Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

SEM ÓDIOS E SEM RANCORES, SERÁ QUE ENCONTRAREI ESSA TAL FELICIDADE?


Sem ódios e sem rancores, será que encontrarei essa tal felicidade? Fasc. 69

Quem é você? Depende de três fatores. O que você herdou, o que o ambiente fez de você, e o que sua livre escolha fez desse ambiente e desta herança.

A todos os escotistas que trazem no pensamento a ação do amor e da fraternidade
               
                     Foi um dia atípico. Meus pensamentos na fabrica me levavam para longe do que estava fazendo. Isto não era bom. Eu sabia que devíamos separar o que fazemos aqui do que somos lá fora. Todos sabem disto. Mas não conseguia voltar à mente para a rotina da fabrica. Ruim isso. Lembrava-me do primeiro dia que conheci o "Velho". Muitos anos se passaram. Acho que mais de oito. Eu também estava envelhecendo. Será que algum dia serei como ele?

              O "Velho" cada dia que passava ficava mais distante. Ainda estava lúcido, mas de vez em quando se calava, olhava para frente como se nada mais existisse. Ficava assim por minutos absorto e muitas vezes horas e horas. 88 anos. Muitos anos. Mas tinha um semblante ainda alegre, seus olhos brilhavam quando podia falar de escotismo. Fora sua vida. Vivera para ele e a Vovó. Eu não sabia o que seria de mim se o perdesse. Se não ouvisse mais sua voz, seus conselhos. Sabia que esse dia iria chegar, mas tinha medo, muito medo. Eu amava o "Velho". Acho que até mais que o meu pai – Que Deus o tenha!

              Platão dizia que devemos temer a velhice, porque ela nunca vem só. Bengalas são provas de idade e não de prudência. Será? Ou então o que dizia Oscar Wilde que os velhos acreditam em tudo, as pessoa de meia idade suspeitam de tudo e os jovens sabem de tudo. Risos. Não acredito nisso, acredito mais nas ultimas palavras de Platão que devemos aprender durante toda a vida, sem imaginar que a sabedoria vem com a velhice.

             No domingo de natal fui a casa dele. Senti seu olhar distante. Desta vez fui acompanhado de minha esposa. Ele não a reconheceu. Olhou-me com aquele olhar enigmático e perguntou – Ainda está vivo? Risos. Devia ter dito "Velho" eu te amo! Não passei com ele a virada do ano. Não deu. Desta vez acompanhei minha esposa a casa dos pais dela. Não dava para escapulir. Sabia que o "Velho" iria sentir a minha falta, muita é claro. Eu era o único que lhe fazia companhia em todas as horas fora a Vovó é claro, sua companheira inseparável de uma vida.

              No grupo fizeram uma grande confraternização. Foi uma semana antes do natal. Cada um levou seu “bornal” com bolos, salgados e refrigerantes. Uma festa e tanto. Mais de trezentos participantes entre membros do grupo e seus parentes. O "Velho" não foi. Vovó disse que ele não estava bem. Passou o dia inteiro em seu quarto. Que ano novo o esperava? Não sabia. Acreditava que iríamos ainda conversar muito. E olhe nunca lhe dei um abraço e poucas vezes um aperto de mão. Um beijo no rosto? Nunca. Achava que ele não iria gostar. Mas que gostaria isso sim gostaria.

              Foi uma linda tarde. Cada tropa se esmerou no pequeno teatro montado no pátio. Cada uma fez uma apresentação teatral e gostei demais das lobinhas da alcatéia Waiganga. Fizeram com perfeição a historia quase completa da Embriaguês da Primavera. Sensacional. Perfeito! Mas a tropa de guias não deixou a desejar. Fizeram uma representação da canção da despedida totalmente diferente. Cada guia corria até os escoteiros, sorria e cantava alto, as demais em coro. E assim foram de patrulha em patrulha. Lindo! Marcou.

