AS LINHAS DA PRAIA
“A lenda insiste em
dizer que se alguém repetir 6.000 vezes a frase ‘huka fava dreimoid Kaká iara”
as linhas do mar da praia irão lhe levar a um tesouro escondido. Só uma pessoa
conseguiu fazer isto. “Mas está desaparecida até hoje”
“Aos contadores de histórias. Devemos a eles a beleza de um espetacular
Fogo de Conselho ou de uma gostosa noite de luar”.
Foram quinze dias
maravilhosos. Para dizer a verdade nunca poderia imaginar o "Velho"
se esbaldando e tentando correr como uma “galinha choca” pela praia. O meu
amigo o "Velho" estava em pele e osso. Mas ainda ostentava uma saúde
que muitas vezes duvidamos se ele resistiria. Vovó e minha esposa se “aninhavam”
em baixo de uma castanheira frondosa. Eu não tirava o olho do
"Velho". Afinal, 86 anos não e brincadeira. Não deu para perguntar ao
seu médico o que ele podia fazer ali. Mas ele teimoso, fazia sempre o que não
podia fazer.
Tudo começou quando meu
Chefe de Departamento da fábrica onde trabalhava me perguntou se não queria
ficar em sua casa de praia, no litoral sul. – Olhe meu amigo, não vou lá esse
ano. Eu e a família resolvemos ir a Disney e a casa ficará fechada. Porque não
vai lá descansar nas suas férias? E para completar disse – Leve quem você
quiser. Tem condições de alojar até dez pessoas. Uma oferta tentadora. Falei
com minha esposa. Ela topou.
No domingo fomos à casa
do "Velho". Como sempre saborear o almoço delicioso da Vovó. Quando
almoçávamos contei que pretendíamos ficar uma temporada na praia. Notei os
olhos do "Velho". Brilhavam. Olhei para minha esposa e ela mesma fez
o convite. Porque não vão conosco? A casa é grande e cabe todo mundo. Um sorriso
nos lábios do "Velho" mostrava sua satisfação, mas como sempre tinha
de se mostrar maniento – Melhor não. Vamos atrapalhar. Afinal você vai ficar
sozinho com sua esposa.
Depois do
almoço ficou tudo combinado. Quem leva o que, hora da saída, se precisava de
uniforme, o de campo ou social. – "Velho"! Pelo amor de Deus. Vamos
para praia. – Nunca se sabe meu amigo, podem aparecer alguns escoteiros e vamos
nos apresentar como? De sunguinha? – Sem resposta ao "Velho". Sabia
que ele gostava de ficar resmungando, mas sabia também que estava adorando o
programa. Acho que ele precisava disso. Sempre me disse sua queda pelo mar.
Na quarta partimos. Tralha
pequena. Própria de escoteiros. Uma viagem ótima. O "Velho" cantando.
Uma voz de taquara rachada, mas ele estava alegre e muito. A chegada ele nem se
deu o desplante de ajudar a descarregar. Tirou os sapatos e foi de encontro ao
mar. Ficou ali por minutos a olhar o horizonte, as gaivotas e o som imperdível
do mar aos ouvidos de um mateiro. Os primeiros dias foram de descobertas. Nem
sempre conhecemos as pessoas. Podemos conviver por anos, mas só quando estamos
juntos é que podemos analisar com precisão o que somos. O "Velho" e a
Vovó eram companhias das melhores.
O "Velho" ficava
o dia inteiro na praia. A casa ficava a menos de cem metros e se não ficasse de
olho ele iria sozinho. De manhã tomava café que a Vovó fazia, pegava a cadeira
de praia e lá ia cantando o Rata-plã. Nos primeiros dias falamos pouco de
escotismo. Contamos “causos” lembranças escondidas na mente e que estavam
prontas para serem narradas aos amigos do peito. Os dias foram passando. De
manhã à noite, o "Velho" não saia da praia. Eu também gostava. Íamos
lado a lado pisando na areia molhada e andávamos quilômetros. Descobri um novo
"Velho". Mais novo. Mais atual, e não aquele doente do passado.
Uma tarde, o sol se pondo,
o "Velho" olhando para o mar disse baixinho – Lembra-se do Justin?
Aquele americano que juntos fomos ao vale da Morte e o Francês Pierre que foi
mordido por uma cobra Píton? – Balancei a cabeça concordando. Vendo este
“marzão” me lembrei de quando fizemos uma bela de uma aventura na ilha de
Hornos, ou melhor, rodeando o Cabo Horn, na terra do fogo. Um dia ele apareceu
no Grupo Escoteiro. Claro, foi um susto. Tinha mais de oito anos que não o via.
Eu já tinha casado com a Vovó e minha filha recém-nascida. Trabalhava muito em
meu escritório de engenharia. Não tinha mais tempo para essas aventuras que
amava e muito.
Justin me abraçou
efusivamente. – Meu amigo, você aqui no Brasil? Foi uma alegria. Todos no grupo se espantaram.
Apresentei Justin. Ele não falava português. Arranhou um espanhol e rimos
muito. À noite fomos a um barzinho e ficamos lá por muito tempo lembrando
nossas aventuras. Tinha convidados vários chefes, mas somente o Rael aceitou
ir. Os demais se desculparam. Já tinham compromissos. Rael era chefe de tropa.
Solteiro ainda, mas um perfeito cavalheiro. Professor de ciências em um colégio
na cidade. Escoteiro desde menino. Um conhecimento enorme de tudo que se pode
pensar em escotismo. Rael se encantou com as histórias que contávamos.
Justin não se fez de
rogado. Olhe, vim com meu pai. Veio a serviço. Como sabem é diplomata e deve
ficar aqui uns meses. Eu não. Pretendo voltar logo. Abrí um escritório de
acessória em viagens aventureiras e não posso ficar muito tempo. Sabendo que
poderia encontrá-lo não perdi o convite de meu pai. Meu motivo principal meu
amigo é que estou planejando uma atividade de arromba. Acho que já devem ter
lido sobre a lenda da embarcação-fantasma Holandês Voador. Não? Bem vou resumir
para não tomar muito tempo.
A lenda da
embarcação-fantasma Holandês Voador é muito antiga e temida como sinal de falta
de sorte e possui diversas versões. A mais corrente é do século XVII e narra que o capitão do navio se
chamava Bernard Fokke, o qual, em certa ocasião, teria insistido a despeito dos
protestos de sua tripulação, em atravessar o conhecido Estreito de Magalhães, na região do Cabo Horn,
que vem a ser o ponto extremo sul do continente
americano.
Ora, a região, desde
sua primeira travessia, realizada pelo navegador português Fernão de Magalhães, é famosa por seu clima
instável e suas geleiras, os quais tornam a navegação no local extremamente
perigosa. Ainda assim, Fokke conduziu seu navio pelo estreito, com suas
funestas conseqüências, das quais ele teria escapado, ao que parece, fazendo um
pacto com o Diabo, em uma aposta em um
jogo de dados que o capitão venceu, utilizando dados viciados.
Desde então, o navio
e seu capitão teriam sido amaldiçoados, condenados a navegar perpetuamente e
causando o naufrágio de outras embarcações que porventura o
avistassem, colocando-as dentro de garrafas, segundo a lenda.
O navio foi visto
pela última vez em 1632 no Triângulo das Bermudas comandado pelo seu capitão fantasma
Amos Dutchman. O marujo disse que o capitão tinha a aparência de um rosto de
peixe num corpo de homem, assim como seus tripulantes. Logo após contar esse
relato, o navegador morreu. Uns dizem que foi para o reino dos mortos; outros,
que hoje navega com Dutchman no Holandês.
Não sei se sabem,
mas o Cabo Horn é o ponto mais ao sul da América do Sul e pertence ao Chile, suas coordenadas
são 55° 59′ 00″ S, 67° 16′ 00″ O, no final da Terra do Fogo,
na ilha de Hornos.
Ele é ainda o limite norte do Estreito de
Drake, entre a América e a Antártida.
É também o divisor dos oceanos Pacífico e Atlântico. Os outros pontos extremos da América
do Sul são: ao norte a Punta Gallinas,
na Colômbia,
ao leste a Ponta do Seixas,
no Brasil, e a oeste
aPunta Pariñas,
no Peru.
