Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Politica e democracia escoteira.


Crônicas Escoteiras.
Politica e democracia escoteira.

               Um amigo comentava em uma lista e dizia que nestas eleições havia um envolvimento grande na politica e na escolha de seus candidatos a Presidente da República por parte de adultos Escoteiros e até seniores e guias. Perguntava-se se isto era válido e se fosse porque não o faziam também na escolha de seus dirigentes Escoteiros em todos os níveis. Se por um lado eles tinham plena liberdade de expressão, podiam dizer o que pensam de tal candidato e muitos por lerem em outros sites retransmitiam em suas páginas suas ideias como se fossem deles porque no escotismo não faziam o mesmo? Vê-se que nas redes sociais as discussões nem sempre são éticas e as ofensas em público dos candidatos a presidente são copiadas abertamente.  Entendo que a participação deve merecer o respeito que caracteriza os Escoteiros. Nota-se que não existe um consenso ou uma maioria por um candidato. Havia sim uma divisão de escolha. Mas eu também me pergunto o porquê não existe esta participação quando da escolha na liderança Escoteira. Porque não existe um aprofundamento para ver as promessas de cada um, de saber o passado dos dirigentes candidatos Escoteiros e do que acontece nas decisões (O blog Café Mateiro tem uma exposição delas).

                   Enquanto muitos são pródigos em dizer os erros e acertos dos candidatos a Presidente da nação no escotismo isto não existe. Ninguém quer saber o que a direção nacional do escotismo faz. Se ela realiza um bom trabalho se ela interage conforme as normas, se ela é ética e transparente. Poucos lêem suas atas, suas discrepâncias e tudo que ali é decidido em quatro paredes. O número de membros Escoteiros que conhecem os Estatutos e o estudam para saber a validade é mínimo. Dificilmente alguém inquire e tudo é aceito sem nenhuma discussão. Nota-se que desde que entraram para o escotismo se prenderam em uma espécie de disciplina sem contestação. Em um blog chamado Café Mateiro, seu idealizador um estudioso sobre o escotismo nacional e internacional escreve as discrepâncias, os desmandos, as escolhas e determinações que emana dos dirigentes. Ninguém contesta a atuação dos dirigentes. O que eles decidem e fazem não importa para os membros da associação. Escolheram uma vestimenta e durante anos a mantiveram a sete chaves, sem uma pesquisa séria se precisávamos mudar, sem consultas as bases e sem transparência e só apresentando como fato consumado em uma Assembleia Nacional (uma festa digna de um Fashion Week nacional). (procure alguém fora do eixo dos diretores que participou das decisões e escolha).

               Poucos deram suas opiniões. Aceitaram sem reclamar e muitos apoiaram sem ao menos saber se ouve uma pesquisa nacional para mudar. Nem contestaram se a confecção da vestimenta ficou de posse de uma só empresa. De quem era esta empresa e porque foi escolhida, se era caro ou barato, o porquê não ter o direito de confeccionar em sua cidade, e nem se perguntaram a liberdade em escolher quase uma dezena de tipos de uniforme. Se ela a vestimenta seria uma forma de uniformização não é o que se vê hoje em dia e tudo é prescrito no POR, portanto é válido cada um vestir como quiser. Ninguém perguntou por que tão pouco tempo para ser extinto o traje, já que qualquer uniforme tem duração mínima de três a quatro anos. Se alguns gastaram fábulas na confecção do Traje isto não foi discutido por todos que o portavam. Não questionaram o porquê da uniformização dos dirigentes quase obrigatória para dar exemplo a pedido da própria direção nacional. A explicação foi de que o marketing era importante para o conhecimento de todos. Nota-se que poucos entenderam o escarnio do modo com que disseram que o Caqui seria ainda válido junto com a vestimenta. Ninguém perguntou o porquê à obrigação de em atividades representativas da UEB principalmente no exterior seria obrigatório o uso da Vestimenta e fica-se pensando porque se o caqui também foi liberado e aprovado porque não pode ser usado.

                 Mas tem muitas outras indagações que deveriam ser feitas. O apoio de alguns lideres nacionais a um candidato Escoteiro, já que não fizeram o mesmo por outros. Sabemos que estatutariamente isto não é permitido. Ninguém nunca questionou a forma como os estatutos são produzidos, onde a formula é uma só. E todos sabem que ele foi escrito a poucas mãos e a aprovação é a mesma que sempre realizam na Assembleia Nacional. Ali sempre foi estatutário que a condução ou eleição dos diretores é feita por poucos votantes não mais do que 0,3% do nosso efetivo Escoteiro nacional. Uma organização como a nossa, onde as assembleias são feitas por estados, onde a participação dos que tem direito a voto também não condiz com a realidade de cada Grupo Escoteiro podemos dizer que também a democracia deixa a desejar. Ninguém contesta o porquê ainda não abriram as portas de tudo que se faz, dando transparência, ouvindo os interessados de norte a sul, fazendo pesquisa e consultas ou mesmo atividades afins para discussões entre todos de norte a sul. Ninguém contesta para saber se o que estão determinando é o correto. Ninguém quer saber o porquê muitos se afastaram depois de se manifestarem contra. Outros que discordaram sofrendo na pele as imposições dos politicamente corretos isto sem considerar o patrulhamento ideológico que muitos insistem em dizer que não existe, mas que nós sabemos que sim.

                  Em uma eleição para Presidente em nosso País há uma competividade que foge a compreensão de muitos. Se de um lado e outro se extrapola nas suas acusações eles dizem fazer parte da politica. Mas no escotismo não. Não há interesse em pesquisar, em saber a verdade do que acontece nas reuniões de diretores seja nacional ou regional cujas explicações nem sempre são satisfatória. O que eles decidirem está decidido. Eles têm o direito estatutário de decidir o que quiserem. Ninguém contesta. Ninguém pergunta se não poderia ter sido feito uma pesquisa com todos, ninguém quer saber se o gato correu atrás do rato. O mote sempre vem em primeiro lugar – Estamos aqui para colaborar com nossos meninos e meninas. Quem quiser vá a Assembleia. E os que foram sabem que não é bem assim. Ali o jogo dos dirigentes é jogado e lambari é pescado. Dizem que existe um guarda chuva que nos protege e tudo que é feito é para melhorar o que temos. E assim pensam todos. A uma sincronização perfeita nesta roda que gira. O eixo que comanda é aceito tranquilamente pelos demais. Quem sofreu perseguições por discordar, que sofreu patrulhamento ideológico sabe como é, mas a maioria diz que não existe. E enquanto isto não temos direito a votar e ser votado. Não temos direito de ser consultados, não temos direito em ver o que acontece como são escolhidos alguns dirigentes ou mesmo a DEN (Diretoria Escoteira Nacional).


