Escolher o dia. Apreciá-lo ao máximo.
O dia como ele vem. As pessoas como elas vêm. O passado, eu acho, me ajudou a
apreciar o presente, e eu não quero estragar nada disso por idealizar um
futuro.
Era uma vez... Um
"Velho" Chefe Escoteiro. (Fasc. 080)

Ele levantou e vi que
estava sério cabisbaixo e pensativo – Sem me perguntar nada começou a falar –
Será que valeu a pena? Tenho me perguntado quase todos os dias. Será que valeu
a pena? Minha vida poderia ter sido outra. Quem sabe seria bem melhor? – Não
estava entendendo o "Velho" Escoteiro. – Ele continuou – Você me
conheceu já adulto. Ficamos amigos. Hoje é praticamente o único amigo que eu
tenho. Nasci aqui neste bairro, nesta casa, e quantas e quantas pessoas um dia
entraram por esta porta, sentaram nesta poltrona. Onde estão eles? – Dos que
cresceram comigo no escotismo eu sei que resta dois ou três que se arriscam a
me visitar. Daqueles que fiz ser alguém no Grupo Escoteiro se os quiser ver
tenho que ir lá ao grupo. Lutei em todas as frentes possíveis para ver o
escotismo ser reconhecido pela nossa sociedade brasileira. Dei cursos, dirigi
seminários, fiz milhares de palestras por todo país.
- Houve uma época que
nós os adestradores tínhamos força na liderança nacional. Um dirigente que
ainda não participava junto com outros mudou os estatutos e o regimento e nos
deixou de fora. Sei que hoje eles não se incomodam com isto. Se sentem
satisfeitos com o “modus vivendi” que mantem entre si. Claro formaram uma
“casta”. Quando tinha forças eu participava nos Congressos que resolveram
chamar de Assembleias. Adoram mudar. Depois não deram mais ouvido a ninguém.
Tento achar uma explicação para entender o que fizeram e até hoje ainda sou um
pensante sem ação. Chegaram a uma conclusão tal que as mudanças foram em
séries. Tudo aquilo que demorou anos para ser criado, efetivado e se tornado um
hábito de comportamento foi alterado.
- É meu amigo. A gente
vai vivendo e vendo horrorizado isto que vem acontecendo. E impotente. Uma vez
um Escotista teve a audácia de me dizer que existia o lugar próprio para
reclamar, sugerir e mudar o que se fizesse necessário. Falar o que para ele?
Que participei dezenas de vezes, que tudo ali já tinha sido discutido e
aprovado em quatro paredes, que esta conversa de ter voz e voto não tem nenhum sentido
lá? E veja meu amigo. Com uma tacada acharam que deveriam mudar o programa.
Acharam. Meia dúzia achou. Ninguém foi consultado. A escoteirada? Passaram
longe. Tudo bem. Se queriam mudar que mudassem, mas não, atrás do bem mais
precioso que todo Escotista ou Escoteiro daquela época lutaram para conseguir
eles acabaram com tudo. Lá foi a primeira e segunda estrela. Lá foi a segunda e
Primeira Classe. Lá foi as eficiências seniores.
- As bandeirantes tem uma lei federal em
que diz que só ela pode ter meninas no escotismo. O maioral na época fingiu uma
aproximação e numa só tacada colocou as moças na associação. Até aí não
discuto. Acho que foi uma das boas coisas que aconteceram. E se não fossem
elas, nosso efetivo que eles alardeiam estar crescendo estaria pela metade. Observe
que elas crescem e os meninos diminuem. Não contente começaram a mudar também
normas e hierarquia. Enquanto no país onde começou o escotismo ainda tem o Comissário
e o Escoteiro Chefe aqui não. Mudaram para presidente e diretor. E assim foram
mudando. Mudaram a flor de lis, mudaram coisas que interpretávamos como
imutáveis tais como a trilha, a rota a ponte e continuam mudando. Não duvide se
um dia mudarem a promessa. Já ouvi buchichos que vão substituir os deveres para
com Deus. Pode isto? Claro é só buchicho.
- Olhei para o
"Velho" Escoteiro. Vi que ele estava triste. Precisava desabafar.
Esqueci a hora. Precisava ficar ali com ele. – Sabe meu amigo continuou – Dizem
que quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente
controla o passado. Você eu sei pensa assim também – Não disse nada. Fiz um
gesto com a cabeça. Bob Marley foi inteligente em dizer que um povo sem conhecimento,
saliência de seu passado histórico, origem e cultura, é como uma arvore sem
raízes. Ninguém mas ninguém mesmo disse alguma coisa nos últimos trinta anos.
Acostumaram. Não estranham. Sei que agora existe uma revolução silenciosa se
movimentando. É bem melhor que aquela que nada fazia ou dizia.
- O pior meu jovem amigo, é
que muitos que estão a mudar não têm nenhuma experiência no assunto.
Idealizaram, raciocinaram discutiram com alguns e pronto. A mudança veio. Se de
uma época a BSA que é a quem dirige o escotismo americano quando decidia mudar
alguma coisa sabe o que faziam? Pegavam quatro ou cinco tropas, pois lá não tem
o Grupo Escoteiro como unidade e fizeram experiências por anos e anos, com
profissionais escoteiros observando e depois vendo o resultado com o jovem já
adulto. Aqui? Mudam a bel prazer. Amanhã é assim. Conto a dedo estes membros do
CAN e do DEN e claro os formadores que podem dizer que adquiram experiência nos
seus grupos de origem. Eu conheço muitos que nunca os vi em atuação e quando
assim o fizeram não tiveram o sucesso que se esperava. Hoje alardeiam
conhecimentos que não passam de mera retórica.
- O "Velho" Escoteiro
parou de andar. Ele agora sentado estava de cabeça baixa. – Eu já contei para
você que entrei como lobinho. Fui Escoteiro e Monitor. Fui Sênior e Pioneiro.
Rodei meio mundo. Os amigos que fiz no exterior aqueles ainda vivos nunca
deixaram de me escrever. Não posso reclamar. Tive grandes aventuras. Você sabe.
Já acampamos juntos quando resolveram fazer uma jornada sem me convidarem. Eu
me convidei. E se não fosse eu teria entrando bem no caminho escolhido. Eu vi jovens crescerem. Eu vi jovens na
comunidade. Eu vi jovens que retornaram ao movimento Escoteiro e hoje se pode
acreditar no escotismo que estão fazendo com suas sessões. Não adianta nada
alardear conhecimentos se na prática não se fez nada daquilo.
- Sabe meu jovem amigo, acho
que eu vou mudar. Vou me dedicar a outra coisa. Acho que vou escrever artigos
que falam do Brasil, de outras nações e nunca mais de escotismo. O
"Velho" Escoteiro parou de falar. Eu sabia que suas palavras eram
bazófias, mas sabia também que tínhamos muitos dirigentes e formadores
fanfarrões. Não eram a maioria, mas sabiam onde colocar o dedo e criar novas
situações em suas jornadas e em seus cursos da vida. – O "Velho"
Escoteiro fez o que quase nunca fazia. Deu-me boa noite, chamou a Vovó que
também se despediu de mim e subiram abraçados a escada. Eu me considerava da
família. Tinha uma chave da casa. Saí, tranquei a porta e uma chuva torrencial
começou a cair. Fui correndo para minha casa a pé. Não deu tempo de pensar e
analisar as palavras do "Velho" Escoteiro. Fica para outro dia. Boa
noite "Velho" Escoteiro. Boa noite Vovó.