. E eles não estão errados. Mas que seria bom seria. Já pensaram? Receber um convite e neste estaria escrito:
- Os cursantes, deverão estar de uniforme de campo, com suas mochilas e apetrechos para um acampamento de oito dias, (não digam o que levar, deixe que ele aprenda por sí só) na entrada da Mata do Pavão, próximo à rodovia. De lá seguiremos ao local do curso em um percurso de cinco quilômetros. Beleza! – Mas afinal será isto mesmo? Teremos participantes ou a maioria iria desistir? Escotismo é força, atividades ao ar livre, sistema de patrulhas, vivencia Escoteira. Não podemos perder isto jamais.

"Para ser um líder, você tem que fazer as pessoas quererem te seguir, e ninguém quer seguir alguém que não sabe onde está indo."

Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.



quarta-feira, 12 de março de 2014

As memórias do Chefe Bill Wagryth Meu amor mora nas estrelas.


As memórias do Chefe Bill Wagryth
Meu amor mora nas estrelas.

Lá onde mora o amor
não há dor, não há tristeza,
lá tem cor, lá tem riqueza,
lá tem bem, lá tem nobreza.
Lá onde mora a amizade
não há rancor, nem falsidade,
lá tem respeito, lá tem verdade,
lá tem afeto, lá tem cumplicidade.

Saulo Fernandes

                  O dia ainda estava claro. A primavera, dizem os poetas trás o perfume das flores, os pássaros cantam nas arvores mais afinados, as matas os bosques, às campinas ficam mais verdes e os rios correm para o mar sorrindo. Eu sempre gostei da primavera. E quando a brisa daquela tarde gostosa e sonolenta soprava em nossa face era como se estivemos vivendo uma tarde em um acampamento qualquer. Eu e o "Velho" Escoteiro estávamos sentados na varanda de sua casa, e de lá podíamos avistar o morro das Bermudas, que graças a Deus foi mantido como uma reserva florestal e não sucateada por alguma imobiliária. Eu almocei na casa do Velho Escoteiro e sabia que igual à Vovó na cozinha pode ter muitas, mas superior não.

                     O "Velho" como sempre nestas tardes, como a chamar a atenção dos jovens que brincavam seus folguedos na calçada em frente, colocou o seu velho LP do Trio Irakitan a repicar gostosamente várias canções escoteiras na sua vitrola já gasta com o tempo. Ficamos assim sem conversar, mas vi que o "Velho" Escoteiro queria me contar alguma de suas histórias ou então das suas eternas discordâncias com nossos dirigentes, uma luta de anos e anos. – Olhe, começou – Acho que nunca comentei com você. Existem tantas coisas que aconteceram em minha vida Escoteira que precisávamos ficar juntos uma eternidade para lhe contar tudo. Acordei esta madrugada lembrando-me do meu querido amigo o Chefe Bill Wagryth. Já falei dele com você? Não? Bem vamos lá. Bill Wagryth entrou como Escoteiro na Patrulha Puma. Eu estava na Touro. Mesmo assim como morávamos na mesma rua sempre íamos e voltávamos do grupo juntos. Nasceu daí uma bela amizade.

                    Fomos juntos para os seniores, e nos pioneiros ele ficou pouco tempo. Como tinha feito um concurso para a Aeronáutica, durante quatro anos ficou na Academia da Força Aérea, em Pirassununga. Víamo-nos nas férias, e até fizemos um acampamento juntos a convite de escoteiros da Costa Rica, no Sopé da Cordilheira Central, em Guanacaste e Tilarán. Foi um acampamento que marcou muito. Quando se formou como Aspirante foi logo promovido a Segundo Tenente. Quase não tinha folga, mas sempre sobrava um tempinho para tomarmos uns chopes, uma ou três noites de campo ou a explorar alguma das mais belas grutas de Minas, e até mesmo participar do Sétimo Jamboree Mundial em Bad Ischl, na Áustria. Nossa amizade permaneceu firme e logo ele foi promovido a Tenente. Foi nesta época que ele foi designado para servir na capital e transferido para o gerenciamento do Tráfego Aéreo do aeroporto Catorze Bis na capital, o que lhe tomava muito tempo.

                  Um dia ele me convidou para conhecer seu trabalho e achei fora de série. A cada minuto alguém suava com algum problema. Alí todos trabalhavam com o estresse a flor da pele. Não era nada fácil. A vida de centenas de aeronaves estavam nas mãos deles. Ele me convidou para um cafezinho no bar do aeroporto e lá fomos nós. Foi então que me contou sua história. Incrível história. Se eu não soubesse que era um Escoteiro dos bons diria que ou estava estressado demais ou um tremendo mentiroso. – assim começou sua narrativa - Foi em um dia de semana qualquer. Aeronaves descendo e subindo. Na minha linha ouvi uma voz feminina com um sotaque russo. Pedia para desobstruir toda a pista número quatro. Eles iam descer em quatro minutos. Pedi para se identificarem. Não responderam. No radar vi que era uma nave gigantesca.

                    Não tive saída. A pista foi interditada para eles. Não vi direito a nave. Ela aparecia brilhante quando alguma nuvem no céu cobria o aeroporto. Mesmo assim com dificuldade. A maior parte do tempo estava invisível. Parecia ser um enorme charuto. Imenso. Mais de quarenta metros de altura e mais de cento e quarenta metros de comprimento. – Eu prestava a maior atenção ao "Velho" Escoteiro. Uma história que parece ele tinha tirado do fundo do baú. Eu gostava destas historias, se eu acreditava eram outros quinhentos. – Ele continuou – Meu amigo Bill engasgado, disse que ouviu a voz feminina de antes – Precisamos nos falar. Preciso explicar. Pode ser em algum lugar reservado? Disse que seria na sala do Brigadeiro Duarte. Ele ainda não sabia do que estava acontecendo. Fui até lá. Expliquei. – Está doido? Por Deus brigadeiro é a mais pura verdade, aqui não é lugar para este tipo de brincadeira.

