Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

quarta-feira, 30 de abril de 2014

O Magnifico Milagre na Montanha da Águia azul.


O Magnifico Milagre na Montanha da Águia azul.

Uma vez que você tenha experimentado voar, você andará pela terra com seus olhos voltados para céu, pois lá você esteve e para lá você desejará voltar.

        Um feriado sem graça. Abri a geladeira e fiz um lanche. Dei-me ao luxo de abrir uma cerveja. Minha esposa tinha saído. Era sempre assim nos feriados de meios de semana. Fiquei pensando na reunião marcada no Grupo Escoteiro à tarde com o Conselho da Tropa Sênior. Eles não queriam aceitar a Tropa de Guias junto com eles, renovar as patrulhas, quem sabe algumas com outro nome. Conviver com elas na mesma patrulha. A mesma coisa pensavam as guias. Enfim um tema que daria uma boa discussão. Pretendia ir. Afinal era assistente Sênior. Risos. Sei que estão pensando – Afinal você é insígnia Escoteira e Sênior e ainda é assistente?
       Interessante mesmo. Nunca me preocupei com isso. Poderia sim ser o Chefe da tropa. Mas o efetivo era um amigão, estava na tropa a mais de onze anos. Agora a pouco foi que consegui terminar e receber a Insígnia Sênior. Esperei dar duas da tarde e fui a pé mesmo para o Grupo. Era perto. Menos de cinco quarteirões. Precisava caminhar. Pediram o uniforme caqui. Claro, adoro este uniforme e a calça curta me faz bem.
     Não foi agradável o Conselho da tropa Sênior. Eles estavam exaltados e as moças também. Depois de discussões intermináveis, resolveram que as tropas seriam unificadas, mas com liberdade na patrulha. Elas com as suas e eles também. Claro que não era fácil agir de outra maneira. A tropa de guias tinha duas patrulhas e os seniores três. Um caso inusitado. Cinco patrulhas em uma tropa.  Mas porque isso? Dificuldade na chefia de guias. Eram três inicialmente e agora só uma. Mesmo assim a atual pretendia fazer um MBA (Master Business Administration, ou melhor, Mestre em Administração de Negócios) e seria nos Estados Unidos.
    O Diretor Técnico foi incisivo. Aceito mas a tropa terá que ter uma assistente feminina, caso contrario não seria possível fazer a unificação. Os chefes ficaram encarregados de convites a alguma pioneira ou mesmo a alguma mãe. Foi uma reunião extenuante. Começou às duas da tarde e só foi terminar às cinco e meia. Saí da sede e pensei – Porque não ir para a casa do "Velho" Escoteiro? Mais seis quarteirões e às seis da tarde em ponto subi os cinco degraus que dava a varanda da casa do "Velho".
      Não sei se ele me esperava, mas o som de Vivaldi (Antônio Lucio Vivaldi – 1678/1741) Le quatro stagioni (as Quatro Estações) tocava suavemente na vitrola antiga do "Velho". Pensei em encontrá-lo a dormitar, pois era assim que ouvia seus prediletos, mas me enganei. Estava sentado com a Vovó, num tete a tete gostoso, que eu sempre admirei naquele casal. Juntos a mais de sessenta anos. Cumprimentei aos dois e o "Velho" me olhou de soslaio.
     Não sei se interrompi alguma coisa, pois ao me verem pararam de conversar. Fiquei sem jeito. Apesar de mais de nove anos frequentando a casa do "Velho" sempre me sentia um estranho. Só uma vez subi no segundo andar quando o "Velho" passou mais de duas semanas recolhido. Pedi desculpas por interromper. Eles deram boas risadas. – Nada disso meu amigo ele disse, chegou na hora exata.
      Interessante, pensava em comentar com o "Velho" o tema que vivi hoje na Tropa Sênior e ele me apareceu com outro. Bem diferente. Por esta eu não esperava. Nunca em tempo algum fiquei sabendo do passado do "Velho". Não sei por que nunca perguntei. Desde que o conheci vi que ele e a Vovó tinham uma química incrível. Seus olhares eram doces, e pareciam dizer um ao outro, eu te amo. Para sempre.
      Agora sim, estava entrando na vida deles. Um sorria para o outro e ele dizia – Vovó, eu nunca esqueci. Ficou na minha memoria. Uma parte da minha vida que valeu toda a minha existência. – Sabe Escoteiro, a vida vale a pena ser vivida quando somos felizes. E quem não quer ser feliz é porque não viveu seus sonhos como eu e a Vovó vivemos. Casamos em outubro, em uma tarde linda que foi o dia mais feliz da minha vida. Casei com ela com meu uniforme. A igreja cheia de escoteiros, pois tinha muitos amigos. Demos uma pequena recepção no Clube Luzes e a meia noite partimos conforme tínhamos programado.
Claro já tínhamos preparado tudo. Vovó topou passar a lua de mel acampado na montanha do Falcão Azul. Eu conhecia bem o local. Uma maravilhosa cascata, uma água límpida que podíamos ver os peixes no fundo e uma gostosa brisa vinda das matas verdejantes do pico do Pastor. Seria uma lua de mel diferente. Não sei se alguém fez uma assim.
– Vovó sorria e olhava o "Velho" com seu estilo de contador de história. Ninguém foi contra – Ele continuou. Meus pais sabiam que eu adorava o escotismo e a Vovó era, foi e sempre será a minha companheira nas minhas aventuras mesmo não estando presente. Pegamos um taxi até a estação. O trem partiu às cinco da manhã. Chegamos a Saltitério as nove.  Eu conhecia o caminho.
Partimos não sem antes comprarmos mais algumas provisões, pois iriamos ficar lá quinze dias. Tinha dito para a Vovó que nossas refeições seriam completadas com as frutas e verduras que encontraríamos lá. Bananeiras, alguns pés de goiaba. Limão e peixes à vontade. Você sabe, Vovó é uma cozinheira de mão cheia. Foi uma subida e tanto. Eram mais de três da tarde quando avistamos o ninho da Águia Azul. Eu assim tinha apelidado o local.
Os primeiros dias foram para montagem do campo. Vovó era uma mateira de mão cheia. Claro, quando namorávamos e depois que nós ficamos noivos eu tinha ensinado a ela todos os truques de um bom “mateiro acampador”. Construímos um verdadeiro lar onde poderíamos ali viver muitos anos. Um Banheiro com WC perfeito. Trouxemos água por bambus até ele. Nossa cabana era de dar inveja. Uma cama casal, e forrada com capim colonião junto com folhas de bananeira.
Se chovesse poderíamos atravessar sem problema até nossa sala de visita/jantar, onde fizemos uma linda poltrona e uma mesa rústica com bambus. O que deu trabalho foi o forno, pois tive que andar bastante. Descobri um “barro branco” especial na subida da Lagoinha. Perfeito para o forno. Como nos divertimos. Não parávamos um só instante.
 Excursionávamos pelas redondezas, banhos de cachoeira varias vezes ao dia, cantorias à noite e sonhar com as estrelas brilhantes no céu. Sabia localizar com facilidade a estrela Altair e Antares. Mas disse para Vovó uma noite – Olhe Vovó – Aquela será a nossa estrela. Toda vez que a ver, sabemos que ela é nossa. Fará parte da nossa vida para sempre! Era a estrela de Capella. Onde um dia disseram que a vida floresceu.
