Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

CHEFE ESCOTEIRO? CLARO QUE SIM, EU SOU! Fasc.68


Chefe Escoteiro? Claro que sim, eu sou! – Fasc. 68

Os pais e os chefes escoteiros são os heróis que os filhos acreditam e, naturalmente, confiam que, junto deles, sempre estarão protegidos.
Nenhum obstáculo deverá ser grande o bastante para mudar essa realidade. Para isso, nós, pais e chefes, devemos fazer tudo o que for necessário para continuarmos sendo os heróis deles, e quando menos esperamos, recebemos como recompensa, a gratificante frase; “Você é o melhor pai/chefe do mundo!”

Aos chefes e assistentes de todas as sessões no Grupo Escoteiro, são eles os verdadeiros heróis que fazem do Movimento Escoteiro um orgulho para todos nós.
                Tenho muitos amigos chefes escoteiros, e uma enormidade de jovens amigos e amigas do movimento. Estou em um Grupo Escoteiro do qual muito me orgulho. Grande, enorme, mais de 220 participantes. Sei que sou mais um e não apenas um. Sou um mero assistente sênior apesar de ter a IM de Alcatéia e Escoteira. Sou muito procurado por outros grupos escoteiros. Disseram-me uma vez que um educador não é um ser humano perfeito. É alguém que tem a serenidade para se esvaziar e sensibilidade para aprender.

                   Estive visitando o Grupo Escoteiro de um grande amigo. Ele insistiu para que eu fosse lá. Fizemos quatro cursos juntos. Costumamos sair em família. Ele também é casado e sem filhos. Ele insiste para que eu vá para o Grupo Escoteiro dele. – Olhe você é apenas mais um lá (meu grupo ele dizia). Você sabe, somos poucos, muito poucos. Agora mesmo os seniores e guias ficaram sem chefia. Eu tento ajudar, mas não dá para ficar em duas sessões diferentes. Comentei com o Diretor Técnico e ele disse que iria ver o que podia fazer.

                 Para falar a verdade não me animei com a idéia de mudar de lado. O "Velho" até me aconselhou a pensar. Devia ir lá, estudar quem dirigia o grupo e então tomar uma posição. Mas sinceramente me achei em casa estranha. Não da maneira que podem pensar nada disto. O Diretor Técnico até que era uma boa pessoa, mas se colocava em uma posição de líder, de grande chefão e não gosto disto. Vejo é claro no escotismo que precisamos de hierarquia, sem ela não se vive. Mas existe uma diferença, considero todos irmãos escoteiros. Nada de me apresentar com eu sou eu e você é você.

                Outro dia um Escotista me disse que não iria demorar muito, e alguns dirigentes dos nossos órgãos superiores irão dizer – “Sabem com quem estão falando?” Risos. Brincadeira minha, não me levem a sério. Acredito que uma educação de qualidade começa com a valorização do educador. Esta valorização advém do respeito proveniente do reconhecimento. Não achei que o Diretor Técnico estava valorizando seus poucos chefes de sessão. Achei que ele estava valorizando a si mesmo.

                Voltei lá outras vezes, mas fui sincero com meu amigo. Acho que vocês estão sozinhos. Não vi em seu Diretor Técnico alguém que pudesse arregimentar outros adultos facilmente. Sem querer ensinar você - disse - Quatro coisas para mim são essenciais em um dirigente. Seus conhecimentos, a sua conduta, a sua integridade e sua lealdade. Não sei se poderia ter ali no grupo tudo isso. Estou vendo você fazendo enormes sacrifícios. Vejo que até gasta o que não tem com o Grupo e com sua Tropa Escoteira. Precisamos de abnegados, mas vai ser difícil vocês arregimentarem voluntários.

               Voltei para casa triste. Sei que não perdi a amizade do meu amigo. Para dizer a verdade, eu acredito que a primeira função de um chefe escoteiro é ensinar a ver, sentir e fazer. Afinal não estamos lidando com robôs, e sim com pequenos seres em plena descoberta do conhecer e o experimentar. Quem nada tem nada pode dar. Eu só posso doar aquilo que tenho. Sou um chefe escoteiro e sei que o outro precisa de mim, portanto preciso ter alguém para doá-lo.

               Hoje saí mais cedo do meu trabalho. Ficar em casa não era do meu feitio. Arrumei algumas coisas e deixei um bilhete para minha esposa. Ela é claro saberia onde eu estaria. Na casa do "Velho". Nem bem subi a escada que levava a varanda e eis que na janela lá estava ele sorrindo. – Ora viva! Mais um desempregado! Que vergonha! Nem vem que não tem, não posso arrumar emprego para você. – O "Velho" era assim mesmo. Ele sabia que eu era responsável e estava a muitos e muitos anos na mesma empresa.