                     A voz parecia flutuar e disse – Estou me materializando na sala. Não façam nada. Nem um gesto. Ela apareceu ao vivo e a cores. Uma linda mulher, cabelos loiros de olhos verdes esmeralda com um uniforme estranho. Olhou-me e na sua voz fanhosa explicou. – Sei que vai ser difícil acreditarem, mas somos de um planeta distante, que pelas suas medidas fica a mais de cem milhões de anos luz da terra. Nosso planeta irá se desintegrar em alguns anos. Nossos cientistas descobriram um parecido com o nosso na Constelação de Centauro, que vocês chamam de Alpha Centauro por ser a estrela mais brilhante no céu em determinados meses do ano.  Estamos alguns séculos avançados em relação ao seu planeta. Somos orientados a não interferir no crescimento de vocês e de outros povos que habitam não só a sua galáxia como a de milhões que conseguimos descobrir. Nossa nave estelar pode viajar grandes distâncias entre sistemas solares. A velocidade da luz para nós não tem segredos. Podemos viajar mais de vinte vezes a velocidade da luz.

                     - Continuou o Chefe Bill. – Meu nome aqui para vocês será Sheyla. Minha aparecia normal não é esta. Mas precisava adaptar uma nova vestimenta humana para podermos conversar. Ninguém poderá saber que estamos aqui. Um pequeno problema em nosso motor de dobra não foi possível reparar no espaço e nos obrigou a descer aqui. Seria difícil para você entenderem como funciona nossa nave. Escolhemos o Brasil por ele ser um país de paz e não colocará aqui sua parafernália de guerra como fazem os outros países. – Eu olhei para o "Velho" Escoteiro. Ou ele ou o amigo dele o tal Chefe Bill tinham uma incrível imaginação. Assisti a filmes e mais filmes em que os americanos queriam dominar e até atiravam nos alienígenas antes de conversar. – O "Velho" não se fez de rogado e mostrando que lê meus pensamentos parou a história. – "Velho"? O que foi? – Ele rispidamente disse – se acha que estou mentindo porque continuar a contar a você seu pirralho?

                      - Tudo bem "Velho". Desculpe. Gostaria de saber o final de tudo. Vou continuar – disse. Mas se notar qualquer olhar de galhofa paro na hora. – Juro que não o farei "Velho".  – Ele como se fosse tomar um ar lá fora, foi até a escada que levava a rua e em pé mesmo continuou – Chefe Bill me contou que ficaram seis horas na pista quatro. Sheyla o convidou para conhecer a nave. Incrível. Lá havia mais de trinta mil passageiros. Na realidade a aparência deles era de pequenos anões, magros, cara fina, sem cabelos e orelhas. Sheyla riu do meu espanto e do brigadeiro, pois ele insistiu em ir. Não havia animosidade e nem cara feia para nós. Todos sorriam e parecia que viviam em um sistema de harmonia perfeita. O pior foi que o Chefe Bill me disse que tinha se apaixonado por Sheyla. – Como? Perguntei. Não sei. Eu sabia que a aparecia dela não era aquela e o pior ela me convidou para conhecer Alpha Centauro. O brigadeiro foi contra.

                        - Para finalizar eles partiram por volta de meia noite aquele dia. Chefe Bill foi com eles. O brigadeiro não aceitou e disse que levaria o caso a Corte Marcial. Seis meses depois o Chefe Bill voltou. Uma aeronave que voltava para buscar mais gente o deixou em algum lugar do Deserto de Saara. Olhe eu mesmo não acreditei na conversa do Chefe Bill. Mas ele me mostrou uma gravação feita lá no novo planeta onde iriam viver. Incrível! Os primeiros pioneiros que lá chegaram mudaram o clima, os quatro oceanos eles os transformaram em um só, o planeta todo foi reflorestado e agora já estava com florestas imensas de polo a polo do planeta. Eles tinham muitos dos animais que temos aqui na terra. Olhe, poderia ficar aqui contando a você tudo que o Chefe Bill me contou. Tem muito mais e nada que um bom Escoteiro explorador não tenha vivido como ele viveu.

                          Chefe Bill Wagryth até hoje não casou. Disse que se apaixonou por Sheyla. Sabia que nunca poderiam viver juntos nem agora e nem nunca. Ela estava anos luz adiantada dele. Se em um passado longínquo tinham se conhecido em alguma estrela do universo hoje a distancia entre os dois era bem grande. O Brigadeiro Duarte não gostou do final de tudo. Não o expulsou e até o ajudou com um analista da aeronáutica. Mas voltar a sala de comando na torre estava fora de cogitação. Abriram uma exceção. Agora ele estava treinando novos Controladores de Voos. Disse-me que está morando em uma casinha próximo ao lago Santa Inês. Pertence a Aeronáutica. O brigadeiro disse que poderia morar o tempo que quisesse. - E ele terminou dizendo – Olhe meu amigo não enlouqueci. Mas depois que conheci Sheyla não quero viver com nenhuma outra mulher.

                        Fico a imaginar se tudo não foi obra do destino, um destino que não entendo, para muitos impossíveis de imaginar. Amar alguém que mora nas estrelas? Se apaixonar por alguém que nunca poderão viver juntos? Não conto esta história para ninguém. Eu mesmo disse ao Chefe Bill que ele estava ficando louco. Interessante que a Aeronáutica e a Infraero conseguiram abafar tudo. Não deu nada na imprensa. Foi uma história não contada. Abafada pelas Forças Armadas. Ninguém soube e nem irá saber. Ele disse que confiava em mim. Que não contaria a ninguém. – O "Velho" riu alto. Claro estou contando a você porque não sei. Quem sabe por que o Chefe Bill morreu a duas semanas? Ou por que não tenho com quem falar e conversar? Quase ninguém vem aqui. Olhe o Chefe Bill antes de morrer me disse ainda que todos os abandonaram. Noêmia a sua noiva nem chorar chorou quando o mandou passear. Com os olhos cheios d’água me disse que precisava desabafar com alguém. Nada como o "Velho" Escoteiro. E ele me disse que quando fosse para o outro lado da vida que eu estaria liberado para contar.