Tudo era maravilhoso. Incrível nossa lua de mel. Fazíamos amor na curva do rio, nas trilhas do Pastor, deitados na relva onde sempre ficávamos até de madrugada. Um dia fizemos amor debaixo de uma chuva torrencial. Uma experiência incrível. Não havia relógio, tempo, nenhum som a não ser o cantar dos pássaros, o som gostoso da cascata, o piar da coruja no carvalho, o farfalhar das árvores com o vento e o bater de asas dos beija flores que se esbaldavam nas flores silvestres.     
Vivíamos em plena felicidade. Uma alegria sem fim. Tínhamos Deus como nossa proteção. O perigo era quase nenhum.  Não me lembro bem, mas acho que foi no sexto dia que vi uma Águia Azul, enorme. Estava pousada em um galho de uma bela figueira, frondosa e notamos que ela vinha quase todos os dias. Sempre nos observando e olhe não tinha medo de nós. Várias vezes ao dia ela abria as asas e pensei que tinha mais de um metro de envergadura de uma ponta a outra.
No decimo terceiro dia aconteceu o acidente que marcou nossa lua de mel Escoteira e que nunca mais acho, haverá uma igual esta. Estamos abraçados no caminho do campo do Pastor e avistamos umas flores diferentes e não consegui identificar. A Vovó resolveu ir até lá e colher algumas. Ficamos ali por meia hora e no retorno não percebi um barranco íngreme a nossa direita. Escorreguei, a Vovó também. Caímos por mais de quarenta metros. O pior notei que tinha uma fratura exposta no pé. Bem junto ao tornozelo. Vovó não teve nada a não ser uns arranhões.
Sabia que não tínhamos condição de subir. Era íngreme e do jeito que estava só mesmo homens fortes para me tirar dali. Mas a Vovó não se entregou. – Você minha velha sempre foi uma grande companheira. Eu nunca deixei de usar minha faca Escoteira. Ela com a faca saiu e voltou com diversos galhos. Vovó era demais. Não sei como, conseguiu também metros e metros de cipó trepadeira. O melhor para amarras. Não foi rápida, mas conseguiu fazer uma pioneiria tipo biga, bem forte. Antes fez uma espécie de tala. Doeu muito. Era uma dor incrível.
Olhava para o "Velho" e a Vovó e eles sorriam um para o outro quando contavam esta incrível narrativa que eu desconhecia da vida deles. Foi a Vovó que continuou. – Não foi fácil fazer a biga. Mas era a minha única saída. Iria amarrar o "Velho" nela e arrastar ali naquela fenda na rocha, pois não sabia onde ia dar. Eu era magrinha, estava com dezoito anos, mas tinha força. Tinha mesmo. Tudo pronto com o "Velho" amarrado olhei para um lado, para o outro e vi a Águia azul pousada próximo a nós.
Parecia fazer sinais com a cabeça, abriu as asas e seguiu rumo sul. Foi o caminho que segui. Difícil à caminhada. Muito difícil. Arrastar o "Velho" não era fácil. Andei uns trezentos metros e vi a Águia de novo. Ela fazia seu sinal, levantou voo agora para noroeste. Lá fui eu no mesmo rumo. Mais duzentos metros. Lá estava novamente a Águia a fazer sinais. Eu não aguentava mais. O "Velho" gemia. Olhava para mim, sorria e gemia.
Sempre insistia para deixa-lo ali e procurar ajuda. Mas eu sabia que não era fácil. Sabia que a estrada estava a quilômetros dali. A noite chegou. Não tinha percorrido nem um quilômetro naquela fenda. Resolvemos dormir ali. A perna do "Velho" começou a inchar. Achei que iria chorar, mas o "Velho" começou a cantar a “Terra do Belo Olmeiro” uma canção que ele disse ter aprendido com escoteiros canadenses. Uma história linda, dos caçadores de pele dos grandes lagos a procura de peles de castores que não mais existiam. Acalmei-me. Dormi um pouco. Acordei de madrugada. Assustei, pois a Águia estava ali bem perto de nos a fazer os mesmos sinais.
Resolvi continuar mesmo no escuro. A Águia voava sobre a minha cabeça. De vez em quando sumia e voltava. Andei a esmo, seguindo a Águia. Assustei-me. Vi a menos de cem metros uma cabana. Incrível. Tinha claridade. Bati na porta. Dois homens abriram. Eram caçadores. Ajudaram-me. Tinham uma mula. Levaram o "Velho" para a cidade. Um deles me disse para não preocupar. Iriam até nosso acampamento e levariam tudo para nós em Saltitério. Olhei para o alto e lá estava a Águia Azul a voar e desta vez ela partiu.
Eu sabia que ela não voltaria. Sabia que ela sentiu seu sangue de Águia correr em suas veias e perfilou devagar suas asas partindo em um lindo voo até que desapareceu no horizonte azul. Não tinha explicação por tudo que aconteceu. Mas foi graças a Águia Azul que consegui chegar até a cabana. Chorei quando ela se foi. Eu não disse adeus. Não sabia dizer muito obrigado a uma Águia.
O "Velho" olhou para a Vovó. Depois olhou para mim. Olhe Escoteiro, voltamos lá cinco anos depois. Nosso acampamento estava seco. A cabana tinha caído. Ficamos lá por três dias. A Águia não apareceu. Vimos um casal de quati que dormitava sempre próximo ao remanso da curva do riacho. Queria encontrá-la novamente. Deveria haver uma forma de agradecer. Mas depois pensei bem e cheguei à conclusão que ela era como nós. Fazemos nossa boa ação sem olhar a quem. Sem esperar recompensas.
Fiquei ali pensando em toda a história que o "Velho" e a Vovó me contaram. Uma história sem precedentes. Eram eu sabia um casal maravilhoso. Nunca os vi discutindo. Sempre um concordando com o outro. Sabia que o "Velho" amava perdidamente a Vovó. E sabia que a Vovó amava perdidamente o "Velho". Olhei para eles, estavam se beijando. Um beijo doce. Na face, nos olhos nas orelhas e nos lábios. Estavam ali revivendo e vivendo novamente uma lua de mel doce, suave, melódica e achei que era um intruso.
Sai de mansinho. Abri o portão e parti para minha casa. A rua estava deserta. Havia estrelas no céu. Procurei olhar bem, mas não sabia qual era a mais brilhante. Gostaria de saber qual era a Altair, ou a Antares. Daria tudo para ver a estrela brilhante de Capella. Sorri para mim mesmo. Meus pensamentos eram um só. O "Velho" e a Vovó.
Deus me deu muitas alegrias na vida. Mas agora eu sorria e agradecia a ele por ter me dado à oportunidade conhecer a Vovó e o "Velho". Uma brisa forte me acariciou o rosto. Um pingo de chuva bateu de leve em minha face. A chuva chegou sorrateiramente. Sorri. Não corri. Deixei as gotas de chuva molharem meus cabelos, minha face, meu corpo. Quem me visse achava que era um louco. Pois debaixo da chuva sorria e cantava alto a pleno pulmões a “Terra do belo Olmeiro” O "Velho" me ensinou. Gostava dela. O mundo é feito de doces momentos e eu agora vivia a mais suprema felicidade do mundo.