                Entrei e não vi a Vovó. Ele riu. Sua mamata de lanchinhos hoje não vai dar. Tire o cavalinho da chuva. Ri com ele. Ela saiu com a filha. Não disse aonde ia. (claro que disse, mas a maneira dele era assim mesmo). Não sei se voltam hoje ou se vão passar uma temporada na praia! Os almoços e lanches acabaram. Acho que só voltam o ano que vem. – Tudo bem "Velho" eu disse – Mas você vai se alimentar onde? – Ora ora, você não me conhece? Sou escoteiro rapaz, e dos bons. Faço qualquer tipo de alimentação.

               Adoro o "Velho". Seu estilo é inconfundível. Não precisava dizer nada a ele.. Se eu não fosse mais a sua casa, acho que morreria mais depressa. Ele até que recebia visitas, mas muito esporádicas. Eu era o único que praticamente o visitava duas ou três vezes por semana e aos domingos passava o dia inteiro com ele. E como aprendia! Muito mesmo. Não só escotismo. O "Velho" era uma verdadeira escola da vida. Hoje admiro o clássico, as operas, as grandes orquestras do passado tudo devido a ele. Sem contar escritores que nunca em minha vida pensei em ler seus escritos.

               Entrei, sentei em meu banquinho de três pés, e o "Velho" estava junto a sua vitrola antiga, a escolher mais um LP, pois ele apesar de poder comprar, nunca se animou a trocá-la por um bom aparelho de som mais moderno. Ele adora ver o braço da vitrola ir e voltar quando terminava o disco. E suas escolhas? Sensacionais. Hoje ele estava mais para Mantovani. Um regente que conhece e sabe o que faz. “A lenda da montanha de cristal” fluía divinamente dos seis altos falantes de sua vitrola. Annunzio Paolo Mantovai (pronuncia italiana? Annuntsjo Paolo mantova) nasceu em 15 de novembro de 1905. Ficou conhecido mundialmente como Mantovani. Maestro e compositor tinha um estilo todo especial.

               Fiquei ali com o "Velho" extasiando meus ouvidos com tão belas melodias. Ainda deu para ouvir Songs of Praise e Itália Mia. Para mim era sempre um dia inesquecível de todos os dias que visitava o "Velho". Cada dia uma surpresa. Não sabia que ele amava tudo isso. Aprendi com ele a amar também as belas melodias, óperas, clássicos. Lembro bem o que disse Rubem Alves sobre musica:

- “Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cincos linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes”.

          Mas tudo que é bom dura pouco. Ora de conversar. O "Velho" esperava como se estivesse numa curva do rio, aguardando a fisgada de um bom piau-três-pintas. Um dos mais difíceis para fisgar. Sempre foi assim. Lembro-me do passado quando o conheci. Seu indefectível cachimbo, o cheiro achocolatado, até que um dia o seu médico disse – Ou para ou então vai viver no máximo um ano e olhe lá. O "Velho" olhou para ele e ia dizer um palavrão, mas sorriu e disse: - Tens razão. Saio daqui e nuca mais vou cachimbar. E nunca mais cachimbou.

          Cachimbo é diferente do cigarro. Existe uma técnica toda especial para usá-lo. A escolha do tipo do cachimbo, saber amaciá-lo (não é fácil) preparar um blends no ponto (misturas), ou seja, algumas espécies de tabacos resultando em sabores surpreendentes. Existe a maneira de encher o fornilho, socar com o socador, deixar um furo para a saída do ar, e depois se refestelar em uma poltrona e sentir o cheiro muitas vezes antes de acender. Nunca usei um cachimbo. O "Velho" tinha mais de 200. Presentes de amigos. Ele dizia, eles não entendem nada. Cachimbo não é presente é escolha pessoal.

            Entrei no assunto que estava na minha mente a semana toda. "Velho" disse – Eu estive lá no Grupo Escoteiro do meu amigo. Aquele que lhe falei. Não gostei do que vi. Para não ser severo com tudo, voltei lá mais duas vezes. Não adiantou. A primeira impressão ficou. Notei lá "Velho", que os chefes estão desamparados. O Diretor Técnico mesmo sendo um bom homem não tem condições de liderança, não sabe arregimentar. Os chefes que ainda ficaram estão à deriva. Tentam de tudo. Não existe apoio.

            O "Velho" me olhou de soslaio e como aquele olhar peculiar ficou pensativo não sabendo na hora o que responder. Passaram-se minutos. Não disse nada. Era o "Velho" que conhecia. Alguns minutos depois ele falou devagar, baixo, e tive que prestar uma enorme atenção ao que ele dizia. – Sempre achei meu amigo - disse – E sempre afirmei que não é possível desenvolver nenhuma programação com os jovens quando o Escotista responsável não tem o aval de todo o Grupo Escoteiro. Não se pode fazer nada se o Diretor Técnico não for competente na sua área.
  
             Ele hoje responde por todo o grupo e também pela sua diretoria. Faz a ligação e orienta os escotistas na sua lida semanal. Um bom Grupo Escoteiro se desenvolve quando aqueles que são responsáveis pelos escotistas do grupo, dão a eles condição de desenvolver seu trabalho, provê-los dos meios necessários e estar ao lado deles sem influir em seu trabalho. Um bom Diretor Técnico tem de ter carisma. Não digo que é um dom nato. Isto até pode ser adquirido.