                       O "Velho" Escoteiro se calou. Não disse mais nada. Nunca me contou uma história assim. Passava das duas da manhã. Fui embora quando vi o "Velho" Escoteiro subindo as escadas para o seu quarto. Acho que Vovó já estava dormindo. Na rua fria e atípica de uma noite de inverno fui pensando na história do "Velho". De escotismo pouco, de historias inverossímeis muito. Este "Velho" Escoteiro nunca me deixou na mão com boas histórias. Atravessei a rua e sem querer torci o pé e cai ao chão. Sem pensar olhei para o céu. Uma nave gigantesca estava passando em grande velocidade. Velocidade de Dobra? Risos. Não sei. Melhor é continuar mesmo mancando. Não posso me apaixonar por alguém que mora nas estrelas. Já tenho uma esposa e outra não ficaria bem para um Chefe Escoteiro. Que sono! Acho que vou dormir bem, mas pouco. Amanhã, ou melhor, hoje tem trabalho. "Velho" escoteiro. Amo este "Velho".


Simplicidade é ter o céu e só querer uma estrela...
É ter o mar e só querer uma gota...
É ter o mundo e só querer você...
Simplesmente você... 


sexta-feira, 7 de março de 2014

O MISTERIOSO CASO DO CHEFE ESTRADA




Ser Escoteiro!

Despe teu uniforme, interesseiro,
Pois não é nele que vive a Disciplina.
Nem por vesti-lo te fazes Escoteiro,
Como o exige nossa lúcida doutrina.


Que importa a Promessa que te ensina
A ser da nossa causa um Cavalheiro,
Sem a conquista da insígnia peregrina
Do caráter de um homem verdadeiro?


Escotismo é escola de Lealdade,
De Amor, de Ação e Inteligência,
Isenta de arrogância e veleidade.


Se não o compreendeste, então importa
Que o construas, primeiro, na consciência.
Cumpre a nossa Lei…
e depois volta!


       Guido Mondin
Ministro e Chefe Escoteiro

O MISTERIOSO CASO DO CHEFE ESTRADA

AOS MEUS AMIGOS LEITORES, POIS ELES SÃO A RAZÃO DE MANTER ATIVO ESSE BLOG - OBRIGADO.

Capitulo I

             Quinta feira difícil. Duas maquinas de prensar quebraram. Fiquei até altas horas da noite com o pessoal da manutenção. Trabalhamos sem cessar e lá pela meia noite conseguimos fazê-las funcionar. Quando cheguei em casa, recebi um recado da Vovó. O "Velho" tinha passado mal e estava internado na UTI de um hospital próximo. Meu coração bateu forte. Uma tristeza invadiu meu coração. O "Velho" era tudo para mim. Meu pai, meu irmão mais velho, meu “Guru” escoteiro.

            Não perdi um segundo. Fui imediatamente para o hospital. Uma bela surpresa me esperava. Dezenas de escotistas lá estavam à procura de notícias do "Velho". Entrei cumprimentando a todos e procurei a Vovó que estava com sua filha e mais algumas amigas, todas do Movimento Escoteiro. Vovó me disse que estava tudo bem com ele. Resolveu fumar de novo seu cachimbo e a fumaça o fez perder o fôlego. Achou melhor trazê-lo e está na UTI somente para observação e fazer inalação.

           Fui até a o hall de entrada e avisei a todos que o "Velho" estava bem. Gritos de “Urras”, “Anrê” e uma grande palma escoteira se fez ouvir. Todos se abraçaram sorrindo. O "Velho" era muito querido. Eu me emocionei com tamanha fraternidade e dedicação. Fiquei no hospital até de manhã. Deram alta para o "Velho" e eu o levei para casa. No retorno ele com sua costumeira hospitalidade e agradecimento, me olhou e disse com aquela maneira sua tão peculiar – Achou que eu ia morrer hem? Enganou-se. Não vou morrer agora. Voce vai ter de esperar muito mais tempo. Devolva a coroa de flores que comprou! – Sua festa fica para depois! É só o "Velho", ele tinha esse direito.

          Liguei para a empresa e disse que ia chegar mais tarde. Trabalhei a noite toda e passando a noite em claro no hospital, não tinha condições de trabalhar. Precisava dormir um pouco. À noite quando voltei, fui logo ver como estava o "Velho". Lá estava ele, em sua poltrona de vime favorita, a ler o livro "Crime e Castigo" de Dostoiévski. Na sua vitrola antiga, ouvia Der Hoelle Rache, ária da Rainha da Noite, da ópera A Flauta Mágica, e de 1º movimento, allegro, da Pequena Serenata Noturna. O "Velho" sabia escolher. Wolfgang Amadeus Mozart, nada mais que Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart seu nome de batismo.

         Ficamos ali por horas ouvindo a bela melodia de Mozart. Ele de olhos semicerrados e eu no meu banquinho de madeira de três pés encostado a parede. Adorava Mozart. Gostaria de ter nascido naquela época. Se pudesse iria ficar eternamente em Salzburg na Áustria, e vê-lo interpretar suas mais de 600 obras. É reconfortante poder sentir a magia de tão grande compositor.

