Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Era uma vez... Um "Velho" Chefe Escoteiro. (Fasc. 080)


Escolher o dia. Apreciá-lo ao máximo. O dia como ele vem. As pessoas como elas vêm. O passado, eu acho, me ajudou a apreciar o presente, e eu não quero estragar nada disso por idealizar um futuro.

Era uma vez... Um "Velho" Chefe Escoteiro. (Fasc. 080)

                      Eu estava ali, como fazia todas as quintas feiras, na sala grande sentado no meu banquinho de três pés e o "Velho" Escoteiro de olhos cemi cerrados na sua poltrona de vime, já gasta com o tempo parecia dormitar. Os minutos corriam as horas também e resolvi ir embora. O "Velho" nada dizia e como o conhecia de longa data achei que estava num daqueles dias onde não falava, não ria e serrava os olhos como se dissesse não querer escutar nada. Quantos anos eu o conhecia? Mais de quinze se não me engano. Fiz quinze anos de escotismo o mês passado. Entrei por causa dele. Eu o amava como se fosse meu pai. Amava também a Vovó uma mulher incomparável. Ele beirando os oitenta e seis anos e ela com seus oitenta. Levantei e falei baixinho – Fica com Deus "Velho" Escoteiro. Vou deixar você só. Boa noite! Ele sem abrir os olhos falou com voz pausada e baixa – Não vá. Não quero ficar sozinho agora!

                      Ele levantou e vi que estava sério cabisbaixo e pensativo – Sem me perguntar nada começou a falar – Será que valeu a pena? Tenho me perguntado quase todos os dias. Será que valeu a pena? Minha vida poderia ter sido outra. Quem sabe seria bem melhor? – Não estava entendendo o "Velho" Escoteiro. – Ele continuou – Você me conheceu já adulto. Ficamos amigos. Hoje é praticamente o único amigo que eu tenho. Nasci aqui neste bairro, nesta casa, e quantas e quantas pessoas um dia entraram por esta porta, sentaram nesta poltrona. Onde estão eles? – Dos que cresceram comigo no escotismo eu sei que resta dois ou três que se arriscam a me visitar. Daqueles que fiz ser alguém no Grupo Escoteiro se os quiser ver tenho que ir lá ao grupo. Lutei em todas as frentes possíveis para ver o escotismo ser reconhecido pela nossa sociedade brasileira. Dei cursos, dirigi seminários, fiz milhares de palestras por todo país.

                       - Houve uma época que nós os adestradores tínhamos força na liderança nacional. Um dirigente que ainda não participava junto com outros mudou os estatutos e o regimento e nos deixou de fora. Sei que hoje eles não se incomodam com isto. Se sentem satisfeitos com o “modus vivendi” que mantem entre si. Claro formaram uma “casta”. Quando tinha forças eu participava nos Congressos que resolveram chamar de Assembleias. Adoram mudar. Depois não deram mais ouvido a ninguém. Tento achar uma explicação para entender o que fizeram e até hoje ainda sou um pensante sem ação. Chegaram a uma conclusão tal que as mudanças foram em séries. Tudo aquilo que demorou anos para ser criado, efetivado e se tornado um hábito de comportamento foi alterado.

                        - É meu amigo. A gente vai vivendo e vendo horrorizado isto que vem acontecendo. E impotente. Uma vez um Escotista teve a audácia de me dizer que existia o lugar próprio para reclamar, sugerir e mudar o que se fizesse necessário. Falar o que para ele? Que participei dezenas de vezes, que tudo ali já tinha sido discutido e aprovado em quatro paredes, que esta conversa de ter voz e voto não tem nenhum sentido lá? E veja meu amigo. Com uma tacada acharam que deveriam mudar o programa. Acharam. Meia dúzia achou. Ninguém foi consultado. A escoteirada? Passaram longe. Tudo bem. Se queriam mudar que mudassem, mas não, atrás do bem mais precioso que todo Escotista ou Escoteiro daquela época lutaram para conseguir eles acabaram com tudo. Lá foi a primeira e segunda estrela. Lá foi a segunda e Primeira Classe. Lá foi as eficiências seniores.

