Lembranças do Velho Chefe
Escoteiro.
Saudades do meu Balu
Não sei por quê. Já se passaram
tantos anos e ele me veio à lembrança. Todos nos o chamávamos de Balu, ele
tinha um sorriso enorme, uns olhos negros brilhantes, não era gordo, não tinha
bigode e nem barba. Quando chegava ao grupo se aproximava da gente com o andar
do Urso da Selva, e sorria... Que sorriso lindo – Lobos! Melhor Possível!
Melhor Balu, melhor e melhor! E a gente corria para ele, pulava em suas costas
e ele caia pelo chão rolava com a lobada para lá e para cá. Em toda minha vida
de lobo, eu amava minha Alcateia, ali eu sonhava como se estivesse na Grande
Selva de Mowgly. As histórias que Akelá contava a maneira da Baguera pulando e
contando, e a Kaa se enroscando no chão, nas árvores me transportavam junto ao
Lobo Gris e seus irmãos para dentro da floresta. Mas o Balu era diferente, ele
ensinava a gente a subir em árvores, a descer pela corda a correr, a nadar e
mergulhar no lago sem incomodar as rãs.
Balu oh! Balu! Onde
anda você hoje? Sei que estou Velho, alquebrado já não sou mais aquele menino
de outrora, quando sentava na sua barriga e você fingia que boiava no lago das Tartarugas,
quando me ensinou a tirar espinhos, quando me ensinou a comer os frutos bons.
Balu! Que saudades! Nunca esqueci o canto do Louva Deus, o canto da Cotovia, a
maneira dos pardais quando acordavam nas madrugadas e voavam em círculos em
barulhos gostosos de ouvir. E como você imitava os macaquinhos prego a chamar
sua prole, e sabe Balu nunca esqueci quando você me contou que Mowgly foi
raptado pelos Bandarlogues, os macacos sem lei e pouco asseados e o levaram
pensando que ele conhecia o segredo do fogo. Era um segredo dos homens. E sabe
Balu sei que você, a Baguera e a enorme serpente libertou Mowgly. Você Balu se
disfarçou de macaco e dançou até encontrar o Rei Lu. Eu sei Balu que o Rei Lu
tentou impedir que salvasse seu amigo Mowgly.
Oh! Balu quantas
coisas lindas você me ensinou e contou? E quando eu fiquei doente sem poder ir
na escola e foi você meu querido amigo quem me ajudou. Saia altas horas do seu
emprego de vigia e ia a minha casa me ensinar. Sabe Balu você era um vigia
Professor. Lembro-me de sua mãe dona Mercedes cozinheira da família Borges, que
o amava mais que tudo. Chamavam você de tantos nomes só porque você era negro,
mas Balu, igual a você nenhum branco podia se comparar. Eu tinha você no meu
coração, não só eu como toda a Alcateia. Nunca esqueci quando você partiu.
Disse-me que não seria para sempre, era somente um até logo, mais nunca mais vi
você Balu. Nunca mais. Naquele acampamento que fizemos atrás da mata do Quati,
eu senti uma saudade enorme de você Balu. Eu o Levi, o Nonato, o Pardal, o Zé
Bulacha, e tantos outros ficamos chorando quando terminou o fogo do conselho. A
Kaa Naldinha tentou nos alegrar nos fazendo dançar e a dança do fogo. Mas não
adiantou.
Sabe Balu, ninguém ficou
sabendo por que você se foi. Uns disseram que sua mãe voltou para Nazária no
Interior do Piauí. A mãe dela faleceu e deixou um sitiozinho para vocês. Olhe
Balu não sei se você está feliz na sua nova terra, mas enquanto você foi nosso
Balu nunca em minha vida eu senti tanta felicidade. Eu fui feliz muito na minha
vida escoteira, mas como lobinho eu fui muito mais. A gente fazia excursão,
acampamentos, nadava no rio, atravessava pinguelas, brincava nas porteiras das
fazendas, dormia sob as estrelas, entrava na selva que você dizia ser a Jângal,
uma época que não sabíamos o que significava até que você disse que era uma
grande floresta. Quantos acampamentos fizemos, em quantos galpões das fazendas
dormimos nas noites de tempestades? Você lembra quando o Chiquinho passou a
noite gemendo de dor de barriga? Comeu tanta goiaba verde e só foi melhorar
pela manhã. E você Balu, lá estava você ao lado dele, cantando, brincando até
que ele dormiu pelas tantas da madrugada.
Pois é meu querido Balu, só fui saber seu
nome muitos anos depois. Gravei na minha memória para sempre. Juventino Honório
Santos. Precisava escrever sobre você, precisava mesmo. Sei que você já deve
ter partido para o mundo das estrelas. Eu tinha 10 anos quando você foi embora
e me disseram que você tinha 25. Uma diferença de 15 anos. Hoje se estiver vivo
vai estar com 91 anos. Será que ainda vive? Será que está sentando na beira do
rio com seu cigarrinho de palha a pescar traíras e corvinas? Não sei. Não sei
mesmo. Estou longe da sua terra, mas hoje não sei por que me lembrei de você.
Saudades do meu Balu. Um Chefe que amei tanto que até hoje eu tiro para você o
meu chapéu! E para você meu querido Balu, Anrê, Anrê, Anrê.
Ah! O tempo. Quanto
tempo? Faz tempo demais. Lembranças boas, lembranças que a gente não esquece
mais. Hoje fiz um poema de Lobinho sobre a reunião que ia acontecer. Lembrei-me
das minhas e achei esta passagem dos meus tempos de Lobinho. Desculpe, mas o
que posso fazer? Fui Lobinho e foi bom demais!
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