Crônicas
de um Velho Chefe Escoteiro.
A Corte
de Honra está em seção!
No escotismo sempre encontramos situações que nos fazem analisar e
pensar se o caminho percorrido foi o correto. Algumas vezes tomamos decisões
que poderemos nos arrepender depois. Veja o que me contou um Chefe Escoteiro da
II Tropa do Grupo Ventos do Norte. Disse-me que não sabia se era um bom Chefe –
Tinha medo de tomar decisões e elas poderiam não ser as corretas. Mas sabe Chefe,
eu nunca prejudiquei ninguém. O Comissário Distrital queria trocar umas ideias
e me pediu para passar na casa dele qualquer hora. Gente fina, conversamos
temas interessantes. Calmo ponderado conhecia bem o movimento Escoteiro. Na
volta resolvi visitar um Chefe em um grupo próximo. Soube que iriam fazer uma
corte de honra e ele me convidou para ver. Sabia que não funcionava assim, mas
fui até lá.
Quando cheguei me disseram que
tinha se afastado por motivos profissionais e um assistente assumiu. Os
escoteiros estavam à vontade no pátio jogando uma “gostosa pelada”. Estranho.
Nunca foi assim. Perguntei a um dos jovens onde estava o Chefe. – Estão em
Seção! Seção? Perguntei. – Isto mesmo Chefe. A Corte de Honra está em seção!
Estão resolvendo se expulsam o Juan Melchior. Fiquei pensativo. Uma Corte de
Honra decidindo a vida de um menino? Resolvi ficar ali e esperar o desfecho da
Corte de Honra. Meia hora depois um Monitor saiu correndo da sede e gritando: -
Conseguimos! O Juan Melchior foi expulso! Alguns da tropa que jogavam bola nada
disseram outros apenas levantaram a cabeça. Seria isto mesmo? Eu pensei.
Aguardei o Chefe da tropa. Queria conhecer a história e os erros do jovem.
Logo ele apareceu e com três apitos formou a tropa em ferradura. Já o
tinha visto em uma reunião distrital. Com a tropa formada ele leu a ata da
Corte de Honra (?). Deu um sorriso quando disse que dos sete presentes, quatro
foram a favor da expulsão. Nesta hora ele me viu e abanou a mão de longe.
Esperei. As patrulhas foram preparar uma atividade e me aproximei. - Chefe! Eu
disse. Que crime cometeu o garoto para ser expulso assim? Ele ficou sério e
respondeu – Faltar às reuniões, não respeita o Monitor e gosta de falar
palavrão. – Mas porque ele não estava presente para se defender? - Porque não
quis disse. Mandei para ele uma convocação com A.R. e ele não deu satisfações.
Ele falta muito? – Claro, só para ter uma ideia tem mais de dois meses que não
aparece!
Não tinha mais nada a dizer. Dei um sempre alerta e fui embora. Pelo que
vi na tropa deveria ter outros também para ser “expulsos”. Só uma Patrulha com
cinco, as demais com três ou quatro patrulheiros. Os Monitores presentes
gritavam alto davam ordens mostrando que não tinham nenhuma liderança. Fui para
casa pensando. Eu não tinha nenhuma autoridade para agir ou conversar com ele.
Pensei até em dialogar, mas com seu estilo arrogante não iria me ouvir. Eu
sabia que nestes casos a culpa não é do menino e sim do Chefe. Ele viu que ali
não era o lugar dele. Pensou que era diferente, mais aventuras e se enganou. O Chefe
novato não se deu conta. Achou que uma atitude drástica serviria de exemplo
para os demais. E cá prá nós, se ele não voltou é porque nunca mais voltaria. Neste
caso seu julgamento e expulsão não passou de um teatro vulgar para o Chefe se
vingar.
