Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O Céu me trouxe alguém. O meu amigo Carlos. Mais que um amigo.


O Céu me trouxe alguém.
O meu amigo Carlos. Mais que um amigo.

                  Hoje está fazendo 53 anos que ele morreu. Partiu assim sem me dizer adeus e só fiquei sabendo duas semanas depois. Muitos têm sua própria definição de amigos. Cada ser humano tem um deles para dizer que foi especial. Costumo me perguntar o que significa ter um amigo. Tive dezenas ou centenas deles no passado e hoje no presente. Todos eles têm um lugar especial em meu coração. Mas Carlos foi diferente. Engraçado quando pensamos que o destino nos deu um presente e outras vezes ele mesmo nos tira o que amamos é hora de pensar se valeu. Para dizer a verdade nunca soube seu nome completo. Só Carlos o Escoteiro. Ficamos amigos durante três anos e meio e depois nos separamos para nunca mais nos encontrarmos. Não era amigo de infância. O conheci com 20 anos e ele também com esta idade. O que aconteceu o que fizemos nunca em tempo algum eu apaguei da memória.

                            Cheguei na Usiminas em meados de 1961 de mala e cuia, meu chapéu e meu uniforme Escoteiro pendurado em uma sacola, para começar uma nova vida de peão de obra. Assustei com aquele bando de gente indo para um lado e outro. Soube que eram mais de 25.000 peões e funcionários zanzando e trabalhando para montar e fazer funcionar uma usina Siderúrgica e para o sustento seu e ou de sua família. Deram-me um alojamento de madeira, oito beliches, homens que nunca tinha visto, mas como bom Escoteiro transformei em minha mente em uma  barraca para que pudesse seguir meu programa de trabalho. No primeiro dia no Alto Forno I conheci o Francisco. Claro que papudo logo falei do escotismo. Ele com aquele sorriso bonachão me disse que nunca foi, mas conhecia um que só falava “naquilo”!

                           Uma semana depois me foi apresentado. Se existem irmãos escoteiros vindos de outra vida eu e ele logo nos tornamos mais que isto. Ele em um horário eu em outro. Procuramos um alojamento onde podíamos ficar juntos, pois amava falar nos escoteiros e ele também. Ele Liz de Ouro e eu Primeira Classe. Ele me disse: Osvaldo, precisamos voltar às origens. Concordei. O Francisco morava em Melo Viana, um distrito de Coronel Fabriciano. – Porque não procuram o Padre Nonato? Tenho certeza que vai vibrar com a ideia. – Dito e feito. Dois meses depois surgiu o Grupo Escoteiro Tapajós (existe até hoje em Coronel Fabriciano). Mudamos para uma pensão no distrito. Abrimos um portal entre seu quarto e o meu. Enfeitamos as paredes com fotos, lembranças, com arco e flecha, com fotos de B.P com lenços escoteiros e uma parafernalha de trecos escoteiros e claro uma bandeira Nacional.

                          Fiz escotismo em cinco Grupos. Não sei se o Tapajós foi o melhor. Quantos acampamentos? Quantas atividades? Quatro salões enormes próximo ao cemitério em frente a um campo de futebol. Carlos fez de um salão o protótipo de uma Gruta na Jangal e olhem, lobos novatos tinham uma mística para entrar. Carlos era e foi para mim um dos maiores conhecedores do Lobismo. Até hoje nunca esqueço as cinco noites acordadas para decidir a cor do lenço, o nome do Grupo, o Hino, e o Grito. Dizem que até hoje lá em Fabriciano a escoteirada ainda repete a tradição. Tudo que é bom dura pouco. Carlos sentia que havia uma perseguição aos peões por parte da diretoria da usina e dos Guardas internos. Entrou para o Sindicado. Veio o Golpe de 64. Militares assumiram o poder. O inicio do fim começava a acontecer.

                           Estava em Belo Horizonte com a Célia já  casado e um filho aproveitando uma folga de oitenta horas. Guardas, militares por todo o lado e precisava voltar ao trabalho. – Voltei dois dias depois. Trens lotados de prisioneiros rumo a capital. Cheguei em Fabriciano e um amigo me disse que eu devia me esconder. Estava sendo procurado. Disseram que o Grupo tinha um lenço vermelho e as reuniões eram para formar meninos com ideias comunistas. Fui para Valadares na casa de minha sogra. Voltei uma semana depois. O Carlos desapareceu. Ninguem sabia dele. O Zé Pontes o Presidente do Grupo me disse que foi preso e levado para o DOPS da capital. Voltou um mês depois. O Grupo estava um esqueleto do que fora antes. Pais com medo, chefes se afastando com medo de serem presos.

                            Carlos me procurou naquele sábado em minha casa. Contou chorando o que aconteceu. Preso em BH queriam que ele confessasse qual era a sua “Célula”. – Que Célula? Deu sua palavra de Escoteiro e riram dele. Foi torturado, retiraram uma unha da mão com alicate. Ele gritou de dor e eles rindo. Soltaram-no na Estação o mandando desaparecer. Disse-me que ia embora. Voltar para sua velha Juiz de Fora. Ficamos várias noites conversando sobre o nosso futuro. Fiquei mais seis meses na usina até que me demitiram. Uma história para contar. Sem dinheiro, nenhum amigo para ajudar. Ele já tinha partido. Com muito custo consegui um empréstimo, pois a usina só me indenizava após entregar a casa que morava.

                             Dois chefes me prometeram que o Grupo não ia fechar as portas. Um mês depois soube da morte do Carlos. Comprou com a indenização um Karmann Guia e no trevo da BR 040 uma carreta passou por cima do seu veículo. Estava sozinho e morreu sozinho com menos de 27 anos de idade. Perdi um amigo, perdi um irmão. Cada um vai seguindo sua trilha programada aqui na terra. Daqueles que apertamos as mãos, viajamos mundo afora em busca de aventuras se existem devem ser poucos. Eu continuo esperando a chegada do meu trem na próxima estação do meu destino. Lá se foram o Carlos, o Zé Pontes, o Lucio, o Dutra, o Dimas, o Nonato, o Romildo, o Jessé o Tãozinho e tantos outros marcados em meu coração para sempre. Não posso esquecer do meu compadre Wander e minha comadre Lucia.

                             Outros também se foram, e o mundo continua girando. Porque estou dando um relato do meu passado? Porque hoje ele poderia estar vivo e conversando tête-à-tête ou pela internet a lembrar os bons tempos que já se foram. Ontem ao repousar para mais uma noite aqui na terra me pareceu que ele me cumprimentou como fazia: - Oi Osvaldo, levanta, tá na hora de escoteirar! Foi dele o termo escoteirar. Se sonhei com ele não me lembro. Acordei com uma sensação de bem estar. Breve estaremos juntos em uma estrela qualquer do céu. Aquela turma da Patrulha Lobo, aquela turma das jornadas, das atividades incríveis que fizemos juntos muitos já partiram. Até mesmo amigos virtuais que nunca apertei a mão e nem dei um abraço tenho certeza que iremos fazer muito escotismo no céu.


                            Ah! Quantas histórias. Quantas lembranças. Umas ficam marcadas e a gente quando lembra a saudade bate fundo e os olhos ficam molhados como a lembrar que valeu. Escotismo é assim, traz amigos que entram em nosso coração e ali ficam para sempre!    

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