Se não fosse imperador, desejaria ser
professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as
inteligências jovens e preparar os homens do futuro.
Jaime Molina, os sonhos do Imperador – Fasc.081.
(Esta é
uma história de ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas não é
mais que uma mera coincidência. Tudo é fruto de criação da mente do autor).
Meu coração estava triste. Sabia
que mais dia menos dia ia perder um
grande amigo, um segundo pai. O
"Velho" Escoteiro a cada dia definhava mais. É um caminho sem volta.
Todos nós um dia passaremos por ele. Notava que seu corpo não ficava mais
ereto. Sempre de cabeça baixa. Na sua poltrona de vime, ele pouco conversava.
De vez em quando ele levantava a cabeça me olhava e dava um sorriso. É triste
quando a idade avança e os poucos amigos que ainda insistiam em visitá-lo
rareavam. Neste domingo o "Velho" não almoçou conosco. Sentiu muita
fraqueza e Vovó fez um lanche para ele comer na sala. Nem bem terminei e corri
para lá. Mesmo que ele ficasse calado eu gostava de ficar junto dele. Até seus
discos ele não ouvia mais. Sentei ali em frente a ele no meu banquinho de três
pés, rotina de mais de dez anos que passei ali com ele na Sala Grande.
- Sabe meu amigo – Ele disse baixinho. – O Imperador do futuro será um
imperador de ideias. Sabe quem disse isto? Wiston Churchill. Aquele que o povo
inglês venera até hoje. – Quase não o ouvia. Arrastei meu banquinho para perto
dele. Não sei por que me lembrei disto. Acho que foi por causa de Jaime Molina.
Alguns diziam que ele fora Megalomaníaco. Afirmavam que tinha mania de
grandeza, de poder, uma obsessão enorme de realizar atos grandiosos no
movimento escoteiro. Pelo menos o defendo num ponto, nunca disse abertamente
que ele era o melhor em tudo. Que ninguém nunca fará melhor que ele. Eu prefiro
ficar com Napoleão. Ele dizia que a maioria dos homens só sabe ousar pela
metade. Governamos melhor os homens pelos seus vícios que pelas suas virtudes.
Completava dizendo – Dar convenientemente é honra, dar muito é corromper.
O
"Velho" Escoteiro parou para respirar melhor. Aquele palrador do
passado já não era o mesmo. – Um ar, uma tossida e lá vinha ele de novo – Jaime
Molina quando passou para tropa ninguém ainda sabia de suas qualidades. Ela foi
aparecendo aos poucos. Dizem os filósofos discordantes que o Líder se faz
outros dizem que ele nasceu assim. Mas Jaime Molina assumiu uma liderança
perigosa. Na tropa e no grupo ninguém notou. Mas soube tirar proveito de suas
qualidades e afastar da sua frente todos aqueles que podiam ser Monitores. O
próprio Monitor foi defenestrado por ele. Não, juro que ele não era um príncipe
seguidor de Maquiavel. Nada como fazei o mal, mas fingir fazer o bem. E olhe
ele nunca usou a força para com o próximo era de uma bondade infinita. Em um
ano era o Monitor. O Chefe o respeitava. Tornou-se um líder na tropa. Poucos
comentavam sua sede de poder.
Ao
quatorze anos liderava com palavras todos os jovens do distrito. Tinha ideia
que agradavam. Todos ficavam de olhos fixos nele quando falava. Um dia em uma
reunião de Monitores do distrito ele fez uma coisa tão simples, mas tão simples
que ninguém tirou os olhos dele e nunca mais o esqueceram. Simplesmente fez uma
nova costura de arremate com os cadarços de seu coturno. Sim ele usava os do exército.
– Disse com um sorriso nos lábios: Este agora será batizado de arremate
Escoteiro. Os escoteiros do mundo inteiro irão fazer. Não vamos dizer que ele
era uma bela figura. Não era. Até baixo pela sua idade. Um nariz grosso que ele
detestava. Seus cabelos eram crespos o que o obrigava a cortar baixo. Mas que
voz! Como falava bonito! Seus gestos eram maravilhosos.
Era um devorador de livros. Principalmente os escoteiros. Tinha todos em
sua biblioteca em sua casa. Seus pais podiam ser considerados classe média, nem
tão ricos claro, mas ele tinha tudo que queria desde que suas notas escolares
continuassem altas. Manteve em seu ego, o nome dos grandes chefes escoteiros do
passado. Conseguiu no Google a foto de quase todos eles. Ele os olhava e dizia
para si próprio. – Serei mais lembrado que todos vocês. Ficarei na história
Escoteira. Quem sabe irei reinventar o escotismo? Baden Powell que me desculpe.
Mas serei aclamado como o novo Escoteiro Chefe Mundial. – Só dormia pensando em
seus sonhos. Os anos passaram. Com dezessete ele assumiu a diretoria do grupo.
Claro a idade não permitia, mas quem iria dizer não para ele? Até o distrital o
respeitava. Na UEB era considerado o jovem escoteiro mais promissor do Brasil.
Não tinha uma solenidade que ele não estive presente e uma vez chegou a falar
com o Presidente da República em nome da União dos Escoteiros do Brasil.
Aos dezenove anos foi eleito Comissário Distrital. Seu distrito era
considerado o melhor do Brasil. Modéstia seja feita. Ele era bem quisto em toda
a comunidade. Vereadores faziam fila para falar com ele. Épocas de eleições o
carregavam nos ombros. No fundo ele era um autêntico líder Escoteiro. Poderia
ter sido um vereador, prefeito, deputado ou senador e quem sabe um presidente.
Ele ria quando lia sobre o novo presidente do Brasil. Ria do seu marketing, de
se mostrar jovem, corredor, remador, poliglota e até piloto de jato, mas ele
errou muito. Esqueceu-se da honra e da ética e colocaram-no para fora. Isto não
iria acontecer com ele. Não, Jaime Molina era diferente. Seu sonho era outro.
Seria o Escoteiro Chefe do Brasil. Queria ser lembrado por gerações e gerações.
Para
Presidente Regional foi um pulo. Eleito por unanimidade. Na primeira vez que
participou de uma Assembleia Nacional conquistou amigos, falou, rodopiou,
aceitou ideias bobas e idiotas que os dirigentes falavam e pensava – Perdoe
seus inimigos, mas nunca esqueça seus nomes. Ele sabia que ali os dirigentes
eram todos seus inimigos. Sabia agradar, abraçar, dar um aperto de mão, pois um
breve contato pessoal pode deixar uma impressão duradoura para sempre. Seu
plano era simples. Primeiro ser eleito para a Assembleia Nacional e depois para
o Conselho de Administração Nacional. Ali ele sabia que teria de enfrentar mais
treze Escotistas experimentados, mas ele sabia que nenhum seria páreo para ele.
Sabia como iria fazer. Estar junto é um começo. Continuara juntos um progresso.
Trabalharmos juntos sob a minha direção seria a chave do sucesso.
Em
quatro anos chegou lá. O mais novo do CAN. Apenas vinte e três anos. Os novos
eleitos aquele ano e os que continuavam não gostavam dele. Não vamos dizer que
ali estava a nata do escotismo nacional, mas eram pessoas com altos
conhecimentos e vivência Escoteira. Porque um menino deste chega aqui e fica a
ditar ordens? - O "Velho"
escoteiro deu um pigarro. Fechou os olhos. Ficou calado por minutos. Eu estava
pregado na história dele. Como tantas que ele tinha para contar esta era mais
uma que me impressionava. Ainda bem que a Vovó chegou com o carrinho de chá.
Chá para o "Velho" Escoteiro para mim um delicioso café feito em
coador de pano. Delicioso. Claro acompanhado de pães torrados na manteiga,
roscas lindas e gostosas, sem faltar os apetitosos pãezinhos de queijo e
biscoitos de polvilho. Empanturrei-me. Mas não me despreguei dali. Queria saber
toda a história de Jaime Molina. Nunca tinha ouvido falar dele, mas se o
"Velho" Escoteiro contava sua história é por que o homem existia
realmente.
Não era tarde, menos de onze da noite. O "Velho" escoteiro
respirava devagar. Olhos fechados. – Acho que vai dormir e o melhor é esperar o
final da história amanhã. – Posso continuar? Ele disse. Sorri. "Velho"
Escoteiro este Jaime Molina me assombrou. Dormir sem saber o final da história
iria me dar insônia. - Jaime Molina nunca falou dos seus planos para ninguém.
Ele tinha tudo programado em seu computador. Seria o novo Escoteiro Chefe
Mundial. Baden Powell e outros chefes famosos brasileiros seriam histórias da
carochinha perto dele. Em um ano já era o Presidente do CAN. Começou a mudar.
Nova lei Escoteira, nova promessa. Convenceu a todos os companheiros da equipe.
Poucos do escotismo discordaram. Ele sabia como funcionava. Nada de consultas,
nada de perguntar. Põem-se em discussão, todos aprovam e era só informar a
escoteirada.
Ele não esquecia seu marketing pessoal. Viajava para todas as regiões.
Nos aviões e ônibus só de uniforme Escoteiro. Criou um novo. Era seu “dodói”.
Agora com um novo tipo de chapéu. Parecido com o texano, mas com uma pitada dos
vaqueiros do nordeste. Todos tinham orgulho do uniforme. Ele sabia como fazer,
andar, se mostrar orgulhoso por fora, mas amado por dentro. Nos seus lábios
para qualquer um sempre saia à palavra mágica: Obrigado. Você é muito importante
para nós. O cérebro gosta de razões para decidir. Ele era sempre generoso para
com todos. Ninguém esquecia seu nome. E ele uma maquina de lembrança. Sabia
quase o nome de todos que um dia encontrou. Uma vez em um acampamento Escoteiro
nacional eles o carregaram nos ombros. Manny Souto não gostava daquilo. Manny
Souto era do CAN. O que Jaime Molina estava fazendo era um absurdo. Todos
estavam cegos. Ninguém parecia ver onde ele queria ir. Ninguém mais falava em
Baden Powell. Os velhos escoteiros do passado foram apagados da memória. Os
novos livros escoteiros só falavam em Jaime Molina.
Ele planejava seus passos com carinho. Sabia onde pisar. Sabia o que
pensava Manny Souto. Planejou para ele não ser reeleito. Afinal conseguiu
aprovar uma nova composição da organização Escoteira no Brasil. Não mudou
muito. No artigo 12 – dos órgãos nacionais ele colocou seu nome em primeiro
lugar. Escoteiro Chefe. Nos demais itens
embaixo lá estavam – De acordo com a aprovação do Escoteiro Chefe. Exceto Manny
Souto ninguém discordou. Mas convenhamos, Jaime Molina conquistou a amizade de
poderosos. Muitos deputados e senadores queriam ser seus amigos. Almoçou
diversas vezes com a Presidente no Palácio da Alvorada. Pisou diversas vezes no
Palácio do Planalto. Queira ou não queira o escotismo tomava nova forma. O novo
programa era considerado o melhor de todos. Criou distintivos novos, mudou
tudo. Nomenclaturas aboliu o Chefe e criou o Líder júnior, Líder Sênior e Líder
Geral. Aplaudiram de pé a mudança. Para muitos jovens Baden Powell já era. Agora
para eles só existia o Escoteiro Chefe Jaime Molina. Manny Souto não foi
eleito. Tentou com seus amigos mostrar quem era Jaime Molina. Fizeram uma
oposição democrática, mas desapareceram depois do processo que a UEB fez contra
eles.
Jaime Molina nunca estudou direito, mas programava os processos dos
“inimigos” com precisão. No final eles agradeciam por não pagar o que a lei
determinou. A lei! Ora a lei! Um dia eu perguntei a um Chefe se ele já tinha ouvido
falar no "Velho" Lobo, o Almirante Benjamim Sodré. Ele pensou, pensou
e falou – Quem foi ele? Jogador de futebol? Ah! Escotismo. Quem te viu e quem
te vê. Mas tira-se o chapéu para Jaime Molina. Os que no passado alardeavam que
nosso crescimento em um ano aumentou em dez por cento enfiaram a viola no saco.
Jaime Molina em três anos passou dos trezentos mil. – "Velho"
Escoteiro isto é verdade? – Como nunca ouvi falar? O "Velho"
Escoteiro sorria matreiramente. – Posso terminar? Eu também estou com sono!
Jaime Molina em uma reunião do
CAN sentiu fortes dores no peito. Não disse nada para ninguém. Sua imagem de
jovem forte, veloz, autêntico líder nacional e de uma coragem sem par não
poderia ser abalada. Foi ao médico. Diagnóstico?
Ele tinha uma Angina. O musculo do coração estava recebendo sangue de forma
insuficiente. Ira gerar uma falta de oxigênio para as células do músculo do
coração. Isto provoca dores intensas. Seu caso era grave, muitas células do
músculo estavam morrendo. Poderia ter um enfarte a qualquer minuto. Você só tem
uma saída. Um implante de coração! Jaime Molina sentiu uma dor tremenda. Não no
coração e sim no cérebro. Dor nos seus sonhos. Faltava pouco para ele alçar
novos voos oceânicos e agora isto. Sabia que não seria o mesmo se fosse
transplantado. Preferia morrer. Agradeceu o médico e saiu.
Pensou em contar para Jasmim sua noiva. Melhor não. Ela ia aprontar um
berreiro. Planejou sua morte. Teria que ser bombástica! Deveria ficar na memória
de todos os escoteiros para sempre. Queria ser lembrado. Afinal ele sonhava em
ser um Imperador Escoteiro. Sabia que para o outro lado não levaria nada só as
suas boas obras e ele se orgulhava do que fez. Teria um legado de boas ações
assim ele pensava. - Isto mesmo, um Jamboree Mundial. Iria conseguir apoio.
Verbas estaduais e federais. Iria convencer deputados, senadores e a Presidente
a estarem presentes. Tentaria atrair o Presidente Americano, afinal ele não
fora Escoteiro quando jovem? Iria trazer o Escoteiro Chefe inglês, iria mostrar
que ele Jaime Molina era superior a ele. Pensou até em trazer o Príncipe
Charles. Não seria difícil. Planejou ter mais de quinhentos mil escoteiros
neste Jamboree. Quem sabe um milhão?
- O
"Velho" Escoteiro se calou. Fiquei esperando o final da história. – E
então "Velho" Escoteiro, conte o final, o que aconteceu a Jaime
Molina? – Ele riu a gosto. Não sei. Ainda estou pensando se deixo a angina
acabar com ele, pois este megalomaníaco é um perigo para o escotismo e olhe que
temos muitos deles por aí. Ou então quem sabe dou vida longa ao futuro Líder
Escoteiro Chefe Mundial! – Mas "Velho" escoteiro, então ele não
existiu? – Claro que não. Baden Powell pode ser criticado, pode-se dizer o que
quiserem dele, mas o seu escotismo nunca será substituído. Eu pensei nesta
história devido às novas eleições que houveram este ano. São tantas as
promessas que entre os eleitos pode ter um Jaime Molina não acha? O
"Velho" Escoteiro levantou e subiu as escadas para seu quarto. Lá do
alto parou me olhou e disse: - Durma bem. Um dia deste me vou. Você é
responsável para não deixar que um homem destes um dia apareça!
Saí
devagarinho. Fechei a porta da sala grande. Tinha a chave. Era como se fosse da
família. Não vi a Vovó. Devia estar dormindo. Na rua um vento frio me pegou de
pronto. Sem paletó e manga de camisa fui para casa em passo escoteiro. Quatro
quarteirões. Por muito tempo fiquei com aquela história na mente. O
"Velho" Escoteiro me contou tantas e esta marcou. Um perigo aparecer
em nosso meio um falastrão, boa pinta, mas seria muito difícil separar o joio
do trigo. Dizem por aí que o Escoteiro é puro nos seus pensamentos palavras e
ações, mas bah! Vai-se acreditar em tudo?
Vaidosos que gabam-se de si mesmos e de
sua pretensa superioridade (acreditando que são imortais) são derrubados na sua
própria arrogância, vencidos pela humildade do interlocutor.