                        - As bandeirantes tem uma lei federal em que diz que só ela pode ter meninas no escotismo. O maioral na época fingiu uma aproximação e numa só tacada colocou as moças na associação. Até aí não discuto. Acho que foi uma das boas coisas que aconteceram. E se não fossem elas, nosso efetivo que eles alardeiam estar crescendo estaria pela metade. Observe que elas crescem e os meninos diminuem. Não contente começaram a mudar também normas e hierarquia. Enquanto no país onde começou o escotismo ainda tem o Comissário e o Escoteiro Chefe aqui não. Mudaram para presidente e diretor. E assim foram mudando. Mudaram a flor de lis, mudaram coisas que interpretávamos como imutáveis tais como a trilha, a rota a ponte e continuam mudando. Não duvide se um dia mudarem a promessa. Já ouvi buchichos que vão substituir os deveres para com Deus. Pode isto? Claro é só buchicho.

                     - Olhei para o "Velho" Escoteiro. Vi que ele estava triste. Precisava desabafar. Esqueci a hora. Precisava ficar ali com ele. – Sabe meu amigo continuou – Dizem que quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado. Você eu sei pensa assim também – Não disse nada. Fiz um gesto com a cabeça. Bob Marley foi inteligente em dizer que um povo sem conhecimento, saliência de seu passado histórico, origem e cultura, é como uma arvore sem raízes. Ninguém mas ninguém mesmo disse alguma coisa nos últimos trinta anos. Acostumaram. Não estranham. Sei que agora existe uma revolução silenciosa se movimentando. É bem melhor que aquela que nada fazia ou dizia.

                   - O pior meu jovem amigo, é que muitos que estão a mudar não têm nenhuma experiência no assunto. Idealizaram, raciocinaram discutiram com alguns e pronto. A mudança veio. Se de uma época a BSA que é a quem dirige o escotismo americano quando decidia mudar alguma coisa sabe o que faziam? Pegavam quatro ou cinco tropas, pois lá não tem o Grupo Escoteiro como unidade e fizeram experiências por anos e anos, com profissionais escoteiros observando e depois vendo o resultado com o jovem já adulto. Aqui? Mudam a bel prazer. Amanhã é assim. Conto a dedo estes membros do CAN e do DEN e claro os formadores que podem dizer que adquiram experiência nos seus grupos de origem. Eu conheço muitos que nunca os vi em atuação e quando assim o fizeram não tiveram o sucesso que se esperava. Hoje alardeiam conhecimentos que não passam de mera retórica.


                - O "Velho" Escoteiro parou de andar. Ele agora sentado estava de cabeça baixa. – Eu já contei para você que entrei como lobinho. Fui Escoteiro e Monitor. Fui Sênior e Pioneiro. Rodei meio mundo. Os amigos que fiz no exterior aqueles ainda vivos nunca deixaram de me escrever. Não posso reclamar. Tive grandes aventuras. Você sabe. Já acampamos juntos quando resolveram fazer uma jornada sem me convidarem. Eu me convidei. E se não fosse eu teria entrando bem no caminho escolhido.  Eu vi jovens crescerem. Eu vi jovens na comunidade. Eu vi jovens que retornaram ao movimento Escoteiro e hoje se pode acreditar no escotismo que estão fazendo com suas sessões. Não adianta nada alardear conhecimentos se na prática não se fez nada daquilo.

                 - Sabe meu jovem amigo, acho que eu vou mudar. Vou me dedicar a outra coisa. Acho que vou escrever artigos que falam do Brasil, de outras nações e nunca mais de escotismo. O "Velho" Escoteiro parou de falar. Eu sabia que suas palavras eram bazófias, mas sabia também que tínhamos muitos dirigentes e formadores fanfarrões. Não eram a maioria, mas sabiam onde colocar o dedo e criar novas situações em suas jornadas e em seus cursos da vida. – O "Velho" Escoteiro fez o que quase nunca fazia. Deu-me boa noite, chamou a Vovó que também se despediu de mim e subiram abraçados a escada. Eu me considerava da família. Tinha uma chave da casa. Saí, tranquei a porta e uma chuva torrencial começou a cair. Fui correndo para minha casa a pé. Não deu tempo de pensar e analisar as palavras do "Velho" Escoteiro. Fica para outro dia. Boa noite "Velho" Escoteiro. Boa noite Vovó.