                   Ai eu fico pensando. Lutar pelo bem do Brasil em uma eleição democrática para presidentes de acordo com minhas convicções vale. Lutar para que haja transparência, para que também possamos eleger pessoas que julgamos dignas de nosso voto no escotismo não vale. Ser mais um dos 0,3% votantes é uma tarefa gigantesca.  Afinal o que somos? Para onde caminhamos? Seria este o escotismo que queremos? E antes de finalizar, porque está luta na escolha dos Presidentes do Brasil e no escotismo continuamos humildes chefes só a pensar na formação dos jovens? Afinal não temos o direito de pensar de escolher? De sugerir? Transparência, pesquisas, ouvir a todos, votar e ser votado. Um dia poderemos conseguir?     

terça-feira, 21 de outubro de 2014

O Dossiê - O ESCOTISMO BRASILEIRO


 Podemos dar alguns passos no sentido de dar, mesmo ao jovem mais pobre, um começo e uma chance na vida, dotando-o, de certo modo, com esperança e uma habilitação.
Baden Powell
  
O Dossiê - O ESCOTISMO BRASILEIRO
No primeiro decênio do século XXI

(O Dr. Jean Cassaigneau antigo Secretário Geral Adjunto da Organização Mundial do Movimento Escoteiro (OMME e com muita experiência foi convidado pela UEB para fazer um estudo de expansão e crescimento no Brasil)

        Recebi há tempos, não lembro quem me enviou, um relatório feito pelo Dr. Jean Cassaigneau, que a pedido da União dos Escoteiros do Brasil, fez um diagnóstico, perspectivas, proposta e recomendações sobre o Escotismo Brasileiro. Um excelente trabalho. Não o conhecia. Imaginem que isto aconteceu em 2007. Acredito que todos os órgãos escoteiros, aí incluindo Grupos Escoteiros no Brasil tenham recebido uma cópia pela importância do conteúdo. Portanto meus comentários hoje estão muito defasados. Mas passou-se pelo menos sete anos. Se suas observações ou sugestões foram aceitas não sei. Alguns dizem que sim. O que confirmo é que muito do que escreveu não deixa de ser atual hoje em dia. Muito atual. Não vou entrar aqui em todos os detalhes de suas observações, pois isto iria alongar muito. Não digo que tudo que escreveu e todas as suas observações seriam perfeitas. Mas o pouco tempo que teve acertou em cheio nas suas colocações.

           Visitou dez regiões escoteiras, conversou com mais de cento e sessenta escotistas, pioneiros e até com pessoas não escoteiras. Ele mesmo diz que viu na UEB recomendações de membros ativos para modificar alguns aspectos negativos ou controversos e incentivar o crescimento tanto qualitativo como quantitativo. Isto até serviu de subsídios em seu trabalho. De posse de uma boa documentação seu relatório vai ao âmago da questão que eu acredito aflige nosso movimento, o deixando estagnado há décadas e décadas. Alguns amigos mais próximos a nossa direção confirmam que muito do que ele disse foi posto em prática e os demais itens por acharem impossível seu aproveitamento.

        De uma maneira simplificada, escreveu o que o seu estudo pretendia ser e não ser. Claro, dentro de suas prioridades as mais importantes foram de recolher ideias, opiniões e sugestões de membros da UEB em boa parte do território Nacional, não só dos dirigentes. Não faltou uma identificação e uma análise das realidades e tendência. Comentou sobre uma proposta para uma visão de consolidação e desenvolvimento do Escotismo no Brasil. Não deu a solução, apesar de que ficou explícita no final do relatório. Deu a entender que em sua opinião existem sim soluções concretas, articuladas e coerentes. Interessante foi sua comparação entre os membros da UEB e a população brasileira. Só como exemplo, temos uma media de 0,4% de participação enquanto no Chile ela é de 0,22%.

      Interessante notar seus gráficos do nosso crescimento, uma verdadeira “sanfona” de vai e vem. O ápice foi em 1991 e se manteve até 1993 aonde chegamos a mais de 70.000 membros (hoje 83.000 membros). A partir daí uma queda vertiginosa. Suas observações sobre a movimentação do efetivo nos estados é excelente. Faz um breve retrospecto da evasão e me baseando pelas minhas parcas informações não sei se concordo com seus números nos dias de hoje. Sua comparação com outros países sobre a arregimentação de adultos nos coloca em boa posição, mas em relação aos jovens perdemos e muito.

        Poderia me aprofundar no todo de suas observações, principalmente no que disseram a maioria dos entrevistados. Mas isto iria alongar muito. Mas do que disseram os entrevistados não me escapa algumas preciosidades: - O escotismo é visto como um clube – Falta divulgação e quando é feita muita vezes é desvirtuada. Os jovens não escoteiros não compram muito a ideia do que estão vendo. Muitos escotistas e escoteiros tem vergonha do uniforme, não fazem marketing com ele em atividades extra-sede. (aprovaram o traje, é mais fácil se apresentar com ele que com um uniforme). Não existe um bom trabalho para mostrar o escotismo na sociedade e principalmente junto aos responsáveis pela educação no país. Acham que o público acredita que somos um movimento fechado (sempre dentro das sedes escoteiras), mudar a imagem do Escoteiro “biscoito” para um escotismo com formação do caráter, um movimento sério com preparação vocacional e compromisso social. Rebatem sempre a vergonha de se mostrarem em público, sua linguagem (o programa) muitas vezes são incompreendidas. Mudar a imagem do Escoteiro “babaca”, do Escoteiro “cata-lixo” e bobo e diversificar para uma presença ativa na comunidade.

           Isto foi que disseram a ele em suas entrevistas. Tem muito mais. Centenas.  Os próprios membros da UEB na época (2007) já diziam que parece que somos uma organização secreta, não temos penetração visual. Ficamos trancados em nossas sedes. As pessoas respeitam o que conhecem, quem não é visto não é lembrado. TEMOS QUE VENDER NOSSO PEIXE! Centralização não é a solução. A Nacional busca fora o que tem dentro. Precisamos ter menos burocracia, menos política, menos instabilidade. A UEB é um trem com vagões pesados. A UEB não faz rodar a roda que inventou o Baden Powell (BP).  A UEB é como uma ostra – apenas abre-se e fecha-se imediatamente. A UEB cuida da política e não da administração. A ESTRUTURA DA UEB É FEUDAL E FECHADA. Cada membro da UEB está fazendo do seu jeito. É preciso ser um colegiado e não levar em conta a promoção pessoal. A UEB é uma fogueira de vaidade onde se briga por besteira!

         Isto meus amigos está no relatório. Não são palavras minhas. Claro, de 2007 podem dizer, mas será que mudou alguma coisa? E para encerrar, algumas outras pérolas do que disseram membros da UEB na época – O Escotismo, antes era desafio e conquista, agora é brincadeira. Qualquer grande organização que se preze, antes de ʺvenderʺ um produto novo, realiza uma pesquisa de opinião para saber se aquele produto irá ʺvenderʺ bem, ou a melhor forma de fazêlo. Perguntar não ofende, não faz mal, pelo contrário, valoriza a pessoa e torna a política mais sábia. Os escotistas e dirigentes, quando podem, têm que fazer ʺimportaçãoʺ (ou seria ʺcontrabandoʺ), de publicações, de um Estado para outro. O programa novo é calmo de mais.

       Nada diferente do que escrevi e sempre escrevo. Realmente não sei e não posso afirmar se fizeram alguma coisa sugerida pelo relatório do eminente Dr. Jean Cassaigneau. Sua experiência como antigo Secretário Geral Adjunto da Organização Mundial do Movimento Escoteiro (OMME) não deixa dúvidas quanto ao seu excelente trabalho. Dizer mais o que? Vamos mudar quando? Vamos crescer quando? Esta fogueira de vaidades por poder, não importa onde, desde o Grupo Escoteiro até os dirigentes quanto ainda vai perdurar? Que os defensores continuem a defender o indefensável. Como disse nosso querido BP, o que importa são os resultados e infelizmente eles não são bons. 83.000 mil membros para uma população de 200 milhões de habitantes não é nada. Não fiquem satisfeitos com suas alcateias e tropas pequenas, não fiquem alegres com estas atividades caça-níqueis de nossos dirigentes. Procurem ver se a evasão existe e cobrem das autoridades. Todos nós somos responsáveis!  

      (O relatório tem muito mais. São 75 páginas. Se não o leu peça. Envio de graça com muito prazer – em PDF.).

A prática do Escotismo atrai jovens de todas as classes
e camadas (altas e baixas, ricos e pobres) e igualmente.
inclui, também, os que tenham defeito físico... Ele
inspira o desejo de aprender.

Robert Baden-Powell. 1919


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O fantástico curso da Insígnia da Madeira do Chefe Bola Branca.



A razão pela qual algumas pessoas acham tão difícil serem felizes é porque estão sempre a julgar o passado melhor do que foi, o presente pior do que é e o futuro melhor do que será.

O fantástico curso da Insígnia da Madeira do Chefe Bola Branca.

           Gente fina, um andar cheio de trejeitos, mas diziam que era duro na queda. Soube de fonte fidedigna que enfrentou seis em frente ao Cinema Palácios em uma noite de natal. Ficou famoso por causa disto e daí em diante ninguém mais ria dele. Nasceu no escotismo, sua mãe uma Chefe de Alcateia deu a luz em um acantonamento em Rosário. E olhe quase todos os lobinhos ajudaram. Disseram que houve uma grande festa e Bola Branca sorriu a noite toda. Já sabem, filho de Chefe tem direitos que outros não têm. Alguns juram que não, mas Bola Branca aos cinco já era lobinho. E ai de quem falasse que não podia. Bola Branca foi tudo que podia no escotismo. Primeira Estrela, Lis de Ouro, Escoteiro da Pátria, Insígnia de BP, Chefe de Alcateia, Tropa Escoteira, Sênior, Mestre PI, Diretor Técnico, Comissário Distrital e só não foi escoteiro Chefe porque foi trabalhar na Austrália e só voltou dez anos depois. Esqueci-me de dizer, recebeu sua Insígnia da Madeira com dezoito anos. Acho que foi o Chefe mais novo a receber.

         Acredito que ele deva ser mais velho que eu uns vinte anos. Hoje estou com quarenta e cinco e ele já de cabelos brancos parecia um pouco cansado, mas com uma vivacidade incrível. Sempre que nos encontrávamos ele me contava histórias incríveis. Como eu o considerava um técnico escoteiro sui generis eu gostava de ouvi-lo. Tinha combinado encontrar com o Chefe Matusalém no bar do Moita, pois lá ficaríamos mais vontade para discutirmos o 6º ADIP Regional, (acampamento distrital de patrulhas), Eu era o Comissário Regional naquela época e no ano anterior por decisão imposítória de todos os chefes fui eleito como responsável para sua organização este ano. Cheguei mais cedo e o Chefe Matusalém ainda não havia chegado. Tomando um chopinho eis que como em um passo de mágica aparece o meu amigo Chefe Bola Branca e sempre mexendo o corpo pra lá e pra cá. Sente-se meu amigo eu disse. Estou esperando o Chefe Matusalém e você é bem vindo. Quem sabe pode até me ajudar?

               O atrasado chegou em seguida. Já conhecia o Chefe Bola Branca. A conversa ficou animada. Quem estivesse perto só ouvia escotismo, escotismo e escotismo. Tinha outro assunto mais importante por acaso? Alguém arrastou uma cadeira. – Posso me sentar com vocês? Fui escoteiro e vendo vocês conversarem sobre o movimento me deu saudade. – Fique a vontade meu amigo. O fique a vontade foi dado há mais cinco que também queriam ouvir o que nós dizíamos. Uma mesa grande, chopes e salgados eram servidos. Plateia formada a gosto do meu amigo Chefe Bola Branca. Falamos de tudo. Por último dos novos cursos escoteiros. Cada um tinha uma opinião. Chefe Matusalém era da Equipe de Formação. Achava tudo perfeito. Ele e o Chefe Bola Branca tiveram uma boa troca de opiniões. Cada um convencia até que o outro usava da palavra. – O mundo moderno exige Chefe Bola Branca. Não vivemos mais na época das cavernas disse o Chefe Matusalém.  

               Chefe Bola Branca não disse nem sim e nem não. Aproveitei a oportunidade para perguntar como conseguiu a Insígnia da Madeira com dezoito anos. Ele primeiro floreou sua história. Começou contando quando foi Chefe de uma tropa de escoteiros. Ficou lá por doze anos. Viu jovens crescerem, constituírem famílias, alguns assumindo posições na comunidade e em suas atividades profissionais. Nunca esqueceram o Grupo Escoteiro. Pelo menos uma vez por ano iam fazer uma visita. Quase todos colaboravam financeiramente com o Grupo. Eu perdia poucos jovens - dizia. Eles adoravam as atividades de campo que fazíamos. Os monitores da tropa não eram os melhores, mas não deixavam a desejar. Olhe meus amigos, eu fiz outros cursos que não os do escotismo. Fiz também alguns que não posso menosprezar, mas o meu primeiro. Ah! O meu primeiro foi único, foi o que me deu base para saber conduzir uma tropa escoteira. Se não fosse ele não seria o que sou hoje. Passei por poucas e boas no escotismo. Poderia ter saído, mas não sai. Ainda me lembro, pois completava meus dezoito anos, recém-saído das fileiras do exército, ainda não tinha nada decido em minha vida. Hoje um curso assim nunca nossos diretores vão realizar.

            Um dia recebi em minha casa uma correspondência estranha vinda da Direção escoteira regional. Dizia – Iremos fazer um curso da Insígnia da Madeira ramo escoteiro. Escolhemos 32 chefes. Você é um dos escolhidos. Não é um curso qualquer. Estamos fazendo uma experiência piloto. Caso se interesse mande-nos um telegrama até o fim deste mês. O curso terá duração de dez dias. A partir de 08 de fevereiro próximo. Não é um curso para pata-tenras. Só mesmo para os que chegaram à primeira classe e eficiência II. Uma verdadeira prova de sobrevivência. Caso aceite as passagens ida e volta será por conta da Região escoteira. Não haverá taxas. – Dizer o que? Claro que aceitei. Nunca fugi de desafios. Um mês antes do inicio do curso recebi as passagens e um envelope que dizia: - Só abra o envelope na saída três da rodoviária quando chegar. Isto tem de acontecer às sete da manhã. Se chegar antes espere a hora e se chegar depois dê meia volta para casa.

               Vi cadeiras se arrastando e cada um chegando mais perto do Chefe Bola Branca. A história parecia ser interessante, eu mesmo nunca tinha ouvido falar de um curso assim. – Continuou o Chefe Bola branca – Cheguei na rodoviária às seis e meia. Dei uma busca completa para ver se tinha algum Chefe escondido para me observar. Não vi ninguém. Fui para a saída três e esperei dar às sete horas. Abri o envelope. Um mapa pequeno mais parecendo um croqui e escrito – Boa sorte. Tem uma hora para chegar ao ponto de reunião. Saquei minha bussola silva. Tomei o rumo do mapa e parti a pé. Notei que eram mais de quinze quilômetros nunca chegaria em uma hora. Deveria ter algum mais na carta prego. Virei-a do avesso e não descobria nada. Aí que prestei mais atenção e entre o boa e sorte havia o numero 22 bem pequeno. O que significava? Logo vi um ônibus passado – numero 22! Chapecó – Tinha de ser. Embarquei no ônibus. Pura sorte! Acompanhei seu trajeto com o mapa. O ônibus estava vazio. Alguns passageiros estranhavam aquele Escoteiro mochileiro cheio de bugigangas.

                No mapa vi uma estrada secundária sem residências. A mais ou menos oito quilômetros da rodoviária. Fiquei de olho pela janela. As casas começaram a rarear. Logo a estrada surgiu. Desci e parti em passo Escoteiro e claro usando meu passo duplo. Um rio apareceu. Havia uma barca pequena e o barqueiro parecendo me esperar. Logo ele apareceu. – Mais Um, acho que você é o último. - Ultimo? Perguntei. Ele nada disse. Do outro lado perguntei – Para onde foram os outros? – Disseram-me que vocês sabem seguir pistas, portanto se vire meu amigo e deu meia volta com sua barca. As pistas eram visíveis. Não dava para errar. Como tinha treinamento quando jovem deu para ver um gordo, um magro e vários mais altos que os demais. Quase no alto da colina avistei um Velho sentado em um toco. Chamou-me – Graças a Deus você é o último. Aqui está seu envelope. Boa sorte para você!

                No envelope dizia – Não abra, só quando encontrar sua patrulha a um quilometro rumo sul sudoeste. Se até as dez e meia não encontrá-la dê meia volta. Eles já foram para o ponto de reunião. Olhei o relógio. Dava tempo tinha ainda vinte e cinco minutos. Logo avistei todos eles debaixo de um Jatobá enorme. Receberam-me com alegria. – Pensamos que não chegaria! Ri sem alarde. Afinal eles não me conheciam. Apresentamo-nos – Norberto, Acácio, Jonny Marcus, Pierre, Leonardo, Paulo Antonio e eu Romualdo. Disse para eles que podiam me chamar de Bola Branca. Eles riram. Conforme as instruções a abertura dos envelopes deviam ser pela ordem de chegada. Acácio foi o primeiro a chegar e abriu seu envelope, dizia pouco. - Do rio das aventuras... Logo abriu seu envelope o Pierre que era o segundo – Na grande curva do Castello. E assim foi Paulo Antonio, Norberto, Leonardo, Norberto e eu. Juntamos todas as palavras – “Do rio das aventuras, na grande curva do Castello, um bosque de acácias amarelas, irão viver grandes aventuras”. Às onze e meia em ponto, a bandeira vai farfalhar no vento. Aguardamos vocês. Sejam bem vindos!

               Notei que agora a roda aumentara. Até quem nunca foi Escoteiro estava participando. Todos de olho em Bola Branca. Um narrador perfeito e mesmo não sendo uma história das arábias ela chamava a atenção. Bola Branca parecia estar inebriado com sua narrativa. Olhava para um e outro, gesticulava, sentava e voltava a ficar em pé e sem levantar a voz continuou - Foi divertido descer a toda a colina. O rio do alto era lindo. Quem visse ali aqueles homens vestidos de calça curta e chapelão correndo em uma descida perigosa, iriam achar que eram uma turma de loucos. Logo fomos nos conhecendo naquela descida de uma trilha certeira e em menos de meia hora chegamos ao ponto de reunião. Todos estavam lá. Todos não. Dois convidados não conseguiram chegar. Se perderem no caminho. Claro estavam desclassificados do curso. Duas patrulhas de sete e duas de oito. Como se tivessem surgido do nada os quadro diretores apareceram. Misturaram-se conosco. Abraços, apresentação, sorrisos. Eu gostei muito deles. Tinha receio de serem como os sargentões do exército.

               Um deles com uma trombeta na mão fez a chamada geral. Depois fui saber que a trombeta seria o famoso Chifre do Kudu. Um dos diretores no quinto dia contou a história de como Baden Powell trouxe ao movimento este chifre que é famoso até hoje. Não vou repetir aqui toda a história, pois é muito longa. Formamos por patrulha. Ao Monitor novamente foi entregue um envelope. Dez minutos. Tudo era com tempo marcado. A não ser a apresentação na chegada os diretores pouco falavam. – Nome de patrulha – grito – Lema, encargos de patrulha de cada um (mudar a cada 24 horas). Meus amigos, o curso começou de fato. Entregaram-nos uma caixa de patrulha, cada uma escolheu seu campo e o correm corre começou. Uma hora e meia para fazer almoço, vinte para lavar e limpar campo, o danado do chifre berrando e a gente correndo, façam uma ponte, façam uma paliçada, façam uma ponte elevadiça, façam isto façam aquilo. Às seis da tarde nos deram duas horas para preparar o jantar. As oito e meia o chifre berrava e a gente correndo. Um jogo noturno com os de olhos vendados e amarrados uns aos outros.

                 No quarto dia eu estava pregado e olhe tinha dezoito anos na flor da idade e recém-soldado do exercito. Foi no quarto dia que começamos a nos estranhar. Cada um começou a analisar o outro da patrulha e então apareceu os defeitos. Fulano não ajuda sicrano só quer sombra e água fresca e assim os demais. Caras amarradas, respostas curtas, eu mesmo não posso dizer que fiquei amigo de alguém até ali. Os chefes já esperavam por aquilo. Sempre fazíamos conversas ao pé do fogo e eles nunca falavam muito. Davam um tema e um tempo para discutirmos. Primeiro as patrulhas se dividiam em dois depois em quatro e finalmente em oito. Depois duas patrulhas e a tropa toda. Nunca ficamos mais de que quarenta minutos discutindo algum tema. E nunca no mesmo lugar. Quando foi apresentado As normas e regulamentos para banhos e outros similares o Chefe nos chamou dentro do rio. Tirar a roupa e pular na água foi agradável, o que não foi era ficar ali discutindo. Dois a dois, quatro a quatro, oito a oito, duas patrulhas e a tropa toda. Quarenta minutos. Mas quer saber? Eu aprendi muito. Muito mesmo.

                 Havia queira ou não uma solidariedade grande entre nós. Só no sexto dia fomos conhecer o campo de chefia. Era atrás de um pequeno morro. Eles tinham tudo feito por eles mesmos. Suas pioneiras eram perfeitas. Eles faziam suas refeições. A roda d’água que fizeram para levar água ao campo de chefia era perfeita. Havia um respeito enorme durante a noite. Sempre dormíamos às sete horas e meia programada. Mas o Chifre do Kudu quando tocava era um terror. No sétimo dia começamos a nos entender. Cada um sabia até onde o outro poderia ir. Isto me valeu muito para entender as patrulhas de jovens quando não se entendem. Foi no oitavo dia que aconteceu a surpresa. Estava pregado. Cansado mesmo. Fomos dormir às onze e meia da noite. Às três da manhã acordei assustado. O Toque alto do Chifre do Kudu no alto do morro. Levantamos as pressas e mal deu para vestir os uniformes. Chovia a cântaros. Na subida um Chefe chamou duas patrulhas para ir com ele e às outras com outro Chefe. No alto do morro ele pediu para deitarmos um ao lado do outro. Deitamos. – Ele começou a transmitir uma mensagem de ouvido em ouvido. “O acampamento foi atacado”. Índios Carijós destruíram tudo. Vocês devem tentar reaver tudo que perderam se não irão dormir ao relento e comer bananas verdes! Ficamos ali pensando. O Chefe desapareceu.

                     Só encontramos nossas tralhas com o sol nascendo. Não foi fácil debaixo do temporal encontrar nossa tralha. Ao retornarmos ao campo encontramos tudo destruído. As duas patrulhas separadas também fizeram o mesmo jogo. Sentamos pensativos o que seria tudo aquilo – A chuva amainou e horrorizados olhamos nosso campo. Armar tudo de novo? Montar de novo as pioneiras? De novo o toque do Chifre do Kudu – Hoje vocês terão folga até às quatro da tarde. Montem seus campos e tirem uma soneca de seis horas. A Chefia vai servir um café reforçado e quando acordarem um delicioso almoço com frango caipira! Gritos de urras! De Bravos! De Anrê! Amigos, no décimo dia eu estava em pandarecos. Mas querem saber? Nunca aprendi tanto.

                 Hoje quando lembro sobre acampamentos à moda de Giwell, e as discussões em grupo que fizemos acreditem, nunca esqueci. Foram tantas que algumas marcou. O sistema de patrulhas, a Corte de Honra, programando o programa, aprender a fazer fazendo, padrões de acampamento, lei e promessa, normas e regulamento e tantos outros temas que nos foram apresentados que dou graças a Deus por ter feito este curso. E sabe a surpresa? No último dia ali no cerimonial de bandeira, com a tristeza da partida os quatros dirigentes do curso tomaram a frente e um deles disse – Vocês se mostraram autênticos conhecedores. Estão perfeitamente aptos a receberem o premio a que tem direito sem necessidade de cumprir a etapa um e três (um era o questionário e a três observação). Foi um susto. Mas que surpresa agradável. Um por um éramos chamados à frente e recebíamos o anel de Giwell o Lenço, o colar e o certificado. Pode? Sem observador? Sem parte I? Mas que valeu, valeu. Até hoje me orgulho do meu lenço. Lutei por ele e não me comparo nunca os que receberam de outra maneira.

                       O discurso do Diretor do Curso foi maravilhoso. Convidou-nos a cada três anos participar de um curso de apoio e aperfeiçoamento. Seria como ele dissesse uma volta a Giwell, terra boa. Porque não? Eu nunca perdi um. Fui em cinco depois tudo mudou. Mas mesmo assim ainda vou em algum curso para me atualizar. Preciso aprender o que a nova metodologia tem de bom como dizem por aí. Sei que muitos não vão entender, mas um desafio como foi feito a nós acredito que ainda tem muitos que gostariam de participar. Afinal se vamos dar aventuras aos nossos jovens temos que saber como elas são. Foi para mim marcante. Uma aventura que marcou a todos. Mantivemos contatos por muitos anos. Várias vezes encontramo-nos em vários acampamentos nacionais e internacionais. Sei que dos trinta participantes mais de vinte ainda estão até hoje no escotismo. Hoje tenho orgulho e muito do meu lenço. Alguns me contam como conseguiram o seu. Claro o orgulho é próprio e devemos valorizar sempre o que conquistamos.

                       Uma da manhã. O Mota dono do bar nos olhava desconsolado – Não tem mais histórias? Perguntou. Não mota eu disse. Se possível traga a salgada. Ela sim vai ser uma boa história para cada um dos presentes pagar sua parte sem chiar. Rimo-nos a valer. Cada um dos presentes foi saindo de mansinho. Claro depois do rateio das despesas que não foi pouca. Ficamos eu, Bola Branca, Matusalém e o Mota sentados em volta da mesa. - Tenho que ir meus amigos eu disse. Ainda tenho um pedaço de chão para chegar em casa, nada que seja um percurso de Giwell bem bolado, mas sabe como é a esposa me ama, mas chegar neste horário é demais. Um abraço, um aperto de mão e o Mota me perguntando – Chefe, quando voltarão novamente? Estas histórias são supimpas para fazer a turma beber e gastar! E deu boas risadas. Fui embora pensando. Eu gostaria de ter feito um curso assim. Será que ele vale mais do que os de hoje?   

Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir. Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso. E com confiança no que diz.



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O Selvagem das Terras Altas. A história do Cacique Capotira. O Selvagem da Cabeça Branca.


O Selvagem das Terras Altas.
A história do Cacique Capotira. O Selvagem da Cabeça Branca.

                                       Se havia algum que me deixava deprimido era não poder fazer alguma atividade que por um motivo ou outro pensei em fazer. Nunca em minha vida tive medo de enfrentar a estrada, as matas, campinas, os rios estreitos e largos, as cachoeiras, as corredeiras infernais e até as mais altas montanhas. Deliciava-me quando conseguia conquistar cumes imensos, atravessar rios caudalosos seja de que maneira for descendo corredeiras ou mesmo encontrar com o imponderável pela frente era motivo de orgulho. Não sei quantas vezes passei por isto. Medo? Um pouco. Muitas vezes “molhei as calças” e não me envergonho de dizer. O que me deixava agora chateado era não encontrar alguém da Patrulha para ir comigo. Estava enfezado. Israel disse que não podia – Bitelô, como vou ficar vinte dias fora? – Tãozinho então – Nem posso pensar nisto Bitelô, meu pai não vai deixar nunca. E assim um por um não encontrei ninguém que topasse enfrentar um desafio novo.

               Tudo começou quando fui cortar o cabelo na Barbearia do seu Praxedes. Era o barbeiro do meu pai há muitos anos. Eu cortava cabelo com ele desde os cinco. Ele sempre soube o que fazer e como era o corte. Estava lá entretido quando entrou um sujeito com um bigode que nunca tinha visto igual. Enorme. Diria que os lados quase alcançavam ao queixo. Passou um tempo e ele começou a conversar com o seu Praxedes e conversa vai conversa vem disse que morava na Morada do Morto Vivo. Nunca ouvi falar. Seu Praxedes balançou a cabeça. Contou então a história mais incrível que tinha ouvido. Disse que bem longe de sua casa, bem ao norte subindo o Rio Turvo, quem sabe duas semanas a pé, existia uma serra alta, toda tomada por uma imensa floresta. Ninguém ainda tinha entrado nela. Era completamente desconhecida. Um dia um homem todo marcado e sangrando como se tivesse sido esfolado vivo chegou a sua porta pedindo ajuda e socorro. Trataram dele dentro do que conheciam e no quinto dia ele partiu. Quando ia virando a curva da Trilha da Goiabeira gritou – Nunca tentei entrar na Floresta do Diabo! Lá ainda mora o Selvagem da Cabeça Branca. Ele não conversa com ninguém. Ele esfola e mata. E sumiu junto as plantação de figo que tínhamos acabado de plantar.

           Depois não falou mais. Cortou o cabelo aparou o bigode e quando ia saindo o segurei pelo braço. Ele me olhou e vi nos seus olhos faiscarem. Conhecia este tipo de valentia de outras eras quando das minhas brigas eternas e quase desisti de perguntar. – Moço, como faço para chegar na Floresta do Diabo? Ele riu. Pegue o trem. Desça em Baixo Guandu. Suba o Rio Turvo por oitenta quilômetros. Quando avistar uma garganta entre duas montanhas, vá por baixo mais dez quilômetros. Quando ela terminar irá ver uma imensa floresta subindo aos céus e densa por causa do nevoeiro. É lá. Mas menino, nunca vá lá. O Selvagem da Cabeça Branca dizem nunca deixou ninguém vivo e os que conseguiram fugir ficaram com sequelas no corpo morrendo em poucos meses. Virou-me as costas e sumiu na Rua Sete de Setembro e nunca mais o vi. À noite minha patrulha tinha marcado uma reunião na sede. Pretendíamos acampar nas férias de julho e poderíamos escolher um bom local e quem sabe fazer as grandes pioneirias que sempre planejamos e não fizemos. Poderíamos ficar oito dias acampados. Israel sempre lorotando da sua Barraca suspensa.
  
               Enquanto todos discutiam lembrei-me da conversa do Homem do Bigode Rastapé que me contou a história fantástica. Contei para a Patrulha. Riram e não deram atenção. Tentei de todo modo motivar a irmos lá. Foi Israel que colocou a questão crucial – Olhe Bitelô, Oitenta quilômetros rio acima, depois mais vinte. Você sabe. Sem trilhas, matas dos dois lados e com corredeiras tem de ser a pé. Pelos meus cálculos não conseguiremos andar mais que vinte quilômetros por dia, e olhe lá. Só aí seriam cinco dias para ir e mais cinco para voltar. Nem sabemos o que vamos encontrar. Claro que na volta uma jangada pode nos trazer mais rápido, mas e então? Subir uma montanha que ninguém nunca subiu? E se for verdade esta historia do tal Selvagem esfolador? Não somos heróis. Nem sabemos o que vamos encontrar.