Pois é Chefe Vado Escoteiro, não se concebe uma Corte de Honra julgando
um jovem e decidindo como se estivessem preparados para aquilo. A Corte de
Honra é parte importante do Sistema de Patrulhas. É uma comissão permanente que
resolve os negócios da tropa. Existem casos que o Chefe assiste, opina, mas não
vota, no entanto é dele a decisão final se for o caso. Ela toma decisões sobre
programas, acampamentos, recompensas e até mesmo à administração da tropa. Ali
o segredo é absoluto. Neste caso mesmo sem ter a autoridade para tal, a Corte
de Honra poderia ter sugerido ao Chefe que tomasse as providencias cabíveis
pelas faltas. Esqueceram-se dos pais do menino que um dia o levaram ao grupo e
nem comunicado foram. Agora expulsar? Porque o Chefe não o procurou
pessoalmente em sua casa, conversou com ele em particular e depois com seus
pais? Quem sabe ouvir o ponto de vista do rapaz que muitos esquecem.
Afinal era um menino de doze anos. Seus amigos iam comentar sobre sua
expulsão. Isto seria benéfico para o Grupo Escoteiro? E o Monitor a gritar que
ele foi expulso, estava certo? Claro que não. Poderia ver que não havia treinamento
de monitores e até mesmo a corte de honra estava sendo desvirtuada. Afinal temos
um método baseado na colaboração para a formação. Ter jovens na Tropa de
caráter ilibado formação exemplar, nunca foi desejo de BP. Nosso método é muito
claro. Não podemos fazer tais escolhas. Nas tropas sabemos que temos jovens de
meios econômicos, formação moral e cada um tem sua maneira de ser. Gritar com
jovens, ameaçar, suspender e expulsar são medidas que um educador nunca pode
tomar. Sabemos que tomar decisões é difícil e por isso usamos a Corte de Honra
para discutir relações humanas. Dizia Drummond que fácil é julgar pessoas que
estão sendo expostas pelas circunstâncias. Difícil é encontrar e refletir sobre
seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado. É assim que
perdemos pessoas especiais.
Concordei com o Chefe. Eu sei que somos um movimento de educação e
formação do caráter. Trabalhamos para isto. Acredito que muitos chefes perdem
jovens por não darem a eles o que eles pensaram ser o escotismo. BP nos deu um
manancial. Estão ai diversas literaturas escoteiras que falam do assunto. Se
soubermos trabalhar bem nossos Monitores, se procurarmos ver o escoteiro e não toda
tropa o sucesso será garantido. Quem
mais precisa do escotismo são os jovens rebeldes e cuja sociedade não dão a
eles nenhum valor ou oportunidade. Não somos uma instituição de menores, nada
disto. Mas podemos ajudar muito estes jovens rebeldes. Julgar é fácil, corrigir
difícil.
No escotismo temos uma lei e uma promessa. Quando tomamos decisões elas sempre
terão o respaldo do que aprendemos e praticamos. Uma Corte de Honra deve ser
valorizada pela sua possibilidade em melhorar os padrões da tropa e não para
decidir a vida de um menino. Afinal fizeram da expulsão um ato teatral acrescido
de uma vingança. Devemos pensar muito se nossos atos servirão para formar
caráter ou para formar jovens que por nossa culpa tomam o caminho do erro no
futuro.
A
liberdade acompanhada pelo amor opera maravilhas. Pensai bem nisto. A educação
pelo medo e pela repressão tem sido uma prática demasiado frequente, e tem
destroçado muitas e muitas vidas. Um pai perguntou-me recentemente como é que
poderia corrigir o seu filho do hábito de mentir; estava farto de lhe bater até
ficar cansado, mas sem resultado. A minha resposta foi: “Era melhor que batesse
em si mesmo por ter feito dele um mentiroso”. É o medo que desencadeia o hábito
de mentir. A educação está a encorajar o rapaz a exprimir-se o melhor possível
e com a maior honestidade, no seu trabalho como nas suas palavras, e não em
reprimi-lo e “discipliná-lo”. Baden-Powell.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
obrigado pelos seus comentários