Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sexta-feira, 7 de março de 2014

O MISTERIOSO CASO DO CHEFE ESTRADA




Ser Escoteiro!

Despe teu uniforme, interesseiro,
Pois não é nele que vive a Disciplina.
Nem por vesti-lo te fazes Escoteiro,
Como o exige nossa lúcida doutrina.


Que importa a Promessa que te ensina
A ser da nossa causa um Cavalheiro,
Sem a conquista da insígnia peregrina
Do caráter de um homem verdadeiro?


Escotismo é escola de Lealdade,
De Amor, de Ação e Inteligência,
Isenta de arrogância e veleidade.


Se não o compreendeste, então importa
Que o construas, primeiro, na consciência.
Cumpre a nossa Lei…
e depois volta!


       Guido Mondin
Ministro e Chefe Escoteiro

O MISTERIOSO CASO DO CHEFE ESTRADA

AOS MEUS AMIGOS LEITORES, POIS ELES SÃO A RAZÃO DE MANTER ATIVO ESSE BLOG - OBRIGADO.

Capitulo I

             Quinta feira difícil. Duas maquinas de prensar quebraram. Fiquei até altas horas da noite com o pessoal da manutenção. Trabalhamos sem cessar e lá pela meia noite conseguimos fazê-las funcionar. Quando cheguei em casa, recebi um recado da Vovó. O "Velho" tinha passado mal e estava internado na UTI de um hospital próximo. Meu coração bateu forte. Uma tristeza invadiu meu coração. O "Velho" era tudo para mim. Meu pai, meu irmão mais velho, meu “Guru” escoteiro.

            Não perdi um segundo. Fui imediatamente para o hospital. Uma bela surpresa me esperava. Dezenas de escotistas lá estavam à procura de notícias do "Velho". Entrei cumprimentando a todos e procurei a Vovó que estava com sua filha e mais algumas amigas, todas do Movimento Escoteiro. Vovó me disse que estava tudo bem com ele. Resolveu fumar de novo seu cachimbo e a fumaça o fez perder o fôlego. Achou melhor trazê-lo e está na UTI somente para observação e fazer inalação.

           Fui até a o hall de entrada e avisei a todos que o "Velho" estava bem. Gritos de “Urras”, “Anrê” e uma grande palma escoteira se fez ouvir. Todos se abraçaram sorrindo. O "Velho" era muito querido. Eu me emocionei com tamanha fraternidade e dedicação. Fiquei no hospital até de manhã. Deram alta para o "Velho" e eu o levei para casa. No retorno ele com sua costumeira hospitalidade e agradecimento, me olhou e disse com aquela maneira sua tão peculiar – Achou que eu ia morrer hem? Enganou-se. Não vou morrer agora. Voce vai ter de esperar muito mais tempo. Devolva a coroa de flores que comprou! – Sua festa fica para depois! É só o "Velho", ele tinha esse direito.

          Liguei para a empresa e disse que ia chegar mais tarde. Trabalhei a noite toda e passando a noite em claro no hospital, não tinha condições de trabalhar. Precisava dormir um pouco. À noite quando voltei, fui logo ver como estava o "Velho". Lá estava ele, em sua poltrona de vime favorita, a ler o livro "Crime e Castigo" de Dostoiévski. Na sua vitrola antiga, ouvia Der Hoelle Rache, ária da Rainha da Noite, da ópera A Flauta Mágica, e de 1º movimento, allegro, da Pequena Serenata Noturna. O "Velho" sabia escolher. Wolfgang Amadeus Mozart, nada mais que Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart seu nome de batismo.

         Ficamos ali por horas ouvindo a bela melodia de Mozart. Ele de olhos semicerrados e eu no meu banquinho de madeira de três pés encostado a parede. Adorava Mozart. Gostaria de ter nascido naquela época. Se pudesse iria ficar eternamente em Salzburg na Áustria, e vê-lo interpretar suas mais de 600 obras. É reconfortante poder sentir a magia de tão grande compositor.

