Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

quarta-feira, 12 de março de 2014

As memórias do Chefe Bill Wagryth Meu amor mora nas estrelas.


As memórias do Chefe Bill Wagryth
Meu amor mora nas estrelas.

Lá onde mora o amor
não há dor, não há tristeza,
lá tem cor, lá tem riqueza,
lá tem bem, lá tem nobreza.
Lá onde mora a amizade
não há rancor, nem falsidade,
lá tem respeito, lá tem verdade,
lá tem afeto, lá tem cumplicidade.

Saulo Fernandes

                  O dia ainda estava claro. A primavera, dizem os poetas trás o perfume das flores, os pássaros cantam nas arvores mais afinados, as matas os bosques, às campinas ficam mais verdes e os rios correm para o mar sorrindo. Eu sempre gostei da primavera. E quando a brisa daquela tarde gostosa e sonolenta soprava em nossa face era como se estivemos vivendo uma tarde em um acampamento qualquer. Eu e o "Velho" Escoteiro estávamos sentados na varanda de sua casa, e de lá podíamos avistar o morro das Bermudas, que graças a Deus foi mantido como uma reserva florestal e não sucateada por alguma imobiliária. Eu almocei na casa do Velho Escoteiro e sabia que igual à Vovó na cozinha pode ter muitas, mas superior não.

                     O "Velho" como sempre nestas tardes, como a chamar a atenção dos jovens que brincavam seus folguedos na calçada em frente, colocou o seu velho LP do Trio Irakitan a repicar gostosamente várias canções escoteiras na sua vitrola já gasta com o tempo. Ficamos assim sem conversar, mas vi que o "Velho" Escoteiro queria me contar alguma de suas histórias ou então das suas eternas discordâncias com nossos dirigentes, uma luta de anos e anos. – Olhe, começou – Acho que nunca comentei com você. Existem tantas coisas que aconteceram em minha vida Escoteira que precisávamos ficar juntos uma eternidade para lhe contar tudo. Acordei esta madrugada lembrando-me do meu querido amigo o Chefe Bill Wagryth. Já falei dele com você? Não? Bem vamos lá. Bill Wagryth entrou como Escoteiro na Patrulha Puma. Eu estava na Touro. Mesmo assim como morávamos na mesma rua sempre íamos e voltávamos do grupo juntos. Nasceu daí uma bela amizade.

                    Fomos juntos para os seniores, e nos pioneiros ele ficou pouco tempo. Como tinha feito um concurso para a Aeronáutica, durante quatro anos ficou na Academia da Força Aérea, em Pirassununga. Víamo-nos nas férias, e até fizemos um acampamento juntos a convite de escoteiros da Costa Rica, no Sopé da Cordilheira Central, em Guanacaste e Tilarán. Foi um acampamento que marcou muito. Quando se formou como Aspirante foi logo promovido a Segundo Tenente. Quase não tinha folga, mas sempre sobrava um tempinho para tomarmos uns chopes, uma ou três noites de campo ou a explorar alguma das mais belas grutas de Minas, e até mesmo participar do Sétimo Jamboree Mundial em Bad Ischl, na Áustria. Nossa amizade permaneceu firme e logo ele foi promovido a Tenente. Foi nesta época que ele foi designado para servir na capital e transferido para o gerenciamento do Tráfego Aéreo do aeroporto Catorze Bis na capital, o que lhe tomava muito tempo.

                  Um dia ele me convidou para conhecer seu trabalho e achei fora de série. A cada minuto alguém suava com algum problema. Alí todos trabalhavam com o estresse a flor da pele. Não era nada fácil. A vida de centenas de aeronaves estavam nas mãos deles. Ele me convidou para um cafezinho no bar do aeroporto e lá fomos nós. Foi então que me contou sua história. Incrível história. Se eu não soubesse que era um Escoteiro dos bons diria que ou estava estressado demais ou um tremendo mentiroso. – assim começou sua narrativa - Foi em um dia de semana qualquer. Aeronaves descendo e subindo. Na minha linha ouvi uma voz feminina com um sotaque russo. Pedia para desobstruir toda a pista número quatro. Eles iam descer em quatro minutos. Pedi para se identificarem. Não responderam. No radar vi que era uma nave gigantesca.

                    Não tive saída. A pista foi interditada para eles. Não vi direito a nave. Ela aparecia brilhante quando alguma nuvem no céu cobria o aeroporto. Mesmo assim com dificuldade. A maior parte do tempo estava invisível. Parecia ser um enorme charuto. Imenso. Mais de quarenta metros de altura e mais de cento e quarenta metros de comprimento. – Eu prestava a maior atenção ao "Velho" Escoteiro. Uma história que parece ele tinha tirado do fundo do baú. Eu gostava destas historias, se eu acreditava eram outros quinhentos. – Ele continuou – Meu amigo Bill engasgado, disse que ouviu a voz feminina de antes – Precisamos nos falar. Preciso explicar. Pode ser em algum lugar reservado? Disse que seria na sala do Brigadeiro Duarte. Ele ainda não sabia do que estava acontecendo. Fui até lá. Expliquei. – Está doido? Por Deus brigadeiro é a mais pura verdade, aqui não é lugar para este tipo de brincadeira.

                     A voz parecia flutuar e disse – Estou me materializando na sala. Não façam nada. Nem um gesto. Ela apareceu ao vivo e a cores. Uma linda mulher, cabelos loiros de olhos verdes esmeralda com um uniforme estranho. Olhou-me e na sua voz fanhosa explicou. – Sei que vai ser difícil acreditarem, mas somos de um planeta distante, que pelas suas medidas fica a mais de cem milhões de anos luz da terra. Nosso planeta irá se desintegrar em alguns anos. Nossos cientistas descobriram um parecido com o nosso na Constelação de Centauro, que vocês chamam de Alpha Centauro por ser a estrela mais brilhante no céu em determinados meses do ano.  Estamos alguns séculos avançados em relação ao seu planeta. Somos orientados a não interferir no crescimento de vocês e de outros povos que habitam não só a sua galáxia como a de milhões que conseguimos descobrir. Nossa nave estelar pode viajar grandes distâncias entre sistemas solares. A velocidade da luz para nós não tem segredos. Podemos viajar mais de vinte vezes a velocidade da luz.

                     - Continuou o Chefe Bill. – Meu nome aqui para vocês será Sheyla. Minha aparecia normal não é esta. Mas precisava adaptar uma nova vestimenta humana para podermos conversar. Ninguém poderá saber que estamos aqui. Um pequeno problema em nosso motor de dobra não foi possível reparar no espaço e nos obrigou a descer aqui. Seria difícil para você entenderem como funciona nossa nave. Escolhemos o Brasil por ele ser um país de paz e não colocará aqui sua parafernália de guerra como fazem os outros países. – Eu olhei para o "Velho" Escoteiro. Ou ele ou o amigo dele o tal Chefe Bill tinham uma incrível imaginação. Assisti a filmes e mais filmes em que os americanos queriam dominar e até atiravam nos alienígenas antes de conversar. – O "Velho" não se fez de rogado e mostrando que lê meus pensamentos parou a história. – "Velho"? O que foi? – Ele rispidamente disse – se acha que estou mentindo porque continuar a contar a você seu pirralho?

                      - Tudo bem "Velho". Desculpe. Gostaria de saber o final de tudo. Vou continuar – disse. Mas se notar qualquer olhar de galhofa paro na hora. – Juro que não o farei "Velho".  – Ele como se fosse tomar um ar lá fora, foi até a escada que levava a rua e em pé mesmo continuou – Chefe Bill me contou que ficaram seis horas na pista quatro. Sheyla o convidou para conhecer a nave. Incrível. Lá havia mais de trinta mil passageiros. Na realidade a aparência deles era de pequenos anões, magros, cara fina, sem cabelos e orelhas. Sheyla riu do meu espanto e do brigadeiro, pois ele insistiu em ir. Não havia animosidade e nem cara feia para nós. Todos sorriam e parecia que viviam em um sistema de harmonia perfeita. O pior foi que o Chefe Bill me disse que tinha se apaixonado por Sheyla. – Como? Perguntei. Não sei. Eu sabia que a aparecia dela não era aquela e o pior ela me convidou para conhecer Alpha Centauro. O brigadeiro foi contra.

                        - Para finalizar eles partiram por volta de meia noite aquele dia. Chefe Bill foi com eles. O brigadeiro não aceitou e disse que levaria o caso a Corte Marcial. Seis meses depois o Chefe Bill voltou. Uma aeronave que voltava para buscar mais gente o deixou em algum lugar do Deserto de Saara. Olhe eu mesmo não acreditei na conversa do Chefe Bill. Mas ele me mostrou uma gravação feita lá no novo planeta onde iriam viver. Incrível! Os primeiros pioneiros que lá chegaram mudaram o clima, os quatro oceanos eles os transformaram em um só, o planeta todo foi reflorestado e agora já estava com florestas imensas de polo a polo do planeta. Eles tinham muitos dos animais que temos aqui na terra. Olhe, poderia ficar aqui contando a você tudo que o Chefe Bill me contou. Tem muito mais e nada que um bom Escoteiro explorador não tenha vivido como ele viveu.

                          Chefe Bill Wagryth até hoje não casou. Disse que se apaixonou por Sheyla. Sabia que nunca poderiam viver juntos nem agora e nem nunca. Ela estava anos luz adiantada dele. Se em um passado longínquo tinham se conhecido em alguma estrela do universo hoje a distancia entre os dois era bem grande. O Brigadeiro Duarte não gostou do final de tudo. Não o expulsou e até o ajudou com um analista da aeronáutica. Mas voltar a sala de comando na torre estava fora de cogitação. Abriram uma exceção. Agora ele estava treinando novos Controladores de Voos. Disse-me que está morando em uma casinha próximo ao lago Santa Inês. Pertence a Aeronáutica. O brigadeiro disse que poderia morar o tempo que quisesse. - E ele terminou dizendo – Olhe meu amigo não enlouqueci. Mas depois que conheci Sheyla não quero viver com nenhuma outra mulher.

                        Fico a imaginar se tudo não foi obra do destino, um destino que não entendo, para muitos impossíveis de imaginar. Amar alguém que mora nas estrelas? Se apaixonar por alguém que nunca poderão viver juntos? Não conto esta história para ninguém. Eu mesmo disse ao Chefe Bill que ele estava ficando louco. Interessante que a Aeronáutica e a Infraero conseguiram abafar tudo. Não deu nada na imprensa. Foi uma história não contada. Abafada pelas Forças Armadas. Ninguém soube e nem irá saber. Ele disse que confiava em mim. Que não contaria a ninguém. – O "Velho" riu alto. Claro estou contando a você porque não sei. Quem sabe por que o Chefe Bill morreu a duas semanas? Ou por que não tenho com quem falar e conversar? Quase ninguém vem aqui. Olhe o Chefe Bill antes de morrer me disse ainda que todos os abandonaram. Noêmia a sua noiva nem chorar chorou quando o mandou passear. Com os olhos cheios d’água me disse que precisava desabafar com alguém. Nada como o "Velho" Escoteiro. E ele me disse que quando fosse para o outro lado da vida que eu estaria liberado para contar.

                       O "Velho" Escoteiro se calou. Não disse mais nada. Nunca me contou uma história assim. Passava das duas da manhã. Fui embora quando vi o "Velho" Escoteiro subindo as escadas para o seu quarto. Acho que Vovó já estava dormindo. Na rua fria e atípica de uma noite de inverno fui pensando na história do "Velho". De escotismo pouco, de historias inverossímeis muito. Este "Velho" Escoteiro nunca me deixou na mão com boas histórias. Atravessei a rua e sem querer torci o pé e cai ao chão. Sem pensar olhei para o céu. Uma nave gigantesca estava passando em grande velocidade. Velocidade de Dobra? Risos. Não sei. Melhor é continuar mesmo mancando. Não posso me apaixonar por alguém que mora nas estrelas. Já tenho uma esposa e outra não ficaria bem para um Chefe Escoteiro. Que sono! Acho que vou dormir bem, mas pouco. Amanhã, ou melhor, hoje tem trabalho. "Velho" escoteiro. Amo este "Velho".


Simplicidade é ter o céu e só querer uma estrela...
É ter o mar e só querer uma gota...
É ter o mundo e só querer você...
Simplesmente você... 


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