ذ Terra do belo Olmeiro, lar do castor,
Lá onde o alce airoso, é o senhor.

Ao lago azul rochoso, eu voltarei de novo!


sexta-feira, 25 de abril de 2014

Meu nome é Osvaldo... Um Escoteiro!


Meu nome é Osvaldo... Um Escoteiro!

        Muitos sabem pouco sobre mim. Afinal mesmo colocando minhas fotos e se assim o faço é para mostrar que devemos levar a sério nosso uniforme, pois ele significa muito para que saibam quem somos quase não comento minha vida escoteira e o que sou. Alguns mais antigos conhecem este Chefe que não difere nada de milhares que existem no movimento Escoteiro. Desculpe, mas alguns estão dizendo que sou uma lenda viva, eu? Impossível. Lendas são narrativas “fantasiosas” transmitidas pela tradição oral através dos tempos. Não sou lenda. Nunca fui. Meu escotismo é jogado aberto e sem censuras, talvez seja este um motivo de me considerar uma oposição ao escotismo moderno. Para mim nem BP foi uma lenda. Ele existiu, foi real, fez o que ninguém fez pela juventude com um programa fácil de assimilar e que hoje estão tentando complicar.

      Estou com 73 anos, entrei em 1947 há quase 67 anos, portanto se eu não conhecesse o escotismo não deveria estar aqui. Mas olhe meu escotismo como dizem por aí foi aquele de “raiz”. Aquele que o jovem pensava e agia. Onde os chefes eram mais irmãos e menos pais. Onde os chefes sorriam quando fazíamos e não como hoje que muitos ainda querem fazer. Onde o respeito, a palavra, o exemplo e a sinceridade faziam parte de nossa formação. Acampei demais, atividades aventureiras sem fim. Não dei a volta ao mundo, mas conheci lugares lindos para ver e sentir que a vida vale a pena ser vivida. Não fiquei rico com o escotismo, até fiquei mais pobre e hoje no fim da vida luto com extrema dificuldade, mas sou feliz ao meu modo, muito feliz. Não sou doutor ou formado em Faculdade ou Universidade e meus conhecimentos foram adquiridos na Escola da Vida. Acreditava e acredito que o escotismo é para todos e não para uma classe privilegiada como o escotismo está caminhando hoje. Não adoto a postura que nossos dirigentes mantêm. Consideram-se sem perceber uma casta. Aquela que pertencem tem tudo e os que não pertencem não tem nada, há não ser ouvir e concordar com os poderosos.

      Eu também já fui desta casta. Fui Presidente de uma região escoteira que na época era chamado de Comissário Regional. Eu fui em MG e SP membro da equipe de formação antes chamada de equipe Nacional de Adestramento. Dirigi centenas de cursos. Aprendi mais que ensinei. De um simples Chefe de sessão eu vivi grandes momentos. Mas por favor, dizer que sou uma lenda viva? Nunca fui e nunca serei. Acho que foi o Paulo Coelho quem escreveu em seu livro o Alquimista que a lenda pessoal é aquilo que você sempre desejou fazer. Todas as pessoas, no começo da juventude, sabem qual a sua lenda pessoal. Nesta altura da minha vida vivo de sonhos e recordar o passado, entretanto à medida que o tempo vai passando, uma misteriosa força tenta provar que é impossível realizar o sonho da lenda Pessoal.