       Sonhava na minha viagem impossível ao passado, quando o "Velho" falou algum que não entendi. – Pois não "Velho", não entendi. Pode repetir? – Estava aqui meditando e lembrando do Chefe Estrada, disse. Voce não o conheceu. Fizemos a Insígnia de Sênior juntos. No sexto dia, ele desapareceu. Sua tralha estava lá na barraca. Parecia que não havia levado nada se realmente tivesse partido. Interrompemos tudo para dar uma busca nas redondezas.

       Durante toda a tarde o procuramos. À noite o Diretor do Curso foi até a delegacia próxima fazer um boletim de ocorrência. O delegado sorriu e disse que aguardássemos até o dia seguinte. E ele iria aparecer. Achou que o Chefe Estrada era um mulherengo e conheceu alguma mulher. Era dar tempo ao tempo e ele iria aparecer. Mas passou toda a manhã do dia seguinte e o Chefe Estrada não apareceu. Ligaram para a telefonista de sua cidade (1952, poucos telefones) e ela disse que o conhecia. Iria ver se ele estava lá.

       - Já ia anoitecendo quando o Chefe Estrada chegou. Não disse nada. Procurou o Diretor do Curso e se colocou a disposição para que fosse excluído do curso já que saiu do campo sem avisar. Não quis explicar, mesmo sendo inquirido. Tinha um semblante sério e compenetrado. O Diretor de Curso já o conhecia de longa data. Mandou ele de volta a sua patrulha. Soube depois que foi aprovado. Ninguém ficou sabendo o que ouve.

       - Um dia, se não me falha a memória, encontrei o Chefe Estrada em um acampamento internacional de patrulhas no Chile. Faz anos. Muitos. Ele estava como dirigente do campo sênior. Sempre fomos muito íntimos é claro, a alegria estava estampada em cada um de nos. Velhos escotistas se encontrando, cumprimentando, dois chefes escoteiros amigos cuja fraternidade era ponto de honra.

     - Estava vivamente interessado no desfecho da historia, mas adentrou na sala mais de seis escotistas que tinham vindo fazer uma visita ao "Velho". Duas chefes de alcatéia do nosso Grupo e quatro escotistas de um grupo amigo. Abraços, sorrisos em profusão. O "Velho" gostava de visitas. Disse depois que iria ficar doente mais vezes. Ficamos ali eu o "Velho" e os chefes conversando por horas e horas.

       Diversos assuntos surgiram e um deles me chamou a atenção, pois era uma pratica que estava vendo sempre nos sites de relacionamentos que participava. Escotistas davam recados aos jovens sobre reuniões, acampamentos entre outras atividades. Não concordava com isso, mas dizem que hoje em dia temos que nos atualizar. Queria ver o que o "Velho" iria dizer. Os chefes conversavam entre si, falando do que pensavam alguns concordando outros não.

      O "Velho" só ouvia e nada dizia. Conhecia seu estilo. Estava deglutindo palavra por palavra. Analisava o que ia dizer e eu sabia que não era nada de bom. Ele não concordava nunca com o tal modernismo tão preconizado. De um assunto ao outro. Agora conversavam sobre a participação de todas as sessões na cerimônia de bandeira no inicio e fim de reuniões.

      Eu mesmo tinha duvidas, achava que as sessões juntas na cerimônia não seria benéfico, principalmente quando varias delas tivessem promessas e entregas de distintivos de eficiência entre outros. O tempo despedido seria enorme. O "Velho" não falava. Só prestava uma atenção canina a tudo que dizíamos. Os chefes ficaram a vontade até a hora que a Vovó entrou com um carrinho de guloseimas meu Velho conhecido e muito amado.

     Uma pequena parada para degustar um delicioso bolo de baunilha com recheio de pedaços de chocolate (derretido), pãezinhos de queijo ainda quentes recém saídos do forno, biscoitos de polvilho deliciosos, torradas crocantes na manteiga, e o irresistível sonho açucarado junto com brevidades apetitosas. E claro, um bule fumegante de café que eu sabia tinha sido feito em um fogão a lenha, com coador de pano, e um chocolate quente de queimar a língua.

    Todos se deliciaram no café da tarde. A Vovó com seus cabelos brancos, olhos azuis e um semblante de anjo vindo do céu, estava ali a sorrir, conversando com um e outro. Sempