Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Contos de Fogo de Conselho. Lembranças de um menino Escoteiro. “A Canção da Despedida”.


Contos de Fogo de Conselho.
Lembranças de um menino Escoteiro.
“A Canção da Despedida”.

                        Ele nunca esqueceu seu primeiro acampamento, Fazia tempo. Onze anos lobinho de coração, estranho no ninho e tinha medo, receio do que seria dele como escoteiro. Uma nova etapa. Lágrimas brotaram quando fez a passagem. Aos poucos foi acostumando. Seu Monitor, grande companheiro. Já tinha feito algumas excursões, mas nada como este acampamento. Seis dias. Mata fechada. Selva inóspita, Pânico no primeiro dia. Depois, barracas montadas, cozinha coberta, fogão suspenso, sala de refeições, fossas, Até WC fizeram!

                           Quando a noite chegava ele estava em pandarecos. Mas orgulhoso. Era mais um deles. Ajudou, colaborou. Dormia o sono dos justos. Só acordava com alguém chamando ou puxando seu pé. E de novo, mais um dia mais alegrias construindo, aprendendo, brincando, aventuras maravilhosas. Escaladas (tremia) balsas, pistas de animais, grandes pioneiras, subir em árvores, comida gostosa, banhos deliciosos, predadores, escorpiões, cobras (que medo!), chupar cana, colher goiabas, mangas, abacate, nas mais altas árvores.

                            Quinto dia. Orgulhoso daquela patrulha, irmão das demais. Amigos, fraternos, uma chefia maravilhosa. Então a surpresa. Ultimo dia. Tinha Fogo de Conselho. Só da tropa. Senhor! Ele dizia: - Fiquei arrepiado ao lembrar. Marcou para sempre. Ria, cantava, batias palmas, pulava, atuava e então... E então... Todos deram as mãos em volta do fogo e começaram a cantar. Ele não conhecia a canção. Aos poucos foi entendo. Meu Deus! Que musica maravilhosa! Tocou-lhe fundo no coração. Impossível aguentar a emoção. “Não é mais que um até logo”! Onze anos e chorando. Lágrimas descendo no seu rosto. Mãos entrelaçadas, apertando uma as outras. 

                             Parou a canção. “Um por todos, todos por um”. Final, fogueira crepitando, estrelas no céu. Vento frio, brisa no rosto, cheiro da terra, do capim meloso, grilo saltitando, vagalumes aqui e ali querendo mostrar seu brilho. Silêncio na mata. Lágrimas caindo, um olhando para o outro tentando disfarçar. Trombeta tocando. Reunir! Boa noite, Corte de Honra, oração. Foi para a barraca com um sorriso enorme! Deitado colocou as mãos debaixo da cabeça, olhava para o teto da barraca e só via estrelas brilhantes no céu. Lagrimas escorriam de sua face. Sabia que tinha encontrado amigos, irmãos e que agora pertencia a uma grande Fraternidade Escoteira. Agora ele era um deles, um escoteiro, um privilégio de poucos!

                              Foi a primeira grande emoção. A Canção da despedida marca. Todos que participaram sabem disto. Ele chorou depois muitas vezes. Não dava para esconder. Difícil explicar quando se canta, se dói se machuca se uma saudade gritante fala para nós, não perdermos as esperanças de que um dia voltaremos a nos ver. É uma situação inusitada. Se contarmos para um amigo ou amiga, eles vão rir de nós. Vão achar que somos bobos, tolos. Não compreendem. Não entendem. Não sabem o que é isto. Nunca vão saber... Só nós, os privilegiados deste incrível movimento escoteiro.

                             Centenas, muitas centenas de vezes ele participou. Dizia para si que não mais iria chorar. Engano. Bebê chorão! Sempre com lagrimas escorrendo no rosto, caindo e molhando a terra, nosso chão abençoado. Ele sabia que o escotismo marca para sempre. Ele amava tudo que fazia, amava fazer boas ações e tinha um orgulho enorme em ser escoteiro. Aprendeu a viver intensamente tudo aquilo que fazia. Sorria, cantava, chorava sim senhor de alegria. Nunca esqueceu as horas maravilhosas no seu tempo de escoteiro.

                 A vida não para os anos passam e o levou a lugares nunca imaginados. Lembrou quando foi na cidade de Hermosillo, capital do estado de Sonora, México. 50 anos de fundação do Grupo Escoteiro. Vários outros grupos irmãos. Ria pensando que enrolava no espanhol. Um paspalho para entender o que diziam. Mas quem disse que em acampamentos escoteiros precisam disto? Ele pensava que falavam um só idioma. Nossa! Marcou mesmo. Incrível a amizade dos escoteiros mexicanos. Simples, leal, honesta, sem altivez e soberba. Que amigos! Tocaram seu coração. Difícil foi à hora da despedida! Ele não queria ir embora. Chorava copiosamente. Um marmanjo. Trinta e quatro anos! Lágrimas e lágrimas descendo pelo rosto. E quando terminou a Canção da Despedida, todos vieram lhe abraçar, chorando também e dizendo, - “No te vayas, te queremos, quédade nosotros”... Quem aguenta? Ele pensou. Diga-me meu amigo e irmão escoteiro, quem?

                             E o pior, no dia seguinte, ao tomar o trem para a cidade do México, lá estavam eles na estação, barulhentos, amigos abraçando, cantando canções típicas, e quando o trem foi se afastando, cantaram de novo a Canção da Despedida. – “Não é mais que um até logo”... Rapaz foi incrível suportar! Impossível! E repetiam, repetiam – “No te vayas, te queremos, quédade nosotros”! Isto o marcou para sempre. Alguns passageiros ao seu lado não entendiam. Um deles se aproximou. “Be Prepared”! North America, boy Scouts. Incrível! Que movimento é este? Deus do céu!

                            O tempo passa. Envelheceu. Nas suas noites de lembranças seu pensamento percorre na trilha do tempo os Fogos de Conselho que participou. Quantas saudades. Quantos amigos abraçou, quantos amigos se foram para o Grande Acampamento. Sabia que todos eles onde estiverem estarão a lembrar daqueles tempos que nunca serão esquecidos. E sua mente volta no tempo, lembrando quando o fogo terminava, enxugava uma lágrima, dava um abraço nos demais, sorria meio sem jeito, e esperava no próximo que ele estivesse lá. A canção da despedida marca, dá vontade de gritar a quem está ao nosso lado o que o Lobo Gris disse a Mowgly - “Não vá! Meu irmão de caverna, meu irmão Escoteiro, o teu caminho é o meu caminho. A tua caça é a minha caça e tua luta de morte é a minha luta de morte. Não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus”...



Nota de rodapé: - “Na minha memória - tão congestionada - e no meu coração - tão cheio de marcas e poços, esta canção ocupa um dos lugares mais bonitos.” “O presente é a sombra que se move separando o ontem do amanhã. Nela repousa a esperança.”. Bem cedo junto ao fogo tornaremos a nos ver! Não posso ficar lembrando. Emociono-me demais, tempos que se foram e não voltam mais. Lágrimas caem devagar. Hora de dormir.

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