     Não gosto de cara feia e sei que não sou bonito. No passado assustava os jovens pela minha maneira de ser. Demorava em mostrar que o meu coração era aberto a todos e não havia nenhum sinal de caminho a evitar. Fiz milhares de amigos, tinha facilidade para arregimentar adultos a trabalharem pelo escotismo, mas sempre fui contra os chefões, os que se sentem acima do bem e do mal no escotismo e hoje estamos cheios deles. Aqueles que sem consulta se arrogam como dono da verdade. Sem ao menos pesquisar impõe normas e apetrechos que nada tem a ver com o escotismo alegre e solto que BP nos deixou. Se quiserem mesmo saber não faço registro na UEB há anos. Motivo? Evitar conchavos, evitar admoestações, evitar tomar atitudes que um Velho Escoteiro que se julga ético e cavalheiro possa tomar.

         Poderia ter fundado a minha própria organização escoteira, mas isto seria trair a minha consciência, pois entrei como lobo pertencendo a UEB e quero morrer sendo da UEB, mas sem ser um simples “pau mandado” onde o mote é dizer que se não está satisfeito vá a assembleia, lá é o lugar certo para discordar, ou se não quer pertencer ou cumprir o sétimo artigo da lei, cala-te ou pegue seu chapéu e vá embora. Aceito as outras organizações escoteiras que existem no Brasil. Os considero irmãos de ideal.  É um direito de eles discordarem e viverem o ideal de BP como acreditam. Isto se chama democracia. Quero ter o direito de discordar, de sugerir (e isto sempre fiz) sem criar inimigos. Conheço inúmeros casos em regiões que muitos foram perseguidos por discordarem. Sei de um caso que no grupo onde um Chefe recebeu o comunicado pessoal de exclusão do movimento quando do cerimonial de bandeira. Um absurdo!

       Não acuso os dirigentes de hoje a não ser de nunca terem feito na liderança uma democracia participativa, uma democracia plena, aberta e transparente sem limites conforme o direito universal do homem. Para mim chega de ver a prepotência de alguns (não todos) onde os que estão fora se querem algum têm de ir atrás. Parece o Gansinho descrito do livro de BP O Caminho Para o Sucesso. Por favor, nunca me digam que posso sugerir e participar e nem tampouco que devemos aceitar em nome dos nossos jovens. Isto para mim é um insulto, pois sei muito bem como se rege e funcionam os Estatutos da UEB. Um estatuto que não foi discutido por todos os grupos Escoteiros. Impossível? Só para os que não querem pensar. Não tenho mesmo registro e nem Grupo Escoteiro. Este último é impossível, pois minha saúde não deixa. Enquanto pude tive o orgulho de participar de cinco grupos e no último provei que do zero aos 180 participantes era questão de tempo. Os lideres que sempre combati cavalheirescamente desde a década de 60 nada diferem dos de hoje. Ouve claro, exceções onde grandes homens escoteiros participaram da liderança nacional.

         Portanto meus amigos eu não sou um suprassumo na especialidade escoteira e nunca serei uma lenda imortal. Eu sou o Osvaldo um Escoteiro, o contador de causos e história, mas que conhece nosso movimento como ninguém. Até os últimos dias na terra irei lutar dentro dos meios que disponho (a facilidade da escrita) e tentar até meu último suspiro dizer que o escotismo é lindo, que o amor que ele poderia reger sobre a terra não tem tamanho para medir. Sempre direi a todos que um sorriso vale mais que mil palavras, dizer que ser amigo e irmão de todos são ponto de honra, e dizer ainda a todos sem exceção que abraçaram a causa, seja ela onde for merece que tiremos o chapéu (pobre chapéu que um dia nos representou tão bem) e digamos: A fraternidade é uma só, ser fraterno com alguns e outros não, não faz parte do que BP nos legou. Meu sonho é que seja feito uma nova mentalidade na arte de fazer o escotismo. Democracia, ética, respeito, fraternidade e respeitar a opinião de todos que dele participam! E olhe mesmo dizendo que se não tenho registro não tenho direitos, eu digo que sou Escoteiro e ninguém, ninguém mesmo vai dizer que não sou!


Sempre alerta! 

terça-feira, 22 de abril de 2014

O incrível exército de Brancaleone ou Dom Quixote de La Mancha



Onde a virtude estiver em grau eminente, verás que é perseguida; poucos, ou nenhum, dos famosos varões que passaram na terra, deixaram de ser caluniados pela malícia.

O incrível exército de Brancaleone ou Dom Quixote de La Mancha

Não sabia quanto tempo eu estava ali na Sala Grande. Acho que mais de duas horas. Sentado no meu banquinho de três pés olhando o "Velho" Escoteiro e sentindo nele que seus sonhos estavam sendo aos poucos esvaídos. Eu pensava e meditava o que seria de minha vida sem ele. Não só a Escoteira. Tinha uma esposa, vivíamos harmoniosamente, ainda sem filhos, mas eu gostava mesmo era de estar com o "Velho". Para dizer a verdade eu o amava mais que meu pai. E a Vovó era minha segunda mãe. O "Velho" não era mais aquele “briguento” de outrora. Naquele dia ele me dizia das suas lutas, dos seus sonhos e seus moinhos de ventos que não levaram a nada. "Velho", meu "Velho" Chefe e amigo, desistindo?    

                - Seus olhos já não brilhavam mais. Aquela força que tinha eu não via em suas palavras. - Olhe, ele disse, sempre fiquei em dúvida onde me posicionar. Você sabe e me conhece. Vivi um escotismo bem diferente. Hoje nem sei o que pensar. Sempre tive de fazer escolhas. De um lado meu herói Brancaleone. Do outro meu querido Dom Quixote. Um mostra as estruturas políticas, religiosas, culturais e mentais da época. Brancaleone, um cavaleiro que apesar do título vive em uma cabana pobre e se diverte com seu insubordinado cavalo Aquilante e brinca com a hierarquia medieval onde o mais importante era a situação financeira e a classe social. Outro é Dom Quixote, já de certa idade, entrega-se a leitura de romances, perde o juízo e acredito que o que leu é verdadeiro e decide tornar-se um cavaleiro andante. Enquanto ele vai narrando seus feitos Cervantes (o historiador) satiriza os preceitos que regiam as histórias fantasiosas daqueles heróis de fancaria. Mas seriam fantasiosas?