       Sonhava na minha viagem impossível ao passado, quando o "Velho" falou algum que não entendi. – Pois não "Velho", não entendi. Pode repetir? – Estava aqui meditando e lembrando do Chefe Estrada, disse. Voce não o conheceu. Fizemos a Insígnia de Sênior juntos. No sexto dia, ele desapareceu. Sua tralha estava lá na barraca. Parecia que não havia levado nada se realmente tivesse partido. Interrompemos tudo para dar uma busca nas redondezas.

       Durante toda a tarde o procuramos. À noite o Diretor do Curso foi até a delegacia próxima fazer um boletim de ocorrência. O delegado sorriu e disse que aguardássemos até o dia seguinte. E ele iria aparecer. Achou que o Chefe Estrada era um mulherengo e conheceu alguma mulher. Era dar tempo ao tempo e ele iria aparecer. Mas passou toda a manhã do dia seguinte e o Chefe Estrada não apareceu. Ligaram para a telefonista de sua cidade (1952, poucos telefones) e ela disse que o conhecia. Iria ver se ele estava lá.

       - Já ia anoitecendo quando o Chefe Estrada chegou. Não disse nada. Procurou o Diretor do Curso e se colocou a disposição para que fosse excluído do curso já que saiu do campo sem avisar. Não quis explicar, mesmo sendo inquirido. Tinha um semblante sério e compenetrado. O Diretor de Curso já o conhecia de longa data. Mandou ele de volta a sua patrulha. Soube depois que foi aprovado. Ninguém ficou sabendo o que ouve.

       - Um dia, se não me falha a memória, encontrei o Chefe Estrada em um acampamento internacional de patrulhas no Chile. Faz anos. Muitos. Ele estava como dirigente do campo sênior. Sempre fomos muito íntimos é claro, a alegria estava estampada em cada um de nos. Velhos escotistas se encontrando, cumprimentando, dois chefes escoteiros amigos cuja fraternidade era ponto de honra.

     - Estava vivamente interessado no desfecho da historia, mas adentrou na sala mais de seis escotistas que tinham vindo fazer uma visita ao "Velho". Duas chefes de alcatéia do nosso Grupo e quatro escotistas de um grupo amigo. Abraços, sorrisos em profusão. O "Velho" gostava de visitas. Disse depois que iria ficar doente mais vezes. Ficamos ali eu o "Velho" e os chefes conversando por horas e horas.

       Diversos assuntos surgiram e um deles me chamou a atenção, pois era uma pratica que estava vendo sempre nos sites de relacionamentos que participava. Escotistas davam recados aos jovens sobre reuniões, acampamentos entre outras atividades. Não concordava com isso, mas dizem que hoje em dia temos que nos atualizar. Queria ver o que o "Velho" iria dizer. Os chefes conversavam entre si, falando do que pensavam alguns concordando outros não.

      O "Velho" só ouvia e nada dizia. Conhecia seu estilo. Estava deglutindo palavra por palavra. Analisava o que ia dizer e eu sabia que não era nada de bom. Ele não concordava nunca com o tal modernismo tão preconizado. De um assunto ao outro. Agora conversavam sobre a participação de todas as sessões na cerimônia de bandeira no inicio e fim de reuniões.

      Eu mesmo tinha duvidas, achava que as sessões juntas na cerimônia não seria benéfico, principalmente quando varias delas tivessem promessas e entregas de distintivos de eficiência entre outros. O tempo despedido seria enorme. O "Velho" não falava. Só prestava uma atenção canina a tudo que dizíamos. Os chefes ficaram a vontade até a hora que a Vovó entrou com um carrinho de guloseimas meu Velho conhecido e muito amado.

     Uma pequena parada para degustar um delicioso bolo de baunilha com recheio de pedaços de chocolate (derretido), pãezinhos de queijo ainda quentes recém saídos do forno, biscoitos de polvilho deliciosos, torradas crocantes na manteiga, e o irresistível sonho açucarado junto com brevidades apetitosas. E claro, um bule fumegante de café que eu sabia tinha sido feito em um fogão a lenha, com coador de pano, e um chocolate quente de queimar a língua.

    Todos se deliciaram no café da tarde. A Vovó com seus cabelos brancos, olhos azuis e um semblante de anjo vindo do céu, estava ali a sorrir, conversando com um e outro. Sempre prestativa e atenciosa. Eu a conhecia há muitos anos.  Admirava sua simplicidade e o amor que nutria pelo "Velho". Nunca participou do movimento escoteiro na ativa, mas participava com o coração. Deu em todas as horas o apoio que ele precisava. Um dia me contou o que aprendeu com ele quando jovem. Fiquei embasbacado. Era uma grande conhecedora de técnicas escoteiras. Podia sem sombra de dúvida ensinar a todos que não conheciam essas técnicas.

      A tarde ia terminando. Agora estávamos todos prestando atenção ao "Velho" no que dizia e explicava. Com voz pausada, e algumas vezes demorando a continuar no seu raciocínio, explicavam em linguagem simples as diversas situações que antes tínhamos comentado. – Olhem meus amigos escotistas, a evolução dos tempos é uma realidade. Não se pode fugir dela. Muitas coisas acontecem e até temos dificuldades em acompanhar.

     - Mas muitos ainda não “pegaram” e sentiram o que falam. Não sabem dos resultados. Você vê nos meios de comunicação diversos professores, pedagogos, psicólogos, todos orientando, falando como agir, como fazer etc. e etc. Mas pergunto? E os resultados? O que dizem deu resultados? Olhem, no nosso mundo de hoje o que vemos é uma desunião de jovens com adultos, cada um tendo o seu direito, falando o que quer, reclamando de sua vida, tratam os pais como estranhos e esses órgãos de comunicação, mostram situações inusitadas, que até denigrem o termo caráter, lealdade, direitos entre muitos outros.