             Mas, continuou o "Velho" – Se os Escotistas não estiverem bem assessorados, seja na parte material, nos cursos de formação (obrigação do Grupo Escoteiro arcar com as despesas, inclusive de transporte) e sempre receber um sorriso e um muito obrigado do Diretor Técnico, poucos, mas muito poucos iram querer assumir como voluntários no Grupo Escoteiro. O Diretor Técnico sabe o que tem de fazer. Ele não deve esperar elogios. Ele tem é a obrigação de elogiar seus escotistas. Assim como os chefes devem elogiar seus assistentes.

            Uma das maiores decepções de um chefe é saber que não tem nenhum apoio por parte daqueles que o dirigem. Todos precisam deste apoio. Eles são necessários para que exista uma diretriz que afinal de conta nada mais é que a formação de jovens dentro do método esperado. É necessário ver que os escotistas de sessões e claro o Diretor Técnico esperam sempre um incentivo, pois só assim iram saber que os verdadeiros chefes são aqueles que ofertam o que tem e o que sabem, e, mais do que tudo, ofertam seus sentimentos, suas lágrimas aos outros.

             Se isso não é reconhecido, não vale à pena continuar a jornada. O Diretor Técnico é quem é o responsável por tudo isso. Nos cursos de formação ele deve na medida do possível participar de todos. Sua principal função e objetivo é incentivar aos seus comandados (amigos) a fazer o mesmo e dando a eles plenas condições não só financeira como apoio moral e intelectual. Posso dizer para você e você também pode me confirmar. Procure ver os Grupos Escoteiros mais bem organizados, com efetivo acima da media, um bom número de escotistas participantes e vais ver que ali tem um Diretor Técnico que agrada a todos e faz seu trabalho com perfeição, abnegação e altruismo.

              Os Grupos Escoteiros que sentem dificuldade no seu crescimento, que não conseguem manter um corpo de Escotistas para seu desenvolvimento quantitativo e qualitativo, eu analiso que, ou pode ser por falta de experiência na direção ou porque o Diretor Técnico está esperando honrarias ou não se imbuiu ainda na sua responsabilidade. Shakespeare dizia que o ouvido humano é surdo aos conselhos e agudo aos elogios. Uma verdade sem sombra de dúvida.

             Quando entramos como voluntários no movimento escoteiro, esperamos é claro que haja algum tipo de agradecimento e este para nós velhos escoteiros seria o sorriso de um jovem e ver seu crescimento dentro dos padrões da lei escoteira sendo mantidos por toda a vida. Mas também esperamos um sorriso do Diretor Técnico e quem sabe até um “tapinha” de leve a dizer – Muito bom o seu trabalho. O Grupo Escoteiro se orgulha em ter você conosco! Já pensou nisto? E claro você iria retribuir dizendo, obrigado, se não fosse você eu não faria nada!

             Já pensou o Diretor Técnico chegar e elogiar e abraçar seus chefes? Um distrital chegar ao Grupo Escoteiro e elogiar o Diretor Técnico? O dirigente regional fazer o mesmo com seus distritais? E os dirigentes nacionais elogiando os regionais?  Afinal quem não gosta de um elogio? Um “tapinha” nas costas, um “muito obrigado” um “parabéns”? - O "Velho" riu. E riu com nunca tinha visto.

         – Olhe meu amigo, no escotismo é o contrario, cada um espera ser abraçado, elogiado esquecendo que para receber você tem primeiro de dar seu exemplo. Eu sempre dou belas gargalhadas com dirigentes que olham para você como se eles estivessem se sacrificando, que não gostariam de estar ali, e entra ano e sai ano lá estão eles. Firmes! Sorrindo entre si e com os demais com aquele semblante de cansado. Brinco muito, você sabe, quem é da “Corte” nunca irá querer ser um súdito.  E olhe, a uma luta “surda’ de muitos desejosos de pertencer a “Corte” - “O que a Corte decidir, os súditos terão de obedecer’ não seria assim?

             O "Velho" parou de falar, ouvimos vozes. A Vovó chegava. Sua filha a trouxe, mas não entrou. Vovó me saudou me pediu desculpas por não estar em casa para me receber. Linda a Vovó. Ela e o "Velho" faziam um par incomparável. Eu os admirava. Quarta feira gorda. Amanhã é outro dia. Pela rua quase deserta eu como sempre ruminava tudo o que o "Velho" disse. Concordava. Não tinha como ser contrário. Um carro passou por mim buzinando e atrás latas e latas amarradas. Risos. Mais um que se casou. Espero que ele seja tão feliz como o "Velho" e a Vovó. Desculpe, eu também era feliz!

Você pode conquistar uma ‘rosa’ fazendo muitos elogios.
Pode até sentir teu inigualável perfume.
Mas, só tocará nela sem se machucar,
Se aprender lidar com seus espinhos.

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