Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

As aventuras de Juliano e a Jaguatirica Amarela do Pântano do Demônio.


Lendas Escoteiras.
As aventuras de Juliano e a Jaguatirica Amarela do Pântano do Demônio.

           A noite chegou mansa. A fumaça naquela clareira se misturava com o orvalho que soprava de leste para oeste. A pequena brisa da tarde ainda trazia em nossas faces o frescor da primavera. Gil tinha feito uma sopa de macarrão com batata nos “trinques”. Ao lado do fogão tripé, um bule negro de alumínio fazia nosso café noturno borbulhar. Estávamos em cinco. Éramos sete na nossa Patrulha os Tigres Brancos. Agora cinco, eu, Nuno, Gil, Denis, Tiago o Monitor. Maneco e Toninho não vieram. Estavam com caxumba. As duas barracas de meia lona já estavam armadas. Nossas tralhas preparadas para dormir. Estávamos na estrada há dois dias. Um acampamento volante de quatro dias. O Chefe Gustavo nos encarregou de visitar o sitio do Padre Totonho, que agora aposentado da igreja vivia ali seus últimos dias. O convite partiu dele. Quase quinze quilômetros de jornada. Se achássemos um bom lugar, devíamos fazer um relatório e um croqui. Fácil. A Patrulha tiraria de letra. Para chegar lá Denis ficou encarregado do Percurso de Giwell.

             Nuno logo tirou sua gaita cromática da mochila. Ele tocava maravilhosamente. Dominava bem todas as musicas escoteiras e tocava divinamente a Canção ada Despedida. Enquanto ele tocava meus pensamentos viajavam nas dezenas de conversas ao pé do fogo que participei. Algum tempo depois, jogando conversa fora Gil me pediu que contasse de novo a viagem com meu pai no Pântano do Demônio. – Mas já contei duas vezes, falei! – Mais uma, insistiu. Acho que Nuno e Tiago ainda não ouviram. Era uma história real. Aconteceu quando fiz onze anos. Ou seja, há três anos. Não sei se me traziam boas lembranças, Como insistiram contei novamente. Eu sempre gostei de contar histórias. Estávamos sentados em um tronco seco, que já estava ali. Nosso fogão Tripé chamuscava com suas fagulhas as árvores em volta; Sabíamos que lá pelas doze do dia seguinte chegaríamos. Ouvi o canto de uma coruja que “sustava” a nos olhar com seus olhos negros reluzentes Eu sempre amei os animais pássaros e plantas. Nunca fiz maldade com nenhum. Só quando precisávamos matar a fome. Diferente do meu pai. Eu gostava muito dele, mas ele adorava caçar. Nunca me deu chance de dizer para ele que era errado. Um dia li em algum lugar que nós seres humanos estamos na natureza pra auxiliar o progresso dos animais, na mesma proporção que os anjos estão para nos auxiliar. Portanto quem chuta ou maltrata um animal é alguém que não aprendeu a amar.

              Meu pai tinha uma sala separada da casa aonde guardava seus troféus de caça. Na parede ele tinha cabeças empalhadas de Tamanduá Bandeira, Queixada, Jacarés, Ariranha, Cachorro do mato lobo Cinzento, Veado-galheiro e outras dezenas. Eu gostava de olhar a Arara Azul, linda. Não concordava com ele pois sempre gostei de ver as aves voando e os animais soltos nas campinas ou florestas. Lembro-me do Pintassilgo na Mata do Riacho Grande que eu chamava de Doce de Coco, e sempre voava até meu ombro. Eu podia correr cantar, armar barraca, fazer pioneirias e lá estava o Doce de Coco no meu ombro. Todos ficavam abismados. Ele não ia ao ombro de ninguém. Na minha mochila sempre tinha um pouco de alpiste e ele adorava. Não só ele como dois Tico-ticos amarelos que vinham comer em minha mão. Ajeitei-me melhor no tronco, peguei minha caneca e tomei um cafezinho. Gil serviu alguns biscoitos em um prato. Respirei fundo e comecei a contar minha história. Uma das minhas preferidas: - Vocês conhecem meu pai, comecei. Eu o amo muito, mas ele gosta de caçar. Sempre se achou um grande caçador. Soube que quando jovem fez um Safari na África. Ele sabe do meu amor pelos bichos. Não me condena. Sei que gosta muito de mim e quase não me conta suas histórias, suas jornadas, suas aventuras de caçada nas selvas brasileiras. Uma vez me contou que esteve no Alto Amazonas. Não conseguiram caçar nada. Ele, seus amigos Zé Barrica e Zoroaldo o Barbeiro foram aprisionados pelos Kalapálos. Não entrou em detalhes. Só contou que uma unidade de selva do exercito brasileiro os soltaram. Um dia meu pai me chamou até a sala de Troféus. Foi então que me fez o convite.