      - Poderia exemplificar aqui tantos e tantos exemplos do passado que deram resultados comprovados, pois estamos aqui hoje vendo que deu certo. Mas não é certo que devemos nos alimentar com falsas interpretações da modernidade. Vejam bem, se pensarmos em um Grupo Escoteiro bem estruturado, fazendo um bom escotismo dentro dos princípios idealizados por BP, sem alterar métodos e programas a não ser pequenas adaptações aos dias de hoje, não precisa usar tais expedientes. Isto é confessar que o Sistema de Patrulhas não existe para eles.

      O "Velho" respirava devagar, compassadamente ia desfiando seus pensamentos e todos nós ali ouvíamos com atenção alguns acho que concordando outros não. – Continuava o "Velho" – Se você tem uma boa estrutura em seu Grupo, se sua tropa ou alcatéia tem bons programas semanais, é preciso usar meios de comunicação para falar com eles os jovens? Claro que não. Olhe outro dia vi em um site, um escotista avisando que estava encerrando a data da inscrição para um evento regional. Falava da taxa a ser paga até dia tal. Embaixo vi a resposta do jovem escoteiro – Chefe, consegui só uma pequena quantia para terminar meu uniforme. Não tenho como pagar essa taxa, assim não irei à atividade! Caramba! Que chefe é esse? Não conhece seus escoteiros?

      O "Velho" estava comovido. Isso nunca teria acontecido com ele. Ou toda sua tropa iria ou não ia ninguém. Por isso ele não gostava muito de tantas atividades regionais e nacionais programadas para um só ano. Esqueceram que as tropas precisam ter mais tempo para suas atividades. Eu sabia disso. – Ele continuou – Eu gostaria mesmo de ver a educação que estão dando para seus filhos e olhe a maioria desses pensadores ou pedagogos como queira, acredito que nem filhos tem. Dizem cada coisa. Não sou um especialista para discutir A ou B, as qualidades de suas teses, mas sempre digo e sempre insisto que todas as teses tem de ser comprovadas. Basta ver o que acontece hoje, nada me mostra que eles tem razão.

      Eu fiquei ali pensando nas palavras do "Velho". Teria se fosse outro escotista muitas inquisições, indagações, mas ali agora, meditava. O "Velho" de novo colocou em sua vitrola antiga, seu LP com a musica de Mozart que entrava melodicamente em nossos corações. Houve um silencio profundo. Todos estavam materializados de olhos semicerrados na Sonata para teclado (piano) a quatro mãos em D maior. Criação maravilhosa de Mozart!


Não consigo escrever poesia: não sou poeta. Não consigo dispor as palavras com tal arte que elas reflitam as sombras e a luz, não sou pintor... Mas consigo fazer tudo isso com a música...
 