O clima na região geralmente é muito frio, com
temperaturas médias de 5 °C. Os ventos são de 30 km/h em média, com
picos comuns de 100 km/h. As condições locais são muito rudes,
principalmente no inverno.
Tenho lido muito
sobre isso. Até do ultimo navio, um galeão inglês, que dizem abarrotados de
prata afundou próximo ao Cabo Horn em 1820, bem junto à ilha de Hornos. Não
precisam rir. Não tem tesouro nenhum, eu sei disso. Mas dizem que é o local
mais inóspito da terra. Poucos conseguem sobreviver lá. Mas muitos que lá vão,
juram de “Pé junto” ter visto a embarcação-fantasma navegando sem rumo, com o Capitão
Bernard Fokke ao leme, dando gargalhadas.
Claro, eu sei que é
lenda. Mas adoro uma lenda. Poucos conseguiram ficar mais de cinco dias na
ilha. Um ninho de cobras venenosas, escorpiões amarelos e a noite a temperatura
desce até os dez graus negativos na época de calor. E se conseguirmos ir, fazer
o caminho de Drake, ficar cinco dias, seremos os primeiros do movimento
escoteiro que conseguiram realizar essa bela aventura. Justin falava
entusiasmado. Vi que Rael tinha os olhos brilhantes. Sempre quando escoteiro
fazia mil e uma estripulias com sua patrulha.
Lembro que uma vez a
mãe dele procurou-me perguntando onde eles
tinham ido acampar. Não sabia. Não
me disseram nada. Nunca isso aconteceu. Estava me lembrando de um fato. Sua
patrulha tinha pedido para fazer uma jornada de bicicleta até Monte Alegre. Não
disse não e nem sim. Vamos ver na Corte de Honra e ver o que ela diz. A corte
foi contra. Achei que nossos monitores foram duros e não deviam ter vetado.
Notei em Rael uma decepção. Agora tinha certeza que ele e a patrulha já deviam
estar em Monte Alegre.
Não disse nada. Falei
com sua mãe que não se preocupasse. Estavam em Monte Alegre. Eu acreditava que
no domingo no mais tardar a noitinha eles estariam de volta. Dito e feito.
Chegaram rindo da aventura. Eu os esperava na sede. Quando me viram um enorme
susto. Conversamos muito. A patrulha ficou seis meses suspensa para atividades
sem chefia. Acho que aprenderam a lição.
Notei que os olhos do
"Velho" estavam se fechando. Ainda era cedo. Menos de meia noite. Mas
“cutuquei” o "Velho" e o convidei para irmos dormir. Ele nem disse
nada, saiu tropeçando e sumiu no seu quarto fechando a porta devagar. Minha
esposa já tinha se recolhido. Fui para a varanda. Uma bela vista do mar. Sem
lua. Mas as ondas batendo na praia me davam uma sensação de alegria e calma.
Também adorava o mar. Pensava comigo que quando me aposentasse iria morar em
uma cidade beira mar.
O "Velho" Escoteiro
e o segredo da ilha misteriosa – Fasc. 71
Por
entre as frias brumas de agosto,
Apareces carregando tua carga funesta!
Imponente!...Em silêncio... Tão morto!
Pelos mares - à deriva, navegas...
Acorrentados! Seguem meus sonhos contigo,
Encerrados lá no fundo do porão!
E riem como loucos um desvairado riso,
E perdidos pelas noites vão!
Apareces carregando tua carga funesta!
Imponente!...Em silêncio... Tão morto!
Pelos mares - à deriva, navegas...
Acorrentados! Seguem meus sonhos contigo,
Encerrados lá no fundo do porão!
E riem como loucos um desvairado riso,
E perdidos pelas noites vão!
Estás
condenado pelos mares a vagar!
E nas noites sombrias, sem estrelas!...Tão frias!
Navegas à deriva, sem nunca parar!
O bramir da tempestade meus gemidos sepulta!
E enquanto as ondas se elevam com fúria!
Navegas perdido, nas minhas loucuras!
E nas noites sombrias, sem estrelas!...Tão frias!
Navegas à deriva, sem nunca parar!
O bramir da tempestade meus gemidos sepulta!
E enquanto as ondas se elevam com fúria!
Navegas perdido, nas minhas loucuras!