                 - Juliano, mês que vem eu o Zoroaldo e O Zé Barrica, iremos fazer uma caçada no Pantanal do Mato Grosso. Zoroaldo vai levar seu filho Dondinho. Ele já fez dezoito, mas pensei em convidar você. Sei que não gosta de caçada, mas vai amar o lugar. E olhe meu filho será minha última caçada. Você não precisa matar nenhum bicho. Prometo que vai gostar do lugar. É lindo. Iremos comer pela manhã um Sarrabulho, um prato delicioso, vai beber o Tereré, servida em cuia, e farei para você um caldo de piranha pantaneiro que você nunca mais vai esquecer. Dê-me este prazer meu filho. Adoraria sua companhia. Iremos de avião até Corumbá, fica a margem esquerda do Rio Paraguai. Faz fronteira entre o Paraguai e a Bolívia. De lá iremos de Chalana, subiremos o Rio Paraguai até a Serra de Albuquerque. É lá que iremos encontrar a Jaguatirica, um gato do mato, considerado um dos maiores felinos do brasil.

                    Fiquei pensando naquele convite. Dizer o que? Um pedido do meu pai? Nunca ele me pediu nada. Nunca pensei em vê-lo atirando em um animal qualquer. Mas negar? Afinal seria uma viagem maravilhosa. Eu Escoteiro de Primeira Classe teria oportunidade de aprender muitas coisas. Disse sim ao meu pai. Nunca tinha viajado de avião. Foi fantástico. Fiquei na janelinha. Que coisa maravilhosa meu Deus! Chegamos pela manhã em Corumbá. Ficamos em uma pensão que meu pai já conhecia as margens do Rio Paraguai. À tardinha meu pai e seus amigos compraram tudo que precisavam. Iriamos ficar cinco dias na Serra do Albuquerque. Acamparíamos as margens do Pântano do Demônio. A viagem na Chalana do Capitão Traíra foi de tirar o folego. À tardinha desembarcamos próximo a Serra de Albuquerque. Não demorou duas horas e chegamos ao Pântano do Demônio. Armamos as barracas fiz um fogão tropeiro meu conhecido de longa data. Achei uns troncos finos e entrelaçados deram bons bancos para nós quatro sentarmos. Fui dormir tarde. Eu não sabia das qualidades do meu pai em conhecer a natureza, ao belo por do sol, e principalmente da esfera celeste.

                  Levantamos cedo. Meu pai me disse que ficasse no campo. Ele o os outros iam atrás da Jaguatirica. Na beira da lagoa acharam suas pegadas. Ele disse que era questão de horas. Não foi preciso muito. Viram uma picada a sul do acampamento e eis que uma bela Jaguatirica apareceu. Imponente. Enorme. Toda rajada de amarelo. Não era uma, mas duas. Um casal. Vi que a fêmea estava prenha e o perigo era grande. Meu pai estava com sua Winchester 44 sem balas e os outros também. Não esperavam que elas aparecessem assim. Meu pai assustado gritou para mim – Corra Juliano, corra muito! Vai ser uma carnificina a quem ela pegar primeiro! Olhe, era um belo animal. Olhos grandes, um felino que devia pesar uns sessenta quilos ou mais. Só o pulo dela daria para jogar no chão cinco homens adultos. Não corri. Não era meu feitio. Nunca tinha visto nada igual, mas caminhei em direção a elas calmamente. Meu pai gritou. Zoroaldo, Zé Barrica e Dondinho sumiram no meio do mato.

                  Abri os braços e sorri para elas. Meu pai não estava entendendo nada. A fêmea se aproximou de mim. Lambeu minhas mãos. E depois deitou aos meus pés. O macho ainda desconfiado. Mas chegou mais perto e pude acariciar seu pelo liso e isto me trouxe uma enorme felicidade. Ambas deitaram aos meus pés. Sentei na grama. Fiquei ali acariciando e falando baixo. Meu pai não se aproximou. Acho que naquela hora acreditou que eu tinha pacto com o demônio. Só podia ser para fazer aquilo. Zé Barrica, Zoroaldo e Dondinho estavam estupefatos. Fiquei ali bons minutos com as duas Jaguatiricas. Depois elas se levantaram e foram embora calmamente. Não houve tiros. Meu pai desistiu. Disse para mim que nunca mais iria dar um tiro em um animal. Falei para ele baixinho o que tinha lido há tempos sobre matar os pobres dos animais – Pai, eu li que os animais selvagens nunca matam por divertimento. O homem é a única criatura para quem a tortura e a morte dos seus semelhantes são divertidas entre si.

                 Ficamos lá quatro dias. Maravilhoso. A mata era de tirar o folego. Olhe, sem mentiras, mas outras Jaguatiricas apareceram para brincar comigo. Voltamos pela mesma Chalana do Capitão Traíra. Foi um dos mais lindos passeios que realizei. Dali em diante eu e meu pai mantivemos uma amizade que nunca pensei em ter com ele. Parei de contar a história. Gil, Nuno, Denis e Tiago me olhavam com espanto e admiração. Sabia que um dia iriam pedir para eu contar novamente. As lembranças seriam eternas. Nunca iria esquecer a grande aventura que realizei com meu pai. Fomos dormir. Cedo levantamos e partimos. Muitos sonhos na mente e no coração. Eu gosto do escotismo. Amo tudo que faço. Adoro de coração acampar, viver ao ar livre. Sou mesmo amigo dos animais. Queria vê-los todos eles soltos, os pássaros no céu cantando alto. Quem sabe uma Jaguatirica para brincar comigo nos meus acampamentos da vida? Isto é escotismo. Sempre disse aos meus amigos e a todos que encontro. Escotismo? Sim, uma maneira de ser 

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