              No final uma delegação de monitores e monitoras, alguns pioneiros e escotistas em companhia do Diretor Técnico foram até a casa do "Velho" com a Vovó. O "Velho" desceu as escadas com alegria. Claudicando mas abraçou a cada um. Um santo remédio para o "Velho". Ele adora visitas. Todos se foram. Eu fiquei. O "Velho" me olhou e disse – O que faz aqui? Porque não foi passear com sua esposa? Menino é só um "Velho". Vá procurar melhores companhias. Ri por dentro. Sabia que no fundo ele adorava que eu estivesse ali.

              Depois que todos se foram, o "Velho" se dirigiu a sua coleção de discos LPs. Mexeu, mexeu e retirou de lá um LP de Tchaikvsky, ou melhor, Piotr Ilitch Tchaikovsky. De São Petersburgo na Rússia onde nasceu em 06 de novembro de 1983. Era considerado o maior compositor romântico em seu pais.  Embora não faça parte do chamado Grupo dos Cinco (Mussorgsky, César Cui, Rimsky-Korsakov, Balakirev e Borodin) compositores nacionalistas daquele país, sua música se tornou conhecida e admirada por seu caráter distintamente russo, bem como por suas ricas harmonias e vivas melodias.

             Suas obras, no entanto, foram muito mais ocidentalizadas do que aquelas de seus compatriotas, uma vez que ele utilizava elementos internacionais ao lado de melodias populares nacionalistas russas. Tchaikovsky, assim como Mozart, é um dos poucos compositores aclamados que se sentia igualmente confortável escrevendo óperas, sinfonias, concertos e obras para piano. Em poucos segundos estávamos ouvindo  Sinfonia Manfredo, si menor, Op. 58. Baseada no poema dramático Manfredo, de (Lorde Byron). É, o "Velho". Sabe escolher. Ficamos minutos em silencio. Nem nossa respiração ouvíamos.

              Não sei quanto tempo ficamos ali. Mas como sempre a Vovó apareceu com seu lanche maravilhoso da tarde. Desta vez simples. Um queijo curado, fatias de goiabada, pães de queijo quentinho, pãozinho Frances com margarina, rosquinhas deliciosas, brevidades e leite, suco e um café fumegante. É a Vovó. Sempre se esmerando a tratar bem das visitas. Ficamos ali por longo tempo saboreando as delicias da Vovó.

               - Quanto ódio, quanto rancor disse o "Velho". Não entendi. Que ódio "Velho"? Ele me olhou de soslaio e não me deu resposta. Passou alguns minutos de olhos semi-serrados. – Porque não dar as mãos? Porque não dizer que podemos ser amigos? Não há perdão? – Não estava entendendo o "Velho". Um processo judicial antigo que se arrasta há anos, disse. Criou magoas profundas. Expandiu para outros. Fizeram de um desentendimento algum que prejudicou a muitos. São coisas que aconteceram há muito tempo. Ninguem dá o braço a torcer e olhe este não é o escotismo que nós dois conhecemos.

                Fiquei pensativo. Não sabia de nenhum processo. Nunca tinha ouvido falar. Mas devia ser algum grande, enorme para o "Velho" se manifestar daquela maneira. – Veja bem continuou. (Falava baixinho, quase sussurrando), alguns se arvoraram em donos. – Donos de que "Velho"? Perguntei. Sem resposta. – Veja bem, quantas palavras bonitas foram escritas em todos os sites onde participam milhares de escoteiros. Todos desejando boas festas, feliz ano novo, feliz natal. Abraços, sorrisos canções.

                - Mas não vi nenhum dirigente nacional dizendo – Nós da liderança desejamos a vocês um bom natal, um prospero ano novo. Nenhum deles apareceu. Por quê? Se sentem superiores? Devem ser procurados? Nunca irão se aproximar dos demais inferiores? – O "Velho" se calou e fechou os olhos. Parecia dormir. Abriu os olhos e continuou – Difícil distinguir se é ódio, se é rancor, se é prepotência ou sei lá o que. Ninguém quer dar a mão primeiro. O coração fechado. Lei? Ora a lei. Amigos de todos é só para os outros, irmão dos demais é só entre eles.  

