Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sábado, 6 de abril de 2013

Jaime Molina, os sonhos do Imperador – Fasc.081.


Se não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro.

Jaime Molina, os sonhos do Imperador – Fasc.081.

(Esta é uma história de ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas não é mais que uma mera coincidência. Tudo é fruto de criação da mente do autor).

                            Meu coração estava triste. Sabia que mais dia menos dia ia perder um 
grande amigo, um segundo pai. O "Velho" Escoteiro a cada dia definhava mais. É um caminho sem volta. Todos nós um dia passaremos por ele. Notava que seu corpo não ficava mais ereto. Sempre de cabeça baixa. Na sua poltrona de vime, ele pouco conversava. De vez em quando ele levantava a cabeça me olhava e dava um sorriso. É triste quando a idade avança e os poucos amigos que ainda insistiam em visitá-lo rareavam. Neste domingo o "Velho" não almoçou conosco. Sentiu muita fraqueza e Vovó fez um lanche para ele comer na sala. Nem bem terminei e corri para lá. Mesmo que ele ficasse calado eu gostava de ficar junto dele. Até seus discos ele não ouvia mais. Sentei ali em frente a ele no meu banquinho de três pés, rotina de mais de dez anos que passei ali com ele na Sala Grande.

                          - Sabe meu amigo – Ele disse baixinho. – O Imperador do futuro será um imperador de ideias. Sabe quem disse isto? Wiston Churchill. Aquele que o povo inglês venera até hoje. – Quase não o ouvia. Arrastei meu banquinho para perto dele. Não sei por que me lembrei disto. Acho que foi por causa de Jaime Molina. Alguns diziam que ele fora Megalomaníaco. Afirmavam que tinha mania de grandeza, de poder, uma obsessão enorme de realizar atos grandiosos no movimento escoteiro. Pelo menos o defendo num ponto, nunca disse abertamente que ele era o melhor em tudo. Que ninguém nunca fará melhor que ele. Eu prefiro ficar com Napoleão. Ele dizia que a maioria dos homens só sabe ousar pela metade. Governamos melhor os homens pelos seus vícios que pelas suas virtudes. Completava dizendo – Dar convenientemente é honra, dar muito é corromper.

                         O "Velho" Escoteiro parou para respirar melhor. Aquele palrador do passado já não era o mesmo. – Um ar, uma tossida e lá vinha ele de novo – Jaime Molina quando passou para tropa ninguém ainda sabia de suas qualidades. Ela foi aparecendo aos poucos. Dizem os filósofos discordantes que o Líder se faz outros dizem que ele nasceu assim. Mas Jaime Molina assumiu uma liderança perigosa. Na tropa e no grupo ninguém notou. Mas soube tirar proveito de suas qualidades e afastar da sua frente todos aqueles que podiam ser Monitores. O próprio Monitor foi defenestrado por ele. Não, juro que ele não era um príncipe seguidor de Maquiavel. Nada como fazei o mal, mas fingir fazer o bem. E olhe ele nunca usou a força para com o próximo era de uma bondade infinita. Em um ano era o Monitor. O Chefe o respeitava. Tornou-se um líder na tropa. Poucos comentavam sua sede de poder.     

                          Ao quatorze anos liderava com palavras todos os jovens do distrito. Tinha ideia que agradavam. Todos ficavam de olhos fixos nele quando falava. Um dia em uma reunião de Monitores do distrito ele fez uma coisa tão simples, mas tão simples que ninguém tirou os olhos dele e nunca mais o esqueceram. Simplesmente fez uma nova costura de arremate com os cadarços de seu coturno. Sim ele usava os do exército. – Disse com um sorriso nos lábios: Este agora será batizado de arremate Escoteiro. Os escoteiros do mundo inteiro irão fazer. Não vamos dizer que ele era uma bela figura. Não era. Até baixo pela sua idade. Um nariz grosso que ele detestava. Seus cabelos eram crespos o que o obrigava a cortar baixo. Mas que voz! Como falava bonito! Seus gestos eram maravilhosos.

                          Era um devorador de livros. Principalmente os escoteiros. Tinha todos em sua biblioteca em sua casa. Seus pais podiam ser considerados classe média, nem tão ricos claro, mas ele tinha tudo que queria desde que suas notas escolares continuassem altas. Manteve em seu ego, o nome dos grandes chefes escoteiros do passado. Conseguiu no Google a foto de quase todos eles. Ele os olhava e dizia para si próprio. – Serei mais lembrado que todos vocês. Ficarei na história Escoteira. Quem sabe irei reinventar o escotismo? Baden Powell que me desculpe. Mas serei aclamado como o novo Escoteiro Chefe Mundial. – Só dormia pensando em seus sonhos. Os anos passaram. Com dezessete ele assumiu a diretoria do grupo. Claro a idade não permitia, mas quem iria dizer não para ele? Até o distrital o respeitava. Na UEB era considerado o jovem escoteiro mais promissor do Brasil. Não tinha uma solenidade que ele não estive presente e uma vez chegou a falar com o Presidente da República em nome da União dos Escoteiros do Brasil.

                        Aos dezenove anos foi eleito Comissário Distrital. Seu distrito era considerado o melhor do Brasil. Modéstia seja feita. Ele era bem quisto em toda a comunidade. Vereadores faziam fila para falar com ele. Épocas de eleições o carregavam nos ombros. No fundo ele era um autêntico líder Escoteiro. Poderia ter sido um vereador, prefeito, deputado ou senador e quem sabe um presidente. Ele ria quando lia sobre o novo presidente do Brasil. Ria do seu marketing, de se mostrar jovem, corredor, remador, poliglota e até piloto de jato, mas ele errou muito. Esqueceu-se da honra e da ética e colocaram-no para fora. Isto não iria acontecer com ele. Não, Jaime Molina era diferente. Seu sonho era outro. Seria o Escoteiro Chefe do Brasil. Queria ser lembrado por gerações e gerações.

                       Para Presidente Regional foi um pulo. Eleito por unanimidade. Na primeira vez que participou de uma Assembleia Nacional conquistou amigos, falou, rodopiou, aceitou ideias bobas e idiotas que os dirigentes falavam e pensava – Perdoe seus inimigos, mas nunca esqueça seus nomes. Ele sabia que ali os dirigentes eram todos seus inimigos. Sabia agradar, abraçar, dar um aperto de mão, pois um breve contato pessoal pode deixar uma impressão duradoura para sempre. Seu plano era simples. Primeiro ser eleito para a Assembleia Nacional e depois para o Conselho de Administração Nacional. Ali ele sabia que teria de enfrentar mais treze Escotistas experimentados, mas ele sabia que nenhum seria páreo para ele. Sabia como iria fazer. Estar junto é um começo. Continuara juntos um progresso. Trabalharmos juntos sob a minha direção seria a chave do sucesso.

                        Em quatro anos chegou lá. O mais novo do CAN. Apenas vinte e três anos. Os novos eleitos aquele ano e os que continuavam não gostavam dele. Não vamos dizer que ali estava a nata do escotismo nacional, mas eram pessoas com altos conhecimentos e vivência Escoteira. Porque um menino deste chega aqui e fica a ditar ordens?  - O "Velho" escoteiro deu um pigarro. Fechou os olhos. Ficou calado por minutos. Eu estava pregado na história dele. Como tantas que ele tinha para contar esta era mais uma que me impressionava. Ainda bem que a Vovó chegou com o carrinho de chá. Chá para o "Velho" Escoteiro para mim um delicioso café feito em coador de pano. Delicioso. Claro acompanhado de pães torrados na manteiga, roscas lindas e gostosas, sem faltar os apetitosos pãezinhos de queijo e biscoitos de polvilho. Empanturrei-me. Mas não me despreguei dali. Queria saber toda a história de Jaime Molina. Nunca tinha ouvido falar dele, mas se o "Velho" Escoteiro contava sua história é por que o homem existia realmente.


                         Não era tarde, menos de onze da noite. O "Velho" escoteiro respirava devagar. Olhos fechados. – Acho que vai dormir e o melhor é esperar o final da história amanhã. – Posso continuar? Ele disse. Sorri. "Velho" Escoteiro este Jaime Molina me assombrou. Dormir sem saber o final da história iria me dar insônia. - Jaime Molina nunca falou dos seus planos para ninguém. Ele tinha tudo programado em seu computador. Seria o novo Escoteiro Chefe Mundial. Baden Powell e outros chefes famosos brasileiros seriam histórias da carochinha perto dele. Em um ano já era o Presidente do CAN. Começou a mudar. Nova lei Escoteira, nova promessa. Convenceu a todos os companheiros da equipe. Poucos do escotismo discordaram. Ele sabia como funcionava. Nada de consultas, nada de perguntar. Põem-se em discussão, todos aprovam e era só informar a escoteirada.

                           Ele não esquecia seu marketing pessoal. Viajava para todas as regiões. Nos aviões e ônibus só de uniforme Escoteiro. Criou um novo. Era seu “dodói”. Agora com um novo tipo de chapéu. Parecido com o texano, mas com uma pitada dos vaqueiros do nordeste. Todos tinham orgulho do uniforme. Ele sabia como fazer,
andar, se mostrar orgulhoso por fora, mas amado por dentro. Nos seus lábios para qualquer um sempre saia à palavra mágica: Obrigado. Você é muito importante para nós. O cérebro gosta de razões para decidir. Ele era sempre generoso para com todos. Ninguém esquecia seu nome. E ele uma maquina de lembrança. Sabia quase o nome de todos que um dia encontrou. Uma vez em um acampamento Escoteiro nacional eles o carregaram nos ombros. Manny Souto não gostava daquilo. Manny Souto era do CAN. O que Jaime Molina estava fazendo era um absurdo. Todos estavam cegos. Ninguém parecia ver onde ele queria ir. Ninguém mais falava em Baden Powell. Os velhos escoteiros do passado foram apagados da memória. Os novos livros escoteiros só falavam em Jaime Molina.

                                 Ele planejava seus passos com carinho. Sabia onde pisar. Sabia o que pensava Manny Souto. Planejou para ele não ser reeleito. Afinal conseguiu aprovar uma nova composição da organização Escoteira no Brasil. Não mudou muito. No artigo 12 – dos órgãos nacionais ele colocou seu nome em primeiro lugar. Escoteiro Chefe.  Nos demais itens embaixo lá estavam – De acordo com a aprovação do Escoteiro Chefe. Exceto Manny Souto ninguém discordou. Mas convenhamos, Jaime Molina conquistou a amizade de poderosos. Muitos deputados e senadores queriam ser seus amigos. Almoçou diversas vezes com a Presidente no Palácio da Alvorada. Pisou diversas vezes no Palácio do Planalto. Queira ou não queira o escotismo tomava nova forma. O novo programa era considerado o melhor de todos. Criou distintivos novos, mudou tudo. Nomenclaturas aboliu o Chefe e criou o Líder júnior, Líder Sênior e Líder Geral. Aplaudiram de pé a mudança.   Para muitos jovens Baden Powell já era. Agora para eles só existia o Escoteiro Chefe Jaime Molina. Manny Souto não foi eleito. Tentou com seus amigos mostrar quem era Jaime Molina. Fizeram uma oposição democrática, mas desapareceram depois do processo que a UEB fez contra eles.

                                  Jaime Molina nunca estudou direito, mas programava os processos dos “inimigos” com precisão. No final eles agradeciam por não pagar o que a lei determinou. A lei! Ora a lei! Um dia eu perguntei a um Chefe se ele já tinha ouvido falar no "Velho" Lobo, o Almirante Benjamim Sodré. Ele pensou, pensou e falou – Quem foi ele? Jogador de futebol? Ah! Escotismo. Quem te viu e quem te vê. Mas tira-se o chapéu para Jaime Molina. Os que no passado alardeavam que nosso crescimento em um ano aumentou em dez por cento enfiaram a viola no saco. Jaime Molina em três anos passou dos trezentos mil. – "Velho" Escoteiro isto é verdade? – Como nunca ouvi falar? O "Velho" Escoteiro sorria matreiramente. – Posso terminar? Eu também estou com sono!

                                   Jaime Molina em uma reunião do CAN sentiu fortes dores no peito. Não disse nada para ninguém. Sua imagem de jovem forte, veloz, autêntico líder nacional e de uma coragem sem par não poderia ser abalada. Foi ao médico.  Diagnóstico? Ele tinha uma Angina. O musculo do coração estava recebendo sangue de forma insuficiente. Ira gerar uma falta de oxigênio para as células do músculo do coração. Isto provoca dores intensas. Seu caso era grave, muitas células do músculo estavam morrendo. Poderia ter um enfarte a qualquer minuto. Você só tem uma saída. Um implante de coração! Jaime Molina sentiu uma dor tremenda. Não no coração e sim no cérebro. Dor nos seus sonhos. Faltava pouco para ele alçar novos voos oceânicos e agora isto. Sabia que não seria o mesmo se fosse transplantado. Preferia morrer. Agradeceu o médico e saiu.

                                  Pensou em contar para Jasmim sua noiva. Melhor não. Ela ia aprontar um berreiro. Planejou sua morte. Teria que ser bombástica! Deveria ficar na memória de todos os escoteiros para sempre. Queria ser lembrado. Afinal ele sonhava em ser um Imperador Escoteiro. Sabia que para o outro lado não levaria nada só as suas boas obras e ele se orgulhava do que fez. Teria um legado de boas ações assim ele pensava. - Isto mesmo, um Jamboree Mundial. Iria conseguir apoio. Verbas estaduais e federais. Iria convencer deputados, senadores e a Presidente a estarem presentes. Tentaria atrair o Presidente Americano, afinal ele não fora Escoteiro quando jovem? Iria trazer o Escoteiro Chefe inglês, iria mostrar que ele Jaime Molina era superior a ele. Pensou até em trazer o Príncipe Charles. Não seria difícil. Planejou ter mais de quinhentos mil escoteiros neste Jamboree. Quem sabe um milhão?

                                     - O "Velho" Escoteiro se calou. Fiquei esperando o final da história. – E então "Velho" Escoteiro, conte o final, o que aconteceu a Jaime Molina? – Ele riu a gosto. Não sei. Ainda estou pensando se deixo a angina acabar com ele, pois este megalomaníaco é um perigo para o escotismo e olhe que temos muitos deles por aí. Ou então quem sabe dou vida longa ao futuro Líder Escoteiro Chefe Mundial! – Mas "Velho" escoteiro, então ele não existiu? – Claro que não. Baden Powell pode ser criticado, pode-se dizer o que quiserem dele, mas o seu escotismo nunca será substituído. Eu pensei nesta história devido às novas eleições que houveram este ano. São tantas as promessas que entre os eleitos pode ter um Jaime Molina não acha? O "Velho" Escoteiro levantou e subiu as escadas para seu quarto. Lá do alto parou me olhou e disse: - Durma bem. Um dia deste me vou. Você é responsável para não deixar que um homem destes um dia apareça!

                                        Saí devagarinho. Fechei a porta da sala grande. Tinha a chave. Era como se fosse da família. Não vi a Vovó. Devia estar dormindo. Na rua um vento frio me pegou de pronto. Sem paletó e manga de camisa fui para casa em passo escoteiro. Quatro quarteirões. Por muito tempo fiquei com aquela história na mente. O "Velho" Escoteiro me contou tantas e esta marcou. Um perigo aparecer em nosso meio um falastrão, boa pinta, mas seria muito difícil separar o joio do trigo. Dizem por aí que o Escoteiro é puro nos seus pensamentos palavras e ações, mas bah! Vai-se acreditar em tudo?
        
Vaidosos que gabam-se de si mesmos e de sua pretensa superioridade (acreditando que são imortais) são derrubados na sua própria arrogância, vencidos pela humildade do interlocutor.

Sergio Fajardo