O MISTERIOSO CASO DO CHEFE ESTRADA -
AS MAES DE TODOS OS MEMBROS DO MOVIMENTO ESCOTEIRO PELO SEU LINDO DIA 

Capitulo II
       A noite chegou de mansinho. Alguns dos chefes se retiraram. Ficamos eu o "Velho" e uma escotista de tropa escoteira. Não perdi tempo. Perguntei para o "Velho" o que havia acontecido ao chefe Estrada. Afinal ele começou e me deixou em suspense para saber sobre o misterioso caso. – O "Velho" não se fez de rogado. Suspirou fundo, se ajeitou melhor em sua poltrona de vime, olhou para o teto, e contou o pouco que sabia, pois o Chefe Estrada não era muito palrador.
     - Bem conforme dizia estava eu em uma Acampamento Internacional de patrulhas no Chile. Depois de ledices e alegrias pelo encontro, fomos até a cantina do campo, onde serviam cafés, doces e salgados. Bebidas somente refrigerantes. Procuramos um local agradável, próximo a uma araucária gigante, frondosa, e ali conversamos por longo tempo. A principio o Chefe Estrada não quis se abrir comigo. Eu que nunca esperava uma situação inusitada dele de abandonar um curso por mais de vinte e quatro horas, sabia que ele teria um motivo muito forte para isso.
     - Me contou que durante vários anos andou por vários estados brasileiros, pois fora admitido em uma multinacional alemã, e seu trabalho de campo (engenheiro de minas) requeria viagens em locais inóspitos, e passava a maior parte do seu tempo em minas de extração de minérios. Narrou-me um fato pitoresco, quando foi seqüestrado por uma tribo de índios Caiapós, próximo a fronteira do Pará com Mato Grosso, na região do rio Xingu.
    - Dizia o Chefe Estrada que por motivos profissionais estava fazendo uma pesquisa de um veio muito grande de bauxita, pois sua empresa estava interessada em explorar e até construir uma fábrica de alumínio naquele estado. Diariamente faziam pesquisa do solo (eram cinco três deles nativos da região). Ele se sentia bem ali, sempre gostava da vida ao ar livre. O escotismo o ensinou muitas coisas.
    - No oitavo dia à tarde, o sol se pondo e de súbito apareceram dezenas de índios Caiapós. A principio foram cordiais e afáveis. Depois exigiram que os acompanhássemos. Eram muitos. Não havia o que discutir. Chegamos à comunidade deles, um aldeia com uma praça central e ao redor casas de cada família. O “Benadióro”, chefe de turma no entender deles me levou até ao cacique. Magro, com o corpo todo pintado, me recebeu com um sorriso. Disse que ficaria ali até o homem branco da Estrada de Ferro viesse conversar com ele.
   - Tentei explicar que nada tinha a ver com a empresa em questão, mas ele libertou os demais e eu fiquei ali. Voce talvez não saiba, mas sou solteiro e meus familiares moram na Europa. Foram oito meses de um lindo cativeiro, onde vivi e aprendi memoráveis aventuras, de caça, de pesca e grandes jornadas na selva. E olhe o que mais adorava era fazer pioneiras. Tinha tempo. E muito tempo. Construí um ninho de águia em uma seringueira, que tinha mais de 20 metros de altura. Aproveitei uma queda d’água próxima alta e em arvores enormes com bambus gigantes fiz um elevador movido à água! Foi maravilhoso. Claro tinha comigo vários assistentes. Os jovens da aldeia eram companhias constantes. Meus amigos. Cheguei mesmo a organizá-los em patrulhas, mas não deu certo. Eram deliciosos moleques travessos, só viviam sorrindo e brincando.
    - Eles aplicavam aos jovens na puberdade uma interessante prova de inteligência e habilidade, que posteriormente adaptei para a Tropa Sênior. Um galho elevado, duas árvores próximas em perpendicular, (Perpendicular é quando temos duas retas com um ponto comum formando um angulo de 90 graus)  duas cordas (lá se usava cipó) amarradas no galho uma distante da outra por um metro, cada competidor ficava em uma arvore próxima de frente para a outra com sua corda. Ao sinal penduravam na corda e aproximavam-se do outro em grande velocidade e o outro competidor fazia mesmo. Ao se encontrarem tentariam fazer que um deles perdesse o equilíbrio e cair ao chão. Para os seniores adaptei uma bexiga amarrada na cintura de cada um bem cheia com água para ser estourada. Para isso cada um levava uma vara de um metro consigo. Claro, cada competidor só tinha direito a uma vez. Depois o próximo da patrulha. Grande prova. Adorei participar, mas perdi – caí de maduro disse o Chefe Estrada.
    - O governo mandou vários representantes da empresa para negociarem com os índios. Eu não me preocupava. Gostava dali, vivia com um povo simples, sem ódio, sem rancor, sem inveja, ninguém queria ser superior, a amizade era ponto de honra e as leis, todas muito simples e obedecidas com carinho. Olhe, quando chegaram a um acordo, preferi continuar ali. Pedi demissão da empresa. O cacique Babitonga era uma grande pessoa. Disse que eu era bem vindo.  Até fez meu casamento com a jovem índia Guaraci. Já éramos par constante. Eu e ela ficamos juntos por todo esse tempo que ali permaneci.
  - Mas dizem que tudo que é bom dura pouco. Uma manhã de setembro fui informado que minha mãe estava nas ultimas. Esse telegrama chegou as minhas mãos na aldeia um mês depois. Despedi de todos, Guaraci não quis ir comigo. Disse a ela que seria difícil minha volta. Mesmo assim preferiu continuar entre os seus. Disse-me que os homens brancos não se conhecem, são estranhos. Concordei com ela. Ainda bem que não tivemos filhos.
   - Minha mãe já havia falecido quando consegui chegar a Iworth, em Cheshire na Inglaterra. Cumpri as cerimônias de praxe, pois ela era de família simples e não havia nenhuma herança a não ser sua casinha que vendi. Retornei ao Brasil poucos meses depois, após passar uns dias com meus amigos Makuxis e Wapixana em Kwazulu, na África do Sul. O chefe Estrada se levantou e se despediu. O que queria saber ele não me contou naquele dia. Passava de oito da noite e ele tinha de ver como estava seu Sub.campo. Mesmo com cinco assistentes ele era o responsável.
     - Pela manhã, quando estava fazendo o desjejum o vi sentado em uma mesa sozinho. Aproximei-me e de chofre perguntei o que queria saber: - Afinal meu amigo, o que houve no Curso da Insígnia que você desapareceu sem deixar rastros? – Ele, calmo, pensativo, me convidou a sentar. Tomamos o café juntos e nesse ínterim muitos escotistas amigos de diversos países vieram cumprimentar a mim e ao Chefe Estrada. Éramos muito conhecidos.
     - Todos se foram e eu fiquei ali olhando para o Chefe Estrada e ele se fazendo de desentendido. Agulhei-o novamente. – Vamos homem, diga! Afinal não deve ter sido tão importante assim. – Olhe meu amigo, passei poucas e boas nessa vida, mas você sabe mentir não faz parte do meu feitio. Foi uma aventura tão inverossímil, que preferi mantê-la no anonimato. Mas vou contar para você. Se mostrar incredulidade, paro.
      - Não disse nada. Continue falei. – Olhei para ele, ele suspirou e começou uma história incrível. Ouçam-na – Logo após terminar a sessão das duas, pedi ao dirigente para ir ao banheiro. Fui naquele lá no inicio do campo. Ao atravessar a trilha, vi um brilho intenso. Perdi o sentido. Acordei em uma cama enorme, Ao meu redor, pessoas estranhas, escuras, parecendo formigas gigantes com duas pernas. – Caramba! Pensei. O que tinha acontecido? Onde estava?
     - Respirei fundo. Seria verdade? – Chefe Estrada me olhava, querendo parar de narrar, mas meus olhos, minha atenção não deixava nenhuma dúvida. Começou termina. – Olhe meu amigo dizia, eu tinha sido abduzido. Voce sabe, estava em uma grande nave, onde? Não sabia. Em algum lugar do espaço. Os Et’s me olhavam e sentia que tinha agulhas em todo corpo. Minha mente parecia estar exposta. Ouvia-os falando e não entendia, eles pareciam saber o que eu pensava.
      - Acredite, eu olhava em volta, paredes circulares e o teto também com iluminação indireta. Uma luz estranha. Eles telepaticamente falavam comigo, para não preocupar, não iriam me fazer mal. Não demorou muito, me levantei, me sentia forte, eles não se opuseram. Em sua maneira, me contavam de onde eram. Um planeta distante mais de vinte milhões de anos luz, mas que eles cruzavam o espaço em velocidades que a mente não pode medir.
     - Olhava para o chefe Estrada e não sorria. Poderia ser verdade. – Ele continuou – Me disseram que ficamos mais de um mês no espaço e quando voltasse a terra, seriam menos de vinte quatro horas. Levaram-me até um local envidraçado. Um espetáculo. A nave parecia estar parada e milhões de estrelas passavam como um raio, uma profusão de luzes brilhantes e cintilantes, em um panorama incrível. Ver tudo aquilo compensava todas minhas pequenas dores que ainda sentia pelo corpo.
     - Me levaram depois a um salão, sem móveis, se despediram que não me preocupasse que iriam apagar tudo aquilo da memória e eu não ia lembrar-me de nada. Pedi que não fizessem aquilo. Não podia esquecer. Eles na tinham esse direito. Entreolharam-se e balançaram a cabeça concordando. Minha mente ficou nevoada. Desmaiei. Acordei no mesmo local. Daí para frente você sabe o fim da historia. Não podia contar a ninguém. Tinha prometido isso a eles.
    - A historia do chefe Estrada foi emblemática. Tinha ouvido historias assim, mas não acreditava. Agora não. Ele era um escoteiro. Desde criança. E o escoteiro tem uma só palavra e sua honra vale mais que sua própria vida. Ele se calou. – O "Velho" não falou mais nada. Fiquei ali parado olhando para ele, e vi dentro dos seus olhos lembranças do passado. – Ele abruptamente me olhou e disse – Olhe, nunca mais vi o Chefe Estrada. Não sei onde anda, se está vivo, ou se voltou para sua linda Guaraci junto aos Caiapós. Se ele voltou deve estar lá se divertindo, fazendo o seu escotismo junto a índios amigos. Olhe, eu o invejo. Hoje estou aqui, sem respirar o ar puro da mata, sem ver a força de um rio caudaloso, sem poder ver o sol nascer atrás de uma montanha. Daria minha vida para mudar tudo isso.
    - O silencio reinou. Eram mais de onze da noite. Amanhã era outro dia. Ia me despedir do "Velho", mas ele estava com os olhos semicerrados, ouvindo Mozart. Symphony No. 32 em Sol Maior. Sai de mansinho sem fazer barulho. A Vovó estava na varanda, em sua cadeira de balanço a tricotar. Levantou-se, disse até logo e me fui, sorrindo pela rua deserta.
    Gosto do "Velho" tenho por ele grande apreço. Meu pai que Deus o tenha, iria se orgulhar também. Estava caminhando pela rua deserta, pensado no "Velho" nos seus conhecimentos escoteiros e nem olhei para os lados ao cruzar a esquina de minha casa. Uma forte buzina se fez ouvir. Saltei para o lado e um automóvel passou em disparada. Ufa! Quase dessa vez. Os dias irão passar e eu espero sempre o amanhã. Adoro estar com ele. Não só pelos seus conhecimentos escoteiros, mas pela grande pessoa que é. Valeu a pena conhecê-lo. Sinto-me realizado pela sua amizade. Eu realmente tenho um grande amor por esse "Velho" Escoteiro.  


Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando... Porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive, já morreu... 


sábado, 1 de março de 2014

Quem são e o que fazem os escoteiros



Conversa ao pé do fogo
Quem são e o que fazem os escoteiros
    
É um grande jogo, ele dizia sempre,
Seja bem vindo, divirta-se educando!
Aceite as regras, são simples, mas sinceras,
Não complique as coisas, continue acreditando.
Você não vai modificar o mundo, mas para Uns poucos,
Serão agradecidos se você for ajudando.

A UM AMIGO, JÁ FALECIDO, QUE DEU UMA VIDA AO MOVIMENTO ESCOTEIRO E SOUBE ME MOSTRAR UM CAMINHO A SER SEGUIDO.

             - Não discuti na época e nem pretendo discutir novamente. Agi de acordo com minha consciência e se tivesse de fazer de novo, sem sombra de dúvidas que o faria! - Claro, eu sabia que haveria mil vozes gritantes a me chamarem de prepotente e o movimento perderia com aquela atitude. Quiseram até abrir um processo contra mim, mas eu não dei à mínima e nem fiquei preocupado. Sempre disse que o Escotismo é quem precisava de mim e não o contrário. – O "Velho" falava pausadamente. Parecia cansado e sua tez enrugada mostrava a cada dia uma teimosia própria de alguém que não via uma luz no fim do túnel. Mas como  um bom escoteiro não entregava os pontos.  - Continuou o "Velho" - Foi um curso maravilhoso. 28 alunos treinados e adestrados em conjunto durante quatro anos consecutivos. Deste o informativo até a Insígnia.  Foi uma experiência que nunca tive em toda a minha vida de adestrador!

           - Ele era um excelente Escotista e sua alegria contagiante atingia a tropa que prestava colaboração e cujos resultados já se faziam sentir, apesar do pouco tempo na liderança. - Você sabe que na ultima noite costumo fazer uma confraternização antes do Fogo de Conselho, e sua patrulha ofereceu um jantar a moda nordestina. Lá não se sabe como, apareceu uma caipirinha e não fiquei sabendo dos abusos cometidos com a bebida. No Fogo de Conselho vi que ele estava totalmente zonzo, e podia-se dizer quase bêbado. Deixei-o ficar durante todo o tempo pois não prejudicava os demais. A presença do Comissário Regional e alguns diretores convidados (nunca mais convidei ninguém) foi à conta para o falatório.

                 - Não foi reprovado. Nunca o reprovaria. E olhe que durante vários anos foi um excelente Escotista. Sabe por que fiz isso? – foi porque conhecia sua vida particular. A importância do convívio no Distrito nos dá a certeza do que fazemos.  O "Velho" parou de falar, e ficou olhando para cima, como a relembrar aqueles fatos do passado. Tudo começou quando comentei com ele sobre a reprovação de um Escotista do Grupo na Insígnia de sênior do mês anterior. Não entendemos o porquê e achamos que faltou a equipe um melhor equilíbrio e conhecimento dos alunos, pois convidaram uma direção fora da nossa área. Paciência. Ele vai tentar novamente.
Ficamos ali conversando e o "Velho" sempre se lembrando das centenas de cursos que aplicou e os resultados atuais. Eram poucos os que ficaram. A maioria abandonou o movimento.