               "Velho", não estou entendendo você. Aonde quer chegar? Porque tudo isto? Olhem para dizer a verdade se eu não conhecesse o "Velho" poderia dizer que ele estava dizendo o nada com nada. Quem sabe sua senilidade estava chegando?
        
    - Boa pergunta. Porque isto tudo? – Porque me sinto no meio dos dois. Poderia ser Brancaleone onde critico as estruturas da UEB sem satirizar é claro, pois só desejo o seu crescimento sadio. Ou quem sabe melhor seria dom Quixote, pois alguns já disseram que perdi a razão e fico a lutar junto com meu amigo Sancho Pança e é ele quem tem uma visão mais realista das coisas. Dizem que minha luta contra os moinhos de vento seria porque quero me transformar em um mito quixotesco. Não acredito nisto. Só sei que a maioria dos meus amigos e amigas que me dão a honra de uma vez ou outra me visitar e me ouvir, não gostam muito quando entro nesta seara e a minha moda vou dando meus “pitacos” na “gigantesca” estrutura da UEB. Não acredito que ela possa nos levar a um futuro venturoso. Eu sabia que no passado era uma luta inglória e não me importava. Agora não sei.

          - De vez em quando apareciam amigos e amigas que empunhavam as armas e ficaram do meu lado. Eram poucos. A maioria ficou do outro lado. As nuvens sopram de maneira diferente e eles estão satisfeitos com a cartilha atual. Mas afinal meu chefe, eles me perguntavam - Qual é sua luta? Boa pergunta. Quem sabe acabar com a ditadura do proletariado? Nada a ver com a ideologia de Karl Marx, pois até que seria boa uma tomada do poder pelos operários aqui denominados escotistas, pois só assim poderia se evitar esta exploração capitalista. Não estão entendendo? Risos. Nem eu. Melhor seria dizer que quando falo abertamente o que penso tento ao meu modo vender meu peixe a todos. Mas sei que sempre foi uma pequena gota d’água. E eu acreditava que poderia ser transformar em um grande lago azul.

                Como seria bom se nos congressos, conselhos, indabas, mutirões, assembleias se começasse a pensar em mudar. Mudar as normas, estatutos, regimentos e se aos poucos fossem implantada uma democracia direta, tipo democracia pura. Se fosse acontecer quem sabe assim todos os membros dos quadros da UEB poderiam expressar suas vontades pelo voto direto e até pela democracia representativa, poderiam expressar sua vontade por meio de seus representantes eleitos pela vontade de todos.

               Seria formidável que em vez de 0,5% dos que hoje tem este direito pudessem ser a maioria. De norte a sul todos dando suas sugestões, opiniões e nada seria decidido sem uma grande pesquisa nacional. Aí então o escotismo daria um salto de liberdade. Pois hoje não acredito que tenhamos. Até acredito que haja uma conspiração silenciosa onde cada um pode ser advertido ou repreendido se aderirem a ideias que não sejam as definidas pela UEB. Conheço dezenas de escotistas que se afastaram de mim e muitos deles me disseram que poderiam ser prejudicados. Eu sou prova viva da história de um passado que se foi. Amigos que tentavam dar uma nova conotação as normas que existiam na época (e que pouco mudou) foram gentilmente convidados a se afastarem do meu convívio e minha “trupe”.

              Muitos ainda não abriram os olhos para ver os mandos e desmandos que tivemos no passado e ainda temos até hoje. Não critico, pois entraram em um movimento onde se exige lealdade e onde a palavra Servir a União dos Escoteiros do Brasil faz parte da promessa dos adultos. Dificilmente irão notar que são seguidores. E ainda dizem que nosso movimento é um movimento de liderança, onde ensinamos aos jovens as tomarem atitudes por sí mesmo. Interessante que o Próprio Baden Powell dizia que devemos olhar alem da ponta do nariz e em seus escritos falou muito sobre democracia e escolha.

             Eu olhava para o "Velho" Escoteiro pensativo. Oitenta e sete anos não era brincadeira. Mas eu sabia que muitas vezes ele pecava pelos seus pensamentos e ideias e muitas delas passavam de longe do que pensavam os dirigentes. Tudo bem que ele tinha um passado. Viveu um escotismo diferente, mas por um instante será que ele não tinha razão? Seria razoável fazer uma eleição livre? Amigos meus diziam ser impossível. Impossível? Com os meios de comunicação que temos? Com as regiões? Com os distritos? Não seria uma forma de criticar esta possibilidade uma maneira de permanecer no poder? Ou então se considerar acima dos demais? Quem sabe um Zé Ninguém poderia ser eleito? E se fosse? Mas isto não é democrático?

            O "Velho" Escoteiro parecia dormitar em sua poltrona de vime já gasta com o tempo. Lembrei-me das histórias que me contou, do seu amigo mexicano, do americano, do francês, do inglês e do suíço. Foram muitas aventuras. Sabia que ele tinha participado de quatro jamborees internacionais. Sabia dos seus conhecimentos. Pelo que saiba nunca escreveu nenhum livro. Claro tinha centenas de manuscritos. Uma vida Escoteira se encerrado ali na mente daquele "Velho" Escoteiro. Assim como outros iguais a eles, que um dia se foram e não são mais lembrados pelas suas ideias. Tenho uma certa mágoa com os dirigentes. Valorizam somente que está do lado deles. Faz parte do ser humano. Sempre buscando os holofotes. E mesmo sem eles se sentem satisfeitos quando sabem do poder que tem nas mãos. E que poder. Um amigo me disse uma vez que era o poder do nada.

            A Vovó entrou na sala. Viu o "Velho" escoteiro dormindo. Olhou-me com um sorriso meio sem jeito. Disse-me que agora era sempre assim. Dormia na sua poltrona de vime já gasta com o tempo. Ela sabia que não ia durar muito.  De leve o tocou no ombro e o chamou. Ele acordou, virou para mim e disse – Sabe meu amigo, eu gosto muito de você, muito. E foi para seu quarto claudicando. Despedi da Vovó e fui embora. Meu tempo estava sendo contado. Minhas horas com o "Velho" também. Sabia que um dia não teria ele para me contar seus pensamentos escoteiros, suas aventuras, suas extraordinárias atividades que junto a muitos fez por este brasil. Iria sentir falta. Muita. Escoteiros como ele estão desaparecendo da história. Aqueles que nasceram e morreram no escotismo pode ser contado a dedo. Quantos ainda estão por aí é difícil dizer.