                  Fiquei ali imaginando e pensando nas palavras do "Velho". Mas ele continuou enfático - Vocês que estamos começando agora, não percebem isso. Tem uma mente limpa, amiga, simpática, e suas preocupações são outra. Pensei comigo, acho que o "Velho" está certo. Criou-se uma casta, uma tradição entre eles, quase hereditário. Fazem as leis, as normas tudo sobre o prisma que consideram democráticas, mas no fundo não são. São estatutos pré fabricados. Dois ou três escrevem e a maioria aprova sem pensar que poucos opinaram. E vão aprovando aprovando.

                    Não existem consultas, nunca existiu. Uma meia dúzia sabe o que se passa e concorda. Quem discorda é defenestrado. – Veja você continuo o "Velho", alardearam uma escolha de quem quisesse se apresentar para a alta cúpula que enviasse um currículo. Passou uns meses e sabe quem foi o escolhido? O Vice-presidente da liderança anterior. Escolha? Risos. É para rir mesmo. A pessoa certa estava em casa. Lembro que a uns 10 ou 15 anos atrás, jornais de renome trouxeram na página de empregos, a procura de um alto executivo para a liderança nacional. Alguns meses depois foi escolhido alguém que já estava com eles. Para que o anuncio?

                     O "Velho" fechou os olhos. Não ouvi sua respiração. Esperei. Fiquei preocupado. Fui até ele, nada, seu pulmão parecia ter parado de funcionar. Medo enorme! Não "Velho", não faça isso comigo. Não agora. Ele abriu os olhos. Olhou-me e perguntou – O que houve?  Riu e me disse – Calma, ainda vamos ficar uns bons tempos juntos. Tenho que ver as mudanças que precisam ser feitas. Tem muitos prometendo. Não posso morrer antes. Soube de amigos que tem alguns tentando mudar, mas tirar o carrapato que agarrou nas partes íntimas é muito difícil. O "Velho" deu uma boa gargalhada.

                    Olhei no relógio, quinze para a meia noite. Mais um dia com o "Velho". Desta vez ele descarregou em mim suas agruras. Não sei se era verdade. Não tinha amigos na liderança. Não conhecia ninguém lá. Nunca fui a um Congresso, como todos os outros minha preocupação era outra. Vivia pelos jovens. Para mim o que importava. Mas será que o "Velho" não tinha um pouco de razão? Só posso afirmar uma coisa, nos dois sites importantes onde entro quase diariamente, neste natal e ano novo não vi nenhum deles se manifestando. Quem sabe se dirigiram de outra maneira e não fiquei sabendo.

                   Ora de ir. Pena, estava tocando na vitrola antiga do "Velho", o Conserto para piano n. 1 em si bemol. Sabia que a seguir seria o Quebra-nozes. Não dava mais para ouvir. Acho que foi em junho de 1893, que ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Cambridge. E em outubro do mesmo ano sua saúde se agrava profundamente. Dia 6 de Novembro de 1893 Tchaikovsky morreu aos 53 anos, em São Petersburgo.

                  Falar mais o que? Tchaikvsky? Dirigentes? Festas, ano novo? Claro, que 2012 seja o nosso ano. Ano que o escotismo possa provar para a nação que podemos mudar para melhor. É "Velho", você não pode me abandonar. Não agora. Sinto que sem você não serei mais o mesmo escoteiro de antes. Sei que a vida continua, mas preciso de você como o peixe precisa da água para viver. E lá fui eu andando pela rua deserta, sem chuva desta vez, sem carros buzinando, só uma lua redonda que nem um queijo no céu.
                               
Adeus Ano Velho!

O ano está indo embora
Com ele, sonhos se vão
Mas é chegada a hora
De pensar nos que virão...

Existem sonhos guardados
Bem no fundo do coração
Passa ano e são renovados
Estes jamais morrerão...

Ano Novo seja bem vindo!
Vou te recepcionar
Te esperarei sorrindo
Não vou deixar de sonhar...

Carol Carolina


Nenhum comentário:

Postar um comentário

obrigado pelos seus comentários