                 Passaram-se algumas semanas e estávamos eu e outros chefes da Tropa Sênior em atividade nos arredores de uma pequena cidade do nosso estado e procurávamos um local para o Acampamento Anual da tropa. Vimos uma cena  de espantar qualquer adulto sério e responsável. Encontramos quatro seniores e três guias, acampados, sozinhos, sem adultos, fazendo um programa que não entendi, elas bem à vontade, não deram a mínima para nós e outra andava de mãos dadas com outro sênior que deduzi, devia ser seu namorado! Fiquei sabendo que estavam  ali desde a noite anterior e iriam embora ao dia seguinte. No campo onde estavam, só vi barracas. Nada mais. Bem pensei, deve ser o novo sistema de que tanto falam.

              Deixamos de lado aquela cena hipotética e achamos um excelente local para acampamento. Contatamos o Chefe da área mais próxima, que ficou de pedir a permissão de praxe. O Acampamento iria se realizar somente dali a três meses. Interessante que um sitiante próximo, manteve conosco uma conversa informal, e nos perguntou o que era o "tal" do Escotismo. Um dos nossos assistentes começou com aquela lenga lenga de sempre.

                   - É uma escola de cidadania, que através de idades sucessivas, desenvolve o caráter...etc. etc. Isso me chamou a atenção para um tema meu velho conhecido. Toda vez que queria mostrar as vantagens do nosso movimento a outros leigos no assunto, via que não conseguia atingir o objetivo. Não era diferente do nosso assistente. Participante, eu via com outros olhos todo o sistema, o método e o programa de uma maneira tão simples, que achava um absurdo as autoridades educativas não darem a mínima atenção a um movimento que podia e muito ajudar nos problemas atuais de nossa juventude.

                Estava eu em minha casa em um dia de semana, e sem querer vi em um canal de TV, a apresentação de um programa sobre turismo mateiro. Lá estava duas senhoras e um Escotista. Este último bem uniformizado, mostrando sua insígnia e com a indefectível calça jeans. Sua maneira de sentar e se apresentar perante as câmaras não me agradaram. Tinha um olhar enfadonho e meio prepotente para meu gosto. As senhoras respondiam com simpatia as perguntas da apresentadora, mas o Escotista não convenceu. Se eu fosse um leigo não tinha entendido nada. Ele achava que estava dando um curso de adestramento perante as câmaras.

                  Uma bela oportunidade para um proselitismo do movimento e ali estava mais um que não sabia e não estava preparado para se dirigir ao publico. Sempre é assim. Este assunto ficou na minha mente pôr muito tempo.

               Era um Domingo como os outros. A diferença foi de chegar à casa do "Velho"  e encontrá-lo no passeio em frente, rodeado de garotos sorridentes a conversarem com ele. Foi uma surpresa pois dificilmente ele agia assim. Não eram escoteiros pelo que pude perceber. Eram jovens da vizinhança e parece que já o conheciam há muito tempo. - Vocês não conhecem o Movimento Escoteiro? – pois olhem estão perdendo boa parte da juventude longe dele. Lá vocês teriam outros amigos para ampliar o leque dos que já tem. Poderão tomar decisões importantes para o crescimento e para a formação além de que terão seu próprio time a decidir o que fazer.

                   - Não, não terão a obrigação de fazer nada do que não queiram. As decisões são em grupos e democráticas. Irão para o campo  e lá dormirão sob barracas, poderão ver as estrelas, aprender a se guiar pôr elas. Vão aprender a cozinhar, a lavar a louça, suas próprias roupas. Irão jogar os melhores  jogos de suas vidas. Irão praticar transmissões a distancia pôr bandeirolas, pôr Morse através de lanternas à noite, irão usar cordas para atravessar rios, despenhadeiros. Farão escadas de diversos tipos e pontes de diversos tamanhos. Irão também aprender a usar o machado, a respeitar arvores, fazer fogueiras, transmitir mensagens pôr fumaças pré definidas. Irão fazer jornadas, com seus amigos escoteiros, aprenderão a ler mapas, fazer croquis, e se orientar pelas estrelas.

             - Estou brincando? – Não . Nada  disso. Eu mesmo fiz tudo isso e muito mais. Se não acreditam, porque não vão até lá e verifiquem com seus próprios olhos? Entrei e esperei pelo "Velho"  lá dentro. Não queria atrapalhar tão bela conversa. Sentado no meu banquinho de três pés, fiquei imaginando como colocar de maneira fácil e inteligível, o Escotismo como ele é para os leigos. Como seria bom que em poucas palavras todos entendessem que ele (o Escotismo) é uma forma importante também nos dias de hoje para ajudar essa juventude que aí está, sem rumo, sem organizações importantes que no passado existiam e que não existem mais.

Os pais estão tão sozinhos para educarem seus filhos e nenhuma organização forte para ajudá-los nesta tarefa. Se soubessem do valor do escotismo para isto, tenho certeza que seriamos outro movimento.

Lembrei também que através de uma emissora (CNN em espanhol) vi algumas propagandas do Escotismo, bem feitas, sem meias palavras e com muita imagem para mostrar a validade do Movimento Escoteiro. Pena que não tenhamos pessoal especializado para isso.

O "Velho"  entrou, me olhou e dentro de sua rotina que conhecia há muitos anos, começamos aquele bate papo gostoso, que muitos como eu desejam, mas não sabem como encontrar.
                                
                               Deixe de lado esta mania de grandeza
                                 Faça seu trabalho. Com poucos mas com certeza.
                                Acredite, cada um vai achar o seu caminho
                                 Pois este jogo é como pedra de moinho

                                Se bem aplicado terás alegrias e não tristezas.