As lendas, mitos e fábulas. São elas que nos transportam para os sonhos
e aventuras fabulosas
O dia amanheceu cinzento.
Mesmo assim o mormaço nos trazia uma sensação gostosa para dar nossa caminhada
nas areias brancas do mar. Poucas pessoas àquela hora. Também nas outras horas,
pois não eram férias escolares e poucos se arriscavam a passar uma temporada no
litoral. Antes das onze da manhã, a chuva fina começou a cair. Voltamos para o
chalé. Vovó e minha esposa estavam sentadas na varanda, ouvindo musicas que o
"Velho" ouvia, mas não gostava. Make Me A Friend, uma coletânea de
musicas cowtry que eu gostava muito, mas o "Velho" não.
Interessante que minha esposa
não tinha muitas amigas. Quase oito anos de casado e conheci poucas. Em seu
trabalho dizia que lá tem colegas. Amigos é outra coisa. Ela e a Vovó se deram
bem desde o primeiro dia. A Vovó acho eu, se dava bem com todos. Uma simpatia e
uma maneira tão educada para conversar que não tinha quem não ficasse seu amigo
na hora. As duas ficavam horas e horas conversando. Uma com mais de setenta
anos. A outra com menos de trinta.
Eu e o "Velho"
pegamos duas cadeiras de balanço, gostosas por sinal e também ficamos ali na
varanda vendo a chuva miúda caindo no mar. Ao longe o tempo escuro pronunciava
um dia inteiro assim. Tudo bem, não incomodávamos com isso. Ainda ficaríamos
oito dias descansando. O "Velho" fingiu que dormia, mas a cadeira de
balanço ia para frente e para trás. Interessante. A vida nos reserva surpresas
que nunca imaginaríamos. Há dez anos, nem sabia o que era escotismo, e nem
conhecia o "Velho". Dou risadas até hoje da primeira vez. Ele, sempre
ele com seu estilo inconfundível que me conquistou. Também me colocou no
escotismo, uma causa que abracei com orgulho.
O "Velho" abriu o
olho e sorriu. E aí? Disse – quer ou não quer saber o final da minha aventura
na ilha misteriosa? – também sorri. Claro "Velho". Você sabe que
estou “faminto” de suas histórias. Vais continuar? – O "Velho"
sorriu. Sabe disse – Saudades de uma boa cachimbada. Sempre o que é bom nos
privam. Dizem que é para o nosso bem. Que bem? Quero cachimbar e não posso e é
para o meu bem? Não disse nada. Tudo que devia ser dito já foi há tempos não só
por mim como pelo seu medico e a Vovó.
Para lhe dizer a verdade, eu
sabia que iria com Justin. – começou o "Velho" a sua narrativa. Justin
encerrou dizendo que não ficaria barato. O preço devido ao aluguel de um
pequeno barco que precisaríamos por seis dias e apetrechos necessários para uma
viagem dessas iria ter um gasto enorme, mas que poderíamos economizar em
outras. Justin disse que tinha experiência em navegação. Seu pai tinha um
pequeno barco e ele cruzava todo litoral americano há anos. Se tudo desse certo
nos encontraríamos no Chile, em Punta Arenas em 23 de setembro do próximo ano.
Se eu pudesse confirmar até julho seria bom. Pierre o Escoteiro francês já
tinha confirmado. Caso eu fosse, precisavam arrumar mais um. Quatro seriam o
numero ideal para dividir as despesas.
Justin partiu na semana
seguinte. Fizemos ótimos programas e fiz questão de ir com ele até o Pico do Itatiaia.
Fomos de carro até o museu e de lá a pé até o pico. Mais de quatro horas de
subida, mas uma vista maravilhosa. Rael estava conosco. Notei que ele sonhava
com a viagem. Fomos de uniforme e Justin estava com o seu. Um orgulhoso Boy
Scout of America. Dormimos lá aquela noite. Pela manhã de domingo regressamos.
Rael me confessou que queria ir. Ele faria tudo e o mais difícil não seria o
valor a ser gasto. Ele tinha umas economias (calculamos que sair do Brasil até
o Chile, pagar a taxa do barco e outras despesas, pelo menos uns cinco mil
dólares para cada um).