               Tentei de todo modo motivar a turma. Não estava conseguindo convencer aqueles seniores destemidos. Deram todo tipo de desculpa. Parece que não era a minha Patrulha que não recusava nenhum desafio. Voltei para casa frustrado. No dia seguinte Pedrinho me procurou em casa cedo ainda – Olhe Bitelô, não dormi a noite. Só pensando nesta história do esfolador. Encontrei com o Israel e ele me disse a mesma coisa. Acho que devemos nos reunir hoje na sede e conversar de novo sobre isto. Dito e feito. A Patrulha conversou por horas. No final tudo planejado. Achávamos que quinze dias seriam suficientes. Os seis valentes seniores da patrulha Cascavel iriam entrar em ação novamente. Que nos esperasse a Floresta do Diabo. E que se danasse o Selvagem da Cabeça Branca. Ele ia conhecer uma turma da pesada! A aventura ia começar e que aventura foi meu Deus!

                Seu Josué era o Chefe da Estação da Estrada de ferro. Já nos conhecia. Aproximou-se e perguntou – Para onde vão desta vez? Até Baixo Guandu Seu Josué. E de lá? - Bem vamos tentar chegar até a Floresta do Diabo. Isto é vamos subir o Rio Turvo. – O rio eu conheço, mas esta floresta não. Cuidado com o Rio. Quando menos se espera ele sobe até dois ou três metros do seu nível.  Gente boa seu Josué. O trem parou na plataforma. Subimos na Segunda Classe e logo ele partiu. Seriam por volta de três horas de viagem. Se tudo corresse bem chegaríamos em Baixo Guandu lá pela uma da tarde. Foram preparativos imensos. Nossa ração que estávamos acostumados era de no máximo dez dias. Ração para quinze ou vinte não sei não. Mas achamos que encontraríamos pelo caminho muita verdura, peixes e quem sabe algum animal ou ave para matar a fome e economizar nosso farnel.

                   Éramos seis. Eu, Romildo, Fumanchú, Taozinho, Israel e Pedrinho. A Patrulha estava completa. Todos foram segunda e Primeira Classe quando escoteiros e agora muitos portavam a eficiência II. Não havia pata tenras. Passamos juntos por poucas e boas. Na viagem o espírito era nota dez. Cantamos, contamos “causos”, até umas piadinhas que não podiam ser contadas para os lobinhos. Meio dia e meio avistamos Baixo Guandu. Uma cidade de mais ou menos quinze mil almas naquela época. Hoje não sei. Antes de o trem entrar na estação avistamos o pontilhão do Rio Turvo. Descemos e como sempre atraiamos atenção. Não dava tempo para conversar. Partimos. Um trecho de estrada estadual e logo uma carroçável margeava o rio. Sabíamos que ela iria desaparecer em breve. Dito e feito. Uma mata rala, e logo uma mata fechada. Que dificuldade para dar cada passo. O rio naquele trecho era manso. A tarde veio chegando. Precisávamos de um lugar para arranchar. Sabíamos que não podíamos ficar próximo à margem. Pelos menos uns trezentos metros. As muriçocas nos comeriam vivos. Experiência de outras épocas.

                   A primeira noite foi calma e assim a segunda. Mas cada dia mais difícil ficava a caminhada. Na tarde do terceiro dia avistamos uma cachoeira enorme. Época da piracema. Um espetáculo a parte. Quem já viu sabe como é. Lindo! A luta dos peixes para subir rio acima é algum de espetacular. Escolhemos um belo piau de dois quilos e o Fumanchú nos fez uma gostoso assado de peixe na brasa. No dia seguinte demoramos mais de três horas para escalar a cachoeira. Não foi fácil. No quinto dia achávamos que estávamos atravessando o inferno. Que dificuldade meu Deus! Cada metro mais e mais um emaranhado da floresta. Naquele dia acho que não andamos cinco quilômetros. Se continuasse assim não chegaríamos a tal Garganta. No sexto dia a mata ficou rarefeita. Tiramos o atraso. Na manhã do sétimo dia avistamos a Garganta. Fácil de percorrer. Um gostoso riacho pedregoso e raso com águas límpidas. Na tarde daquele dia avistamos a famosa Floresta do Diabo. Imponente. Grandiosa. Misteriosa. Uma nevoa encobria o seu topo. Resolvemos dormir e prosseguir no outro dia.

                Levantamos cedo. Graças a Deus que durante os sete dias não choveu. Não foi preciso usar as lonas. Dormimos sob as estrelas. Pela manhã após um cafezinho partimos. Não havia como escolher uma local para a subida. Por toda parte arvores gigantescas e vegetação encobrindo tudo. Fomos em frente. Fumanchú nos disse que nossa ração daria para mais quatro dias. Se pudéssemos encontrar alguma caça ou pescar seria bom. Pescar ali não dava. A subida ficou íngreme. Três passos a frente um atrás. Quem sabe encontraríamos algumas frutas silvestres pensava enquanto andávamos. A mata fechada. Muito fechada. Começou a escurecer. Abrimos uma pequena clareira e dormimos, não antes de uma gostosa sopa de batata. Um bule de café nas brasas umas batatas doce e a noite chegou firme. Pegávamos no sono com facilidade.

               Acordei com o dia raiando. Vi o Romildo e o Fumanchú de pé, sem se mexer e olhando firme para frente. Tremi na base. Um índio enorme. Olhe mais de dois metros. Grande e sem ser gordo era descomunal. Cabeleira longa e totalmente branca. Sem barba. Olhos negros fitando-nos. Não disse nada. E agora, seria o tal Selvagem da Cabeça Branca? Vai nos esfolar e matar? Israel e Tãozinho se levantaram. Pedrinho sentou e se assustou. Era o menor de todos. Todos se aproximaram e ficamos juntos. Romildo o Monitor pegou seu bastão. Arma? Que nada, era leve e nem como porrete quebraria o galho. Calças começaram a ficar molhadas. Ele fez um sinal como dissesse – Venham comigo. Fazer o que? Juntamos nossas tralhas e fomos com ele.

                  Gente, o caminho era uma surpresa. Ele nos levou por uma encosta, onde uma trilha mínima e tendo como esteio um cipó enorme, atravessamos. Do outro lado uma pequena ponte pênsil que ele puxou não sei de onde, passamos e chegamos próximo a um platô, enorme. Avistamos algumas Ocas e uns vinte índios nos cercaram. A maioria mulheres e crianças. Ninguém falava nada, ninguém sorria. O tal da cabeça branca nos mandou entrar em uma oca. Enorme. Grande mesmo. Cabia lá toda a tribo isto é pensei que poderia ser uma. Um pequeno fogo no meio e que cheiro ruim. Ruim mesmo. De que seria? Romildo disse que mataram um porco do mato e ele estava em um canto da oca. Só podia ser ele. O tal da Cabeça Branca nos mandou sentar. Todos sentaram. Ele humildemente, o que estranhei começou a falar:

                 - Eu e os demais da tribo estamos pensando o que fazer com vocês. Não gostamos de estranhos. Eles nos fazem mal. Todos que aqui vem nós o matamos ou esfolamos. Um aviso para ninguém vir. Há muitas e muitas luas seus irmãos brancos mataram quase todos da minha tribo. Morávamos próximo a Aimorés, quase junto a Lagoa da Traíra. Éramos de paz. A sua FUNAI nos deu terras e fazendeiros nos tomaram. Uma noite entraram em nossa aldeia. Mataram quase todos. Eu, filho do cacique Lobo Branco, Pontiac filho do bravo Amanaki, Iraci minha namorada na tribo e filha de Caíare estávamos caçando. Quando chegamos vimos todos mortos e os brancos saqueando tudo. Escondemo-nos. Levaram os corpos e os enterraram na entrada da Aldeia, mais de cinco quilômetros onde morávamos. Choramos muito. Mais cinco crianças correram até nós. Estavam vivos. Eu tinha dezesseis anos e era o mais velho. Resolvemos fugir.

