Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

quinta-feira, 16 de março de 2017

A Corte de Honra está em seção!


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
A Corte de Honra está em seção!

                     No escotismo sempre encontramos situações que nos fazem analisar e pensar se o caminho percorrido foi o correto. Algumas vezes tomamos decisões que poderemos nos arrepender depois. Veja o que me contou um Chefe Escoteiro da II Tropa do Grupo Ventos do Norte. Disse-me que não sabia se era um bom Chefe – Tinha medo de tomar decisões e elas poderiam não ser as corretas. Mas sabe Chefe, eu nunca prejudiquei ninguém. O Comissário Distrital queria trocar umas ideias e me pediu para passar na casa dele qualquer hora. Gente fina, conversamos temas interessantes. Calmo ponderado conhecia bem o movimento Escoteiro. Na volta resolvi visitar um Chefe em um grupo próximo. Soube que iriam fazer uma corte de honra e ele me convidou para ver. Sabia que não funcionava assim, mas fui até lá.

                    Quando cheguei me disseram que tinha se afastado por motivos profissionais e um assistente assumiu. Os escoteiros estavam à vontade no pátio jogando uma “gostosa pelada”. Estranho. Nunca foi assim. Perguntei a um dos jovens onde estava o Chefe. – Estão em Seção! Seção? Perguntei. – Isto mesmo Chefe. A Corte de Honra está em seção! Estão resolvendo se expulsam o Juan Melchior. Fiquei pensativo. Uma Corte de Honra decidindo a vida de um menino? Resolvi ficar ali e esperar o desfecho da Corte de Honra. Meia hora depois um Monitor saiu correndo da sede e gritando: - Conseguimos! O Juan Melchior foi expulso! Alguns da tropa que jogavam bola nada disseram outros apenas levantaram a cabeça. Seria isto mesmo? Eu pensei. Aguardei o Chefe da tropa. Queria conhecer a história e os erros do jovem.

                   Logo ele apareceu e com três apitos formou a tropa em ferradura. Já o tinha visto em uma reunião distrital. Com a tropa formada ele leu a ata da Corte de Honra (?). Deu um sorriso quando disse que dos sete presentes, quatro foram a favor da expulsão. Nesta hora ele me viu e abanou a mão de longe. Esperei. As patrulhas foram preparar uma atividade e me aproximei. - Chefe! Eu disse. Que crime cometeu o garoto para ser expulso assim? Ele ficou sério e respondeu – Faltar às reuniões, não respeita o Monitor e gosta de falar palavrão. – Mas porque ele não estava presente para se defender? - Porque não quis disse. Mandei para ele uma convocação com A.R. e ele não deu satisfações. Ele falta muito? – Claro, só para ter uma ideia tem mais de dois meses que não aparece!

                  Não tinha mais nada a dizer. Dei um sempre alerta e fui embora. Pelo que vi na tropa deveria ter outros também para ser “expulsos”. Só uma Patrulha com cinco, as demais com três ou quatro patrulheiros. Os Monitores presentes gritavam alto davam ordens mostrando que não tinham nenhuma liderança. Fui para casa pensando. Eu não tinha nenhuma autoridade para agir ou conversar com ele. Pensei até em dialogar, mas com seu estilo arrogante não iria me ouvir. Eu sabia que nestes casos a culpa não é do menino e sim do Chefe. Ele viu que ali não era o lugar dele. Pensou que era diferente, mais aventuras e se enganou. O Chefe novato não se deu conta. Achou que uma atitude drástica serviria de exemplo para os demais. E cá prá nós, se ele não voltou é porque nunca mais voltaria. Neste caso seu julgamento e expulsão não passou de um teatro vulgar para o Chefe se vingar.

                   Pois é Chefe Vado Escoteiro, não se concebe uma Corte de Honra julgando um jovem e decidindo como se estivessem preparados para aquilo. A Corte de Honra é parte importante do Sistema de Patrulhas. É uma comissão permanente que resolve os negócios da tropa. Existem casos que o Chefe assiste, opina, mas não vota, no entanto é dele a decisão final se for o caso. Ela toma decisões sobre programas, acampamentos, recompensas e até mesmo à administração da tropa. Ali o segredo é absoluto. Neste caso mesmo sem ter a autoridade para tal, a Corte de Honra poderia ter sugerido ao Chefe que tomasse as providencias cabíveis pelas faltas. Esqueceram-se dos pais do menino que um dia o levaram ao grupo e nem comunicado foram. Agora expulsar? Porque o Chefe não o procurou pessoalmente em sua casa, conversou com ele em particular e depois com seus pais? Quem sabe ouvir o ponto de vista do rapaz que muitos esquecem.

                     Afinal era um menino de doze anos. Seus amigos iam comentar sobre sua expulsão. Isto seria benéfico para o Grupo Escoteiro? E o Monitor a gritar que ele foi expulso, estava certo? Claro que não. Poderia ver que não havia treinamento de monitores e até mesmo a corte de honra estava sendo desvirtuada. Afinal temos um método baseado na colaboração para a formação. Ter jovens na Tropa de caráter ilibado formação exemplar, nunca foi desejo de BP. Nosso método é muito claro. Não podemos fazer tais escolhas. Nas tropas sabemos que temos jovens de meios econômicos, formação moral e cada um tem sua maneira de ser. Gritar com jovens, ameaçar, suspender e expulsar são medidas que um educador nunca pode tomar. Sabemos que tomar decisões é difícil e por isso usamos a Corte de Honra para discutir relações humanas. Dizia Drummond que fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias. Difícil é encontrar e refletir sobre seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado. É assim que perdemos pessoas especiais.

                    Concordei com o Chefe. Eu sei que somos um movimento de educação e formação do caráter. Trabalhamos para isto. Acredito que muitos chefes perdem jovens por não darem a eles o que eles pensaram ser o escotismo. BP nos deu um manancial. Estão ai diversas literaturas escoteiras que falam do assunto. Se soubermos trabalhar bem nossos Monitores, se procurarmos ver o escoteiro e não toda tropa o sucesso será garantido.  Quem mais precisa do escotismo são os jovens rebeldes e cuja sociedade não dão a eles nenhum valor ou oportunidade. Não somos uma instituição de menores, nada disto. Mas podemos ajudar muito estes jovens rebeldes. Julgar é fácil, corrigir difícil.


                  No escotismo temos uma lei e uma promessa. Quando tomamos decisões elas sempre terão o respaldo do que aprendemos e praticamos. Uma Corte de Honra deve ser valorizada pela sua possibilidade em melhorar os padrões da tropa e não para decidir a vida de um menino. Afinal fizeram da expulsão um ato teatral acrescido de uma vingança. Devemos pensar muito se nossos atos servirão para formar caráter ou para formar jovens que por nossa culpa tomam o caminho do erro no futuro.

A liberdade acompanhada pelo amor opera maravilhas. Pensai bem nisto. A educação pelo medo e pela repressão tem sido uma prática demasiado frequente, e tem destroçado muitas e muitas vidas. Um pai perguntou-me recentemente como é que poderia corrigir o seu filho do hábito de mentir; estava farto de lhe bater até ficar cansado, mas sem resultado. A minha resposta foi: “Era melhor que batesse em si mesmo por ter feito dele um mentiroso”. É o medo que desencadeia o hábito de mentir. A educação está a encorajar o rapaz a exprimir-se o melhor possível e com a maior honestidade, no seu trabalho como nas suas palavras, e não em reprimi-lo e “discipliná-lo”. Baden-Powell.

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