No mês seguinte Rael me disse
que iria. Afinal seria a aventura de sua vida. Não podia perder. Conversei com
a Vovó longamente. Ela nunca colocou empecilho em nada do que fiz. Sempre me
incentivou. Vá meu "Velho". Você sabe que eu não sirvo para isso, mas
é sua vida. Viva como ela deve ser vivida para você não se arrepender depois.
Tive que fechar meu escritório. Só tinha uma moça como estagiaria e muito nova
não daria conta do riscado. Coloquei uma placa na porta – “Escoteiro em viagem
pelo mundo” volto em quinze dias. Meus clientes já me conheciam.
Partimos eu e Rael no dia 22
de setembro. Chegamos a Punta Arenas a noite. Eu e Justin já havíamos combinado
o hotel. Ele estava lá com Pierre há uma semana. Ficamos até altas horas da
noite combinando tudo. Ele já havia alugado um pequeno barco. Bem não tão
pequeno. Uns 18 pés. Melhor uns seis metros por dois e meio. Uma cabine para
três. Uma pequena cozinha. Como tinha experiência e alimentação de campo, em
mesmo fiz uma lista e comprei tudo. Acondicionamos tudo no barco. Pierre e Rael
ficaram amigos logo. Um sempre ajudando o outro.
Partimos à tarde do dia 23 de
setembro. Um lindo dia. Um sol vermelho uma temperatura por volta de dezoito
graus. Justin disse que traçou um itinerário aonde iríamos primeiro a Ushuaia,
Canal de Beagle, Estreito de Magalhães e finalmente o Cabo Horn. Pelos seus
cálculos chegaríamos em dois dias. Foram dias maravilhosos onde passamos por
geleiras inimagináveis. Lindas. Não ficávamos próximo à costa.
No dia seguinte finalmente
chegamos ao Cabo Horn. Tivemos sorte com o
mar que não estava revolto como é
comum. Mas o clima não. Uma chuva fria e torrencial que alem dos ventos fortes
nos obrigou a ficar a distancia por mais um dia ancorados. Dizem que lá por
estar situado no estreito de Drake na Terra do Fogo, o Cabo Horn é o ponto mais
austral do mundo. Justin era um excelente navegador. Em hora nenhuma nos
colocou em perigo. Para dizer a verdade formamos uma patrulha ideal. Todos se
ajudando e descansando em escalas de seis horas.
No terceiro dia a chuva
diminuiu e o vento não passava de quarenta quilômetros por hora. Isso nos
garantiria um desembarque perfeito. Contornamos a ilhar e atrás de uns rochedos
dava para jogar ancora e com um barquinho pequeno chegar a terra. Pierre nos
contou que quando o vento passa de cento e vinte quilômetros hora a adrenalina
de algum navegador de outro século que experimentou passar por lá, chacoalha-se
tudo, seu estômago acompanha o movimento e pouco resistem.
Hoje eu sei que no Monumento
Cabo Horn, tem uma placa de metal com o formato de um albatroz, construído em
1992, uma homenagem à memória de muitos homens que desbravaram a região e
morreram lutando contra a forte correnteza é uma certeza de uma viagem feliz e
perfeita. Agora tem um lance de escadas o que não tivemos na época. Quando o
vento forte vindo da Patagônia sopra, é difícil manter o equilíbrio. Ficamos
perplexos com a paisagem. Bela e exuberante. Era uma sensação magnífica. A de
desbravar uma das extremidades mais almejadas do mundo.
Nosso plano era desbravar a
ilha. Ficar ali por cinco dias. Dormir sempre no barco. Justin conseguiu
manobrar o barco bem escondido, de modo que barcos ou navios que passassem não
nos avistariam. Assim poderíamos deixar o barco bem ancorado e explorar a lha a
vontade. Cada um imagina o que pode ser considerado como o fim do mundo. Pensa-se
um lugar isolado, cenário inóspito, horizonte vazio, e agora eu não via assim.
Sabia que era o ponto de encontro entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Nada a
ver com a lenda de que era o último pedaço de terra habitado no extremo sul
antes de se chegara antártica.