                - Descobrimos esta floresta depois de dias de viagem pelo Rio Turvo. Achamos que quase ninguém viria aqui. Na Garganta Cajuru montamos um ponto para observar todos que se aproximam. Vocês passaram por ela. Vimos todos os seus passos. São meninos como eu era. Sei que vieram por aventura. Eu também fui assim. Hoje somos menos de trinta. Iraci me deu oito filhos. Paramos. Não podemos crescer mais. Um livro sagrado foi escrito. Todos sabem o que diz lá. Aqui temos muita água e fizemos uma represa para criarmos peixes. Temos uma horta com muitas verduras. Conseguimos mudas de cana, de mandioca e de abóbora. É nosso sustento. Não queremos riquezas e aqui sabemos do ouro tão ambicionados por vocês. Amanhã vamos decidir seus destinos. Ficarão na Oca de Pontiac. Não saiam de lá.

                 Saiu e fomos levado por Pontiac até sua morada. Custamos para dormir. Pela manhã eu já estava de pé quando uma indiazinha de uns doze anos entrou e disse que o Cacique Capotira (o tal da cabeça branca) nos chamava. Em uma roda de índios nos entregou nossas mochilas e algumas frutas. Disse que podíamos ir embora. Não pediu para ficarmos calados só disse que se contássemos a história da tribo e onde estávamos ele sabia que não iam durar muito. Deu a cada um uma pepita de ouro. – Façam o que quiserem. Pegamos nossas mochilas e partimos com ele a frente. Levou-nos até a Garganta Cajuru. Mostrou-nos muitas piteiras secas. Disse que com oito poderíamos descer o rio facilmente. Quando a corredeira aumentar saiam da água. A cachoeira esta próxima. Partimos.

                  Para dizer a verdade eu chorei. Gostei demais da tribo. Apesar de pouco tempo ficamos orgulhosos em conhecer todos. Cinco dias depois chegamos em Baixo Guandu. Eu, Romildo, Fumanchú, Taozinho, Israel e Pedrinho fizemos um juramento de não contar para ninguém. Foi uma das nossas maiores aventuras. Sempre quando acampávamos a noite em fogo de conselho ou em uma simples conversa ao pé do fogo, rememorávamos com saudades daquela aventura que ficou gravada em nossa mente para sempre. Os anos passaram e eu passei com eles. Há vinte anos atrás encontrei com Romildo. Sei que já foi para o grande acampamento. Disse-me que um dia soube pelos jornais a história da tribo dos Cabeças Brancas. O governo deu a eles as terras e nunca mais foram importunados por brancos.

                   Acampamentos, excursões, grandes aventuras. Elas ficam gravadas para sempre em nossa mente. Assim são os escoteiros. Não sabem se esconder em sede. Partem em buscas de suas aventuras. Seja ela simples, seja ela com grande perigo. Não importa. Eles sabem até podem ir. Saudades de Capotira, de Pontiac, de Iraci e daqueles amigos sinceros que fizemos. Espero que até hoje estejam felizes, pois lá em sua tribo sentiam-se libertos, e só o sol e a lua sabiam como a felicidade fazia parte de todos aqueles Cabeças Brancas. Quem sejam muito felizes. E as pepitas de ouro? Risos. Com ela papai terminou nossa casinha na Pastoril!

O amor vive de repetição. Cada um de nós tem, na existência, no mínimo uma grande aventura. O segredo da vida é reeditar essa aventura sempre que seja possível.



sábado, 4 de outubro de 2014

Jericó – Uma cidade sem lei.


Jericó – Uma cidade sem lei.

                 - Quer saber? Nem sei por que o Velho me contou aquela história. Ele não me disse se conheceu Billy e Any, e nem quem lhe contou sobre eles, mas ficamos até pela madrugada eu e ele na sua sala grande, ele sentado na sua poltrona de vime, já gasta com o tempo e como os olhos piscando começou:

                  - Jericó era uma importante cidade dos tempos bíblicos, descrita no Antigo Testamento como a “Cidade das Palmeiras” ou “Cidade das Palmas”, pela abundância desse tipo de árvore na região. Ainda hoje, conserva o apelido. A passagem bíblica mais famosa sobre o lugar é a que mostra os hebreus, recém-chegados à Terra Prometida, derrubando as imponentes muralhas da cidade ao som de trombetas e gritos, conquistando-a, liderados por Josué.

               Billy e Any não eram um casal perfeito, mas viviam felizes em Porto Feliz uma cidade no interior de Santa Catarina. Tinham uma bela casinha, um lindo filho de 8 anos, e Ralph era o encanto dos dois. Billy trabalhava na Secretaria da Fazenda. No CAGE estava lotado na Divisão de Controle de Administração Direta. Era um “pau” de toda obra, mas na função de Controlador Contábil. Não podia reclamar do seu salário, mas como todo ser vivente ambicionava mais. Any antes de se casar se formou como Assistente Social e atualmente era só uma dona de casa. Ela tinha por Ralph um amor grandioso. Ficava ao lado dele o tempo todo e só deixou de ser sua sombra quando entrou para o escotismo como lobinho. A própria Akelá explicou que ele precisava crescer. A mãe junto prejudica e sufoca o aparecimento de liderança. Ela entendeu. De vez em quando olhava as atividades e via que Ralph era um grande lobinho. Em casa não tinha outro assunto.

                Um dia Billy disse a ela que precisavam conversar – Seu Chefe o Doutor Getúlio o convidou para organizar e dirigir o novo escritório da Secretaria da Fazenda em uma cidade no interior do Mato Grosso quase divisa com o Pará. Longe à beça. Mas seu salário seria duplicado, havia possibilidade de Any trabalhar com ele também por um ótimo salário. Seria por cinco anos. Se conseguissem formar pessoal com nativos estariam liberados para voltar a Porto Feliz com as mesmas regalias. Anny gostou da ideia. Valia o sacrifício. Não venderiam a casa somente os móveis. Na volta comprariam outros. Billy vendeu seu Simca Chambord do ano e comprou uma Rural Williys seminova. Seria uma viagem de mais de três mil quilômetros. Tudo preparado se despediram dos parentes dos amigos prometendo que não seria adeus e sim um até logo.

               Apesar da mudança, da viagem e em conhecer outros lugares Ralph chorou muito ao deixar a Alcateia. Fizeram uma reunião de despedida de partir o coração. Todos lhe deram abraços e muitos presentes. Um deles foi de Tininha, uma morena de olhos verdes da sua Matilha. Entregou uma cartinha perfumada. Ralph guardou para ler na viagem. Pararam em Três Marias em um restaurante a beira do lago da represa para almoçar. Ralph abriu a cartinha de Tininha e lá estava escrito – Te amo muito. Vou te amar por toda minha vida. Qualquer adulto daria boas gargalhadas. Os pais não. Sabiam que os jovens que ainda nem despontaram para vida também tinham sonhos. Anny e Billy ficaram com os olhos cheios de lágrimas. Foram três dias de poeira, sol chuva estrada esburacada e enfim chegaram a Jericó.

              Não era uma cidade feia. Tinha uma bela praça bem arborizada, mas quase ninguém a passear ou descansar. Uma Igreja linda que disseram depois ser do ano de 1910. Devia ter uns vinte e cinco mil habitantes. Poucos na rua e o comercio quase vazio. Billy tinha o endereço onde iriam abrir o escritório e também serviria como casa nos primeiros meses. Depois se quisessem poderiam alugar outra. Não ficava longe do centro. Quase ninguém para perguntar. A maioria nas janelas abertas quando passavam elas se fechavam. Estranho isto pensaram. Há primeira semana se foi. Contrataram uma moça e um rapaz para ajudá-los. Aos poucos eles foram se abrindo e falando da cidade. Contaram coisas que assustaram Billy e Anny. Em pleno ano de 1950 bandidos dominando uma cidade? Pois é doutor. (eles o chamavam assim). Cicatriz vive nas montanhas. A cada mês desce a cidade e lá está seu Astholpo o prefeito abrindo seu armazém para eles se servirem. Um dia antes ele só deixava o combinado que seria rateado por toda a cidade. O restante dos mais de cinco mil itens ele esconde em um porão ali perto.

                 Billy e Anny não acreditaram muito. Mas se fosse verdade iriam agir na base de viver e deixar viver. Não iriam viver ali para sempre. Ralph voltou da escola animado. Soube que na cidade tinha um grupo Escoteiro. Um amigo da sua sala contou. Deu o endereço. Billy o levou lá no sábado. Tomou o maior susto. Eles marchavam para todo lado. Tinham uma banda enorme. Os que não eram da banda usavam uma espécie de fuzil de madeira. O que era aquilo? Mas Ralph queria participar. Conversou com o Chefe. Foi admitido e enviado a Alcateia que também marchava. – Porque só marcham? Perguntou. Só na sede. Uma vez por mês acampamos. Uma vez por mês fazemos jornadas. Lá tudo que pensar em técnica mateira nós fazemos. O senhor já sabe do Cicatriz. Precisamos preparar os jovens para um enfrentamento no futuro.

                 O trabalho para organizar o escritório da Secretaria da Fazenda foi cansativo. Já tinham admitido seis funcionários. Bob Masterson seria o indicado para o futuro como Chefe do escritório. Formado em Direito e o melhor, Chefe da Tropa Sênior. O mês terminou. Billy e Anny resolveram dar uma folga no fim de semana. Souberam de um lago muito bonito e porque não fazer um pic nic? Bob Masterson desaconselhou. Cicatriz deve aparecer por aqui domingo. Neste dia ninguém sai à rua. Todos ficam trancados. Conselho dado, conselho guardado. Domingo amanheceu cinzento. A cidade deserta. Nem os passarinhos cantavam nesta manhã radiosa. Meio dia. Mais de quarenta cavaleiros entraram na cidade vindo das montanhas. Cicatriz à frente. Ele era imponente. Devia ter quase um e noventa de altura. Mãos enorme. Podia torcer um pescoço de alguém com facilidade. Um fuzil a tiracolo. Sorria meio debochado. Parou em frente à igreja e sentou em um banco que ali existia.    

                  Interessante. Cicatriz era loiro. Deveria andar na casa de seus quarenta anos. Uma enorme cicatriz iniciava pela sua orelha direita e terminava na esquerda. Não diria que era horrenda, pois até dava um aspecto sobrenatural e excitante. Seu Astholpo apareceu. O levou até o armazém. Seus capangas encheram duas carroças de víveres. – Astholpo! Disse Cicatriz. Na próxima vamos precisar de dinheiro. Dez reais por habitante. Quem se recusar sobe a montanha comigo. Billy e Anny viam e ouviam tudo da janela da sua casa. Estavam hipnotizados pelo que acontecia. Fato inédito. Nunca tinham visto nada igual. Só no cinema. Sentiram uma lufada de vento e a porta se abriu. Correram até lá. Ralph saiu correndo em direção a Cicatriz. Levava seu fuzil de madeira. Billy e Anny tremeram. Correram atrás dele. Mesmo gritando para parar ele não parou. Ficou bem em frente à Cicatriz apontando aquela arma de brinquedo. – Você está preso! Disse Ralph.

                 Uma onda de pavor correu de porta em porta, de janela em janela. Todos se trancaram mais em suas casas. Billy e Anny desesperados. Pare Ralph, pare! Disseram. Cicatriz levou um susto. Sacou seu colt 45 com incrível rapidez e mirou bem na testa de Ralph. Seus dedos coçaram o gatilho. Para ele não importa se era menino ou não. Se alguém queria matá-lo ele matava primeiro. Anny desesperada gritava – Não mate meu filho! Pelo amor de Deus! Ele só tem sete anos! – Um tiro se ouviu. Um ribombar por todas as ruas da cidade. Cicatriz olhava com olhos esbugalhados. Levou sua mão direita até o peito. Sentiu um furo em seu gibão de couro. O sangue escorria em filetes pequenos. Cicatriz não acreditava. Nunca pensou em morrer assim. Morte estupida só porque ia mandar um menino para o inferno.

                 Ninguém até hoje ficou sabendo de onde partira o tiro abençoado. A bandidada ameaçou uma reação. Não se sabe como, apareceram todos os Escoteiros da cidade. Formados em linha com seus fuzis de madeira. Atrás a banda fazendo um enorme barulho. A poucos metros dos bandidos o Chefe Bob Masterson gritou – Escoteiros! – Preparar! Todos se ajoelharam. – Apontar! - Apontaram seus fuzis de brinquedos para os bandidos. Não ficou ninguém. Eles montaram em seus cavalos e partiram a galope. A cidade saiu rua. Uma algazarra tremenda. – Livres! Gritaram. Estamos livres pela primeira vez na vida. Cicatriz dava seus últimos suspiros. Olhou o povo gritando. Sentiu uma dor tremenda e viu ao seu lado um demônio enorme. Um grande chifre, dentes soltando fumaça. Ficou em paz. Agora ele sabia que estava em casa.

                O tempo passou. A felicidade voltou. Jericó cantava aleluia. Não era e nem nunca fora a cidade antiga bíblica situada na Palestina. O rio que cortava a cidade também se chamava rio Jordão. Muitos diziam que Jericó significava perfumado e a deriva da palavra Cananeia. O Bispo mandou um novo pároco para a cidade. Agora em paz. Billy e Anny começaram a amar a cidade de Jericó. Saudades só dos pais e dos amigos. Fizeram uma bela casa na Rua dos Hebreus. Anny resolveu ser escoteira. Foi bem recebida e na promessa recebeu seu fuzil de madeira. Billy ajudava na parte burocrática. O Prefeito seu Astholpo mandou fazer um belo pórtico na entrada da cidade. Em uma linda placa de acrílico escreveu – É fácil as pessoas mandarem você se calar, quando a dor é só sua, mas seja como o cego de Jericó – Grite, grite até Jesus parar tudo para te ajudar!


E em todos os lugares, em todas as missas, em todos os cultos religiosos, o povo dizia que a mão de Deus foi quem deu o tiro certeiro em Cicatriz. Bendito seja. – E cantaram aleluia para sempre. “Vem com Josué lutar em Jericó, Jericó. Vem com Josué lutar em Jericó e as muralhas ruirão. As trombetas soarão, abalando céu e chão. Cerquem os muros para mim, pois Jericó chegou ao fim”!