             Estava chovendo. Tinha ido a pé para a casa do "Velho". Que se dane a chuva. Sem correr percorri os três quarteirões que me distanciava da casa dele até a minha. Vazia a rua. A chuva varria o asfalto e um vento forte me pegou de jeito. Agora era correr. Entrei em casa encharcado. Mais um dia, mais uma noite e quantas ainda teria na companhia dele? Melhor dormir. O futuro a Deus pertence!

O medo é que faz que não vejas, nem ouças porque um dos efeitos do medo é turvar os sentidos, e fazer que pareçam as coisas outras do que são!



segunda-feira, 14 de abril de 2014

Mefistófeles, um Demônio trapalhão é agora Escoteiro (ufa!).


Mefistófeles, um Demônio trapalhão é agora Escoteiro (ufa!).
(uma deliciosa sátira de ficção escoteira, onde os apreciadores do além-túmulo podem gostar).

                      Não gosto muito de histórias de terror. Se a vida já é difícil para que complicar com o além do mal? Mas não era assim que pensava Lascanio dos Anjos. Quando eu o conheci jurei a mim mesmo que era uma figura parecida com aqueles donos de funerárias, com um terninho feito sobre medida, gravata borboleta e um chapéu coco. Bem ele me disse que não. Magro, alto, branco como leite se vangloriava sempre em ter amigos no inferno. Deus meu! Que cara eim? Ele mesmo me disse que seu irmão Funério tinha uma fábrica de esquifes no interior. A cada dia ficava mais rico. - Fabrica de caixões. Chefe ele é o dono e presidente da Associação dos Bem Felizes Desencarnados. Fatura quase três milhões de dólares por ano.

                     Eu tentava ao máximo me desvencilhar dele, mas o danado parecia ter um pacto com o demônio e me descobria sempre quando ia tomar meu chopinho e comer minha empada de camarão com azeitonas pretas na vendinha de Moreno. Era eu sentar e ele com aquela cara de cadáver ressuscitado aparecia do nada e ficava ali a minha frente a me olhar: – Sempre Alerta Chefe! Sentava e sem pedir nada para comer ou beber, começava com suas histórias tenebrosas, aterradoras que mexia comigo e muito. Bem eu não era medroso, mas cá pra nós, mexer com o diabo ou cutucar com vara curta a gente sempre se da mal. Isto minha Avó sempre dizia.

                    Naquele dia ele veio com uma conversa enviesada que Mefistófeles um demônio do Cemitério Campos do Mal queria falar comigo. Logo eu? Conversar com um capeta? Maldita hora que o deixei há muitos anos atrás a ir conosco em uma jornada a pé de oitenta quilômetros até Ribeirão Vermelho. Doze dias, doze dias sofrido com Lascanio dos Anjos a rir de suas próprias piadas aterradoras. O moço era Assistente Sênior e dizia falar com os mortos. A princípio achamos graça, mas depois quando estávamos atravessando um povoado chamado Cruzes dos Mortos Vivos não paramos de correr antes de deixar a cidade para trás.

                  O pior, Lascanio dos Santos ficou lá, conversando com cada alma penada que ali fizera sua morada. Achamos melhor deixá-lo lá onde Judas perdeu as botas e nós não queríamos perder nossas almas. E não que o danado, oito quilômetros mais a frente esperava-nos sentado ao lado de uma cruz de madeira na curva do Rio Menino? Como ele passou na nossa frente eu juro que não sei, mas daí em diante tomei um medo danado dele. Agora insistia que eu fosse ver o tal Mefistófeles. Nem morto meu amigo, nem morto! – Chefe é melhor vir comigo. Se não falar com ele não posso lhe garantir nada. Será perseguido pelo resto da vida! O capeta é vingativo. Putz grila! – Bem, façamos o seguinte, você me pega depois da reunião de sábado, lá pelas sete. Mas lembre-se não posso ficar muito tempo. Tenho compromisso às dez da noite!

                  Sete em ponto, eu pensei em sumir e deixar Lascanio na mão. Mas e medo? Ele já me esperava em um carro fúnebre, negro usado para transporte de defuntos. Sempre Alerta Chefe, pé na estrada que Mefistófeles nos espera! Ele não gosta de atrasos. Fazer o que? Fugir não dava. Entrei e atrás um caixão enorme. – Tem defunto? Perguntei. – Tem é o Dagomar Peixoto. Morreu ontem. Alguém o matou cortaram seu pescoço com um machado e tiraram seus dois olhos colocando no lugar limões verdes. Não sei por quê. Prometi levá-lo até Mefistófeles antes que Lúcifer encontra-se sua alma. Ele tinha um carinho enorme pelo Dagomar. Foram amigos de infância.

             – Onde fui me meter? Um escoteiro bem vivido como eu e agora ali no meio da capetada? Chegamos ao Cemitério Flores do Mal escuro feito breu. O grande portão de ferro abriu para nós rangendo como se fossem correntes sendo arrastadas por mil almas do outro mundo. Mefistófeles estava soberbo na porta daquele enorme mausoléu. Um manto vermelho brilhante que saia chispa de fogo, calçava enormes botas vermelhas e como sempre o "Velho" e gostoso tridente que todo capeta gosta de carregar. Um moço ainda tinha um belo chapéu vermelho estilo espanhol com uma pena de Abutre do deserto da Morte. Será que o usam no inferno para os que estão lá queimando feitas brasas de Fogo de Conselho? Sem delongas ele me mandou entrar. Dentro pouca iluminação. Duas tochas acesas somente. Um cheiro de enxofre no ar. – Apontou-me um caixão fechado. Sente-se Chefão! Tenho acompanhado o senhor nas redes sociais. Tenho enorme admiração! – Deus do céu! Quem poderia imaginar que os demônios também estão lá no Facebook?

             Ele não foi de delongas, entrou logo no assunto – Chefe eu quero organizar um Grupo Escoteiro aqui. Os mortos que quiserem participar eu os tirarei do inferno em chamas e nunca mais vão voltar. Ficarão aqui em local privilegiado, mas enterrado a sete palmos. Só sai nos dias de reunião. Garanto que muitos vão querer. Quem gosta de fogo no rabo? – O Belzebu era maldoso e falador de palavrões. Precisava tomar cuidado. – Ele continuou – Preciso da sua ajuda nos primeiros três meses enquanto o senhor prepara e dá uns cursos para Baphomet, Caramulhão, Belzebu, Lúcifer e Satã para chefes. Eu ficarei com Diretor Técnico. Se possível quero que os inscreva nos cursos de Formação da Região. Iremos fazer o registro e pagar todas as taxas. Não queremos nada de graça! A coisa estava pegando fogo, ou melhor, já queimava há muito tempo. Não tinha saída a não ser dizer sim. Faria minha parte que os membros da direção regional e nacional fizessem a deles. Eles bem que mereciam uma vista desta turma de Belzebus do inferno. Que se danassem!

                 Durante três meses fui ao Cemitério Flores do Mal. Fiz o que pude. Os cinco capetas foram bem treinados. Claro que davam risadas quando falava para eles que na promessa eles tinham de prometer a Deus e a pátria. Eles diziam sim com os dedos cruzados. Nunca vi tanto defunto na fila no dia da inscrição. Cada um fedia mais que o outro e davam risadas enormes de satisfação. E depois dizem que o Escoteiro é limpo de corpo e alma. Mas alegres e disciplinados eles eram. Ah! Se eram! Será que eles vão cumprir os artigos? E quando fossem a um Jamboree? Será que iriam despertar surpresas nos demais participantes? Consegui a custos com o Comissário Distrital Malevides uma autorização provisória. Ele riu de mim quando falei o que seria, mas ao receber a visita de Mefistófeles ele nem pestanejou. Sugeri a Mefistófeles que levasse o registro pessoalmente em uma reunião da direção regional. Ninguém ia dizer não. Soube depois que ele levou dois diamantes enormes na reunião do CAN e logo recebeu de uma só vez a Insígnia de Madeira, os quatro tacos para DCIM e o Tapir de Prata. Nada como um bom capeta endinheirado para entrar de cara na turma. (brincadeirinha – risos).

                 Uma noite bebericava meu chopinho e me deliciava com três empadinhas de camarão com azeitonas pretas quando brotou do nada o meu amigo Lascanio dos Anjos. – Cacilda, o homem, ou melhor, o capeta não me deixava em paz. - Chefe, ele disse – Mefistófeles agradece sua colaboração. Disse que o Senhor pode contar com ele nesta vida e algum dia morrer será bem recebido nas “prefundas dos infernos”. Ele manda avisar ao Senhor quando todos forem fazer a promessa gostaria que estivesse presente. Garantiu-me que será uma festa do mal para ninguém botar defeito. Em cada ponto do universo onde houver um capeta ele será convidado. Ele me disse que estarão presentes vários políticos que se aliaram com ele aqui na terra. Senadores, deputados, ministros e até disse que teríamos uma surpresa. Um ex-presidente também viria (?). Mandou montar varias arquibancadas vermelhas com mais de cinco mil lugares, com grandes fogueiras acesas e queimando sem parar. Todos os grandes cantores que morreram e que estão lá no inferno irão participar. Será o maior show musical já realizado por Belzebu, o rei dos capetas.

                 E ele continuou - Virão vários dirigentes da região e da nacional. Já foram notificados. Quem não for se verá com ele no futuro. Será uma grande festa na inauguração do Grupo Escoteiro Satã de Satanás. Ele mesmo o Belzebu o rei dos capetas e sua corja estarão presentes. Ele vai presentear a cada dirigente presente com a Ordem dos Capetas do Mal. Cada um vai receber também um tridente vermelho com um dispositivo para sair chamas quando acionados. Poucos receberam até hoje. Eles são privilegiados. Ele acha que eles vão gostar! Disseram para ele que tem muitos dirigentes que adoram uma medalhazinha! Ele gostou muito do Senhor. Já mandou fazer uma medalha especial. O senhor vai ser o único a receber. A Ordem Gran Cruz Capetícia. Disse que não precisa ter medo. Quando na vida se sentir no aperto é só gritar: - Capeta dos Infernos! E logo alguém aparece para socorrê-lo. E melhor, se ao desencarnar não o levarem para uma gostosa colônia dos altos espíritos do Senhor (ele não falava Deus e nem Jesus Cristo) que pode ficar tranquilo. Sempre haverá uma casinha com internet, uísque e azeitonas pretas para o Senhor e de graça nas “prefundas do inferno”!


                 Sabe meus amigos. A partir daquele dia passei a rezar de manhã, à tarde e a noite. Levantava de madrugada e rezava de novo. Olhe que conheço muito de escotismo. Já vi tantas coisas que não me surpreenderam. Agora escotismo em cemitérios e dirigidos pelo povo do mal não. Desta turma quero distância. Que Deus me proteja! E por favor, sei que tudo foi um sonho, nunca mais quero sonhar com estas histórias. De moradores do inferno eu quero distância! Nem sei bem o que tem lá! Pai nosso, que estais no céu...


quarta-feira, 2 de abril de 2014

Chefe Ralph, ser ou não ser?


E o velho escoteiro sempre a me contar historias.
Chefe Ralph, ser ou não ser?

            Ralph aceitou a mudança da sua cidade para Rio Vermelho. Afinal a proposta da sua empresa era muito boa. Consultou Doda sua esposa e ela concordou. Ela não estava trabalhando e só cuidava de Robertinho e Lorena, quatro e seis anos respectivamente. A única tristeza de Ralph foi deixar o Grupo Escoteiro Estrela Cadente. Afinal ele e o Josué foram os fundadores. Uma pena mesmo, pois o grupo crescera e a o bairro inteiro aplaudia os escoteiros. Mas ele precisava pensar em sua vida profissional e viu ali em Rio Vermelho possibilidades nunca sonhadas. A despedida da tropa foi triste, mas Ralph fez tudo para deixar todos alegres. Afinal somos ou não somos irmãos? E isto não é mais que um até logo. Sempre que possivel virei aqui abraçar vocês! – O Anrê foi vibrante. Ralph amava aquele grupo. Agora precisava seguir em frente. Lembrava-se de um filme que assistiu - “Nada é para sempre” não era mesmo.

              A empresa comprou uma nova casa para ele. Todos estavam adorando e Ralph não perdia a oportunidade de sair com a família. Um dia foram acampar em um sitio próximo de um dos diretores da empresa. Claro não era um acampamento Escoteiro e sim um camping divertido e gostoso. E não foi uma surpresa que ao subir um riacho para procurar um bom remanso para pescar ele deu de cara com uma Tropa Escoteira. Mas eles não estavam sós, havia lobinhos, seniores, guias e vários pais. Eles chamavam de acampamento, mas acho que estavam enganados. Colocaram as barracas em circulo onde todos dormiam. Os pais cozinhavam. Ralph riu baixinho. - Bem pelo menos eles estão em busca da natureza e só isto já conta um ponto. No entanto isto não é um acampamento nos moldes de Giwell. O importante era se eles estavam felizes. Ralph encontrou o Chefe e se apresentou. Não foi assim àquelas coisas o aperto de mão. Mas Ralph não se incomodou.

               No sábado seguinte foi fazer uma visita ao Grupo. Quem sabe ele poderia ajudar? Afinal era um Escoteiro e participava do movimento desde lobinho. Colocou seu uniforme caqui, seu chapéu Escoteiro, sua calça curta e se olhou no espelho. Estava ótimo. Como era menos de cinco quarteirões foi a pé. Levou seus dois filhos consigo só para eles saírem um pouco. Ainda não tinham idade. Chegou à sede do grupo por volta de quinze para as duas da tarde. A reunião conforme foi informado começava às duas e meia. Tinha poucos jovens e nenhum adulto. Procurou-os e se apresentou a um por um. Eles estranharam e sorriram baixinho. Ralph notou que eles não estavam acostumados com chefes a cumprimentá-los. Só às duas e meia chegou o Chefe com uma sacola sem o uniforme. Sorriu para Ralph e pediu alguns minutos, pois ele iria vestir o uniforme. Logo em seguida chegou mais dois, também sem uniforme e entraram na sede. Uma senhora dos seus sessenta anos também chegou com a saia e blusa, mas sem o lenço, foi também para a sede.

                Só às três horas todos foram chamados para o cerimonial de bandeira. Agora os chefes estavam uniformizados, mas esperaram alguns seniores que também foram se trocar na sede. Ralph nunca tinha visto isto. Sempre achou que o uniforme faz parte do Escoteiro. Ele é o melhor veículo para mostrar quem somos. Se os chefes davam os exemplos claro que os demais também o seguiriam, pois achavam ter os mesmos direitos. Na primeira oportunidade Ralph perguntou ao Chefe o porquê eles não vinham de uniforme de casa. – O senhor sabe, o uniforme serve para padronizar uma organização e mostrar o que somos. - Sem querer ofender – ele continuou, tenho visto muitos dizerem que o escotismo a gente traz no coração e isto é verdade, no entanto não significa que devemos andar sem ele. O próprio fundador do escotismo já dizia que devíamos nos orgulhar do nosso uniforme.

               O Chefe tentou se explicar e falou e falou. Alguns vinham direto do serviço e outros iriam para atividades fora de sua residência. Ralph pensou que isto era uma desculpa. Quem sabe já acostumaram assim. Viu logo que isto poderia desanimar os jovens, pois ele sabia que o sonho de todos quando buscavam o escotismo era vestir o uniforme, sem o exemplo do Chefe isto poderia deixar a desejar. Ralph quando foi ao Grupo pensou em pedir para ser um deles. Agora pensou muito se deveria fazer isto. Notou que muitos dos chefes e seniores depois que saíram da sede com seu uniforme não o cumprimentaram. Viu que ali a fraternidade não era o que ele sempre conhecera. O Chefe o olhou ressabiado. – Olhe porque não vem participar conosco? Nosso Chefe de Tropa tem faltado muito e já disse de sua intenção em sair do grupo.

             Ralph perguntou se eles tinham Conselho de Chefes e quando seria a reunião. O Chefe disse que não precisava. Resolviam ali durante as atividades tudo que precisavam resolver. – Seria possivel o Senhor marcar um Conselho de Chefes para me apresentar? Eu teria algumas observações a fazer. – Meu amigo ele disse, nunca fizemos. Eu resolvo tudo. Apresento você na ferradura e pronto. Ninguém vai contra meus desejos! – Ralph agradeceu o Chefe e disse que iria pensar. Já estava resolvido que não ia participar daquele grupo. Um grupo onde o Chefe determinava e mandava sem consultar a ninguém. Faziam um escotismo triste, pois viu que nas sessões poucos sorriam e aquela de vestir o uniforme na sede? Isto era duro de engolir.

              Ralph nunca mais voltou aquele grupo. Que eles fossem felizes, mas sem ele. Se eles gostavam assim que assim fosse feito. Ele sabia que precisava de um grupo e porque não começar um do nada? Não era difícil e até que foi fácil demais. Na reunião de pais da escola dos filhos ele procurou a diretora e dai para começar foi um pulo. Claro que ele manteve contato com os chefes do grupo que foi visitar, mas sempre os viu tristes, como se ir para uma reunião escoteira fosse uma obrigação e não um prazer. Sempre que ia para a sede ia cantando e todos das ruas onde ele passava sorriam ao vê-lo passar. Era isso mesmo que ele queria. Amava o escotismo e precisava mostrar a toda à comunidade do bairro que escotismo era bom, era necessário para a formação sadia da juventude. O uniforme era um auxilio para isto. Ele sabia que um Escoteiro bem uniformizado tem um papel relevante para o reconhecimento do escotismo no mundo.