Com a construção do canal do
Panamá, que se iniciou em 1880 e só terminou em 1914 a rota dos navios se
alteraram. Antes a rota alternativa era contornar o Cabo Horn. Agora poucas
embarcações passavam por ali. Com seus 81 quilômetros o canal do Panamá era
perfeito para os encontros entre o Pacífico e o Atlântico. Durante três dias
passávamos o dia em terra voltando à tarde para o nosso barco. Só um dia
avistamos um barco turístico que passou a mais de dez quilômetros da ilha.
Cada dia um espetáculo a
parte. A dança dos golfinhos, dos tubarões e de uma enorme baleia azul que se
deliciou a dar duas voltas na ilha. A vegetação era rasteira e para dizer a
verdade só vimos uma pequena cobra, que tentei identificar, mas a duvida se
manteve. Poderia ser um pequeno coral, mas sabia que as corais eram sempre
enganadoras. No Brasil a chamamos de falsas corais. Passamos ao largo. Não
pretendíamos matar nenhuma. Estávamos em seu habitat. Ela tinha todo o direito
na ilha. Os pássaros eram outro espetáculo a parte.
No quarto dia acabou nossa
tranqüilidade. Um barco de uns cem pés aportou na ponta da ilha. A uns dois
quilômetros onde estava nosso barco. Ficou ali toda a manhã. Com o binóculo
militar do Pierre vimos muitos homens armados no convés. Às duas da tarde em um
pequeno escaler de três bancadas percorreram a distancia do barco até a ilha.
Aportaram em outra extremidade. Vimos que varias caixas foram descarregadas.
Não vimos onde as levaram. Fizeram bem umas oito viagens. Todas carregadas com
as caixas.
Pararam a noite e pela manhã
continuaram. Para dizer a verdade acredito que mais de sessenta caixas. Por fim
partiram. Na noite anterior resolvemos dormir na praia. Sobre a areia. Um frio
de rachar, mas achamos que se fossemos para nosso barco poderíamos ser vistos.
Ainda bem que a temperatura não baixou os seis graus. Achei que não ia agüentar
e pela manhã quando o sol apareceu rimos. Quando eles se foram rimos mais. Rael
achou que devíamos saber que caixas eram aquelas. Dólares? Ouro? O que seria?
Custamos a encontrar uma
pequena abertura na encosta sul da ilha. Pequena mesmo. Bem escondida. Se não
fossemos escoteiros e tivéssemos bons conhecimentos de pistas jamais
encontraríamos. Rael era bamba. Pegadas, folhas amassadas, enfim uma infinidade
de pistas que só ele mesmo para descobrir. Mais de cem degraus em pedra bruta
nos levou a uma gruta enorme. Um pequeno riacho passava de norte para sul. Nem
sinal das caixas. Procuramos por hora. Já estava desistindo quando Pierre
descobriu uma pequena pedra que levava a outra abertura.
Lá estavam as caixas. Tinha
mais. Não eram somente as que eles trouxeram nestes dois dias. Fiquei com medo
de abrir. Justin não. Ele e Rael abriram uma. Uma enorme surpresa. Não eram
dólares nem ouro. Armas. Uma enorme quantidade de armas que nunca tínhamos
visto. Algumas de aspectos tão sinistros que daria para imaginar um tiro com
ela. Olhei para Pierre, olhamos uns aos outros. Saímos Dalí logo. Estávamos
mexendo com fogo. Correndo um grande perigo. Saímos da ilha, pegamos nosso
barco e partimos. Era para ficar mais dois dias. Abreviamos. Chegamos a Punta
Arenas dois dias depois. Uma forte tormenta nos pegou no caminho. Se não fosse
Justin acho que teríamos soçobrado.
Nem bem chegamos Justin
telefonou ao seu pai. Ele mandou que nos dirigíssemos a Santiago do Chile e
procurássemos a embaixada americana. Eles já nos esperavam. Ficamos horas
explicando. Pierre e Rael eram bons em mapas e croquis. Uma unidade da marinha
americana partiu para a ilha. Não fomos. Eu e Rael voltamos para casa desta vez
a bordo de um jato da Força Aérea Americana. Despedi de Justin, de Pierre.
Lagrimas nos olhos. Mais uma grande aventura.
Dois meses depois, no Grupo
Escoteiro recebemos a visita de um cônsul americano acompanhado de autoridades
brasileiras. Mais precisamente um brigadeiro da FAB. Na frente de todo o grupo,
deram a mim e ao Rael uma medalha de agradecimento. Junto uma águia feita de
prata, com a bandeira americana. Bem éramos brasileiros, mas se estavam nos
agradecendo tudo bem. Justin nos telefonou um mês depois. Uma grande quadrilha
de contrabandistas de armas. Faziam parte até um general e cincos oficiais do
exército americano. A quadrilha era chefiada por um europeu.
Disse também que as armas
eram para um país africano e se fossem entregues uma enorme carnificina iria
acontecer. Seu pai não quis dar conhecimento à imprensa de quem tinha
descoberto tudo. Para nos salvaguar. Poderíamos ter represálias ou vingança.
Não se sabe. Pela sua voz vi que havia gostado da aventura. Ele até deu um nome
a aventura que fizemos O Segredo da Ilha Misteriosa. Não avistamos o Capitão Bernard
Fokke ao leme de seu navio fantasma. Nem descobrimos nenhum tesouro, mas
tínhamos encontrado a ilha mais misteriosa e linda que já tinha visto.
Hoje sei que turistas estão
a visitar a ilha diversas vezes ao ano. Tudo foi melhorado. Navio de grande
porte de volta da antartida passam por lá. Contam histórias aos passageiros que
se assustam, mas ninguém acredita. Gostaria de ter visto a embarcação fantasma Holandês
voador. Não vi. Mas vi golfinhos, tubarões, balelas azuis, milhares de peixes
nos arrecifes, um mar maravilhoso, grandes geleiras formando incríveis icebergs.
Eu sabia que tudo era uma lenda, mas que lenda maravilhosa.
Passaram-se anos até que vi
Justin de novo. Em um acampamento que fiz com uma patrulha de monitores do
grupo em Papricantis Neandertalis. Uma pequena cidadela entre o Chile e o
Brasil. Pesquisadores, cientistas, parapsicólogos e curiosos dizem que lá foram
encontrados resquícios históricos jamais imaginados. Ninguém dizia que
resquícios eram esses. Mas a patrulha sênior quando contei logo gritaram –
Vamos lá! Era sempre assim. Como eu também se tornaram aventureiros. Não foi
surpresa encontrar lá acampado Justin e Pierre. Velhos amigos se encontrando,
mas esta é outra historia.
O sol começou a brilhar no
horizonte. O "Velho" parou sua narração. Vamos? Disse – Vamos! Eu
disse. E lá fomos nós para a praia, onde centenas de gaivotas nos acompanhavam
com seu barulho infernal. Ao longe avistamos o porquê. Pescadores estavam tirando
a rede do mar e elas estavam abarrotadas de peixes. Olhei para o
"Velho". Ele olhava a frente. Seus olhos brilhavam. Oitenta e seis
anos. Uma vida cheia de aventuras. Historias mil para contar. É
"Velho". Eu te amo. Você entrou na minha vida e nela irá permanecer
para sempre.
O MAR QUE TIVE POR LEMBRANÇA
No mar, balança o óleo e não se acalma!
Agonizo n’água!...Sou ave pequena!
O negror do óleo devora a minha alma,
Meus ossos!...Até as minhas penas...
Inda arrisco um curto esvoaçar...
Um vôo breve... Ó expectativa vencida!
E caio n’água, no negror do mar!
Do óleo que desfez - em mim -, a vida...
Enegrecido o bico... Tão grande é a dor!
Agonias chilreando pelos ares!
Foi o eco que o negror do óleo deixou...
Engolfa o Golfo o negro óleo que avança!
E engolfando todas as aves!
Engolfa o mar que tive por lembrança...
Lusos poemasAgonizo n’água!...Sou ave pequena!
O negror do óleo devora a minha alma,
Meus ossos!...Até as minhas penas...
Inda arrisco um curto esvoaçar...
Um vôo breve... Ó expectativa vencida!
E caio n’água, no negror do mar!
Do óleo que desfez - em mim -, a vida...
Enegrecido o bico... Tão grande é a dor!
Agonias chilreando pelos ares!
Foi o eco que o negror do óleo deixou...
Engolfa o Golfo o negro óleo que avança!
E engolfando todas as aves!
Engolfa o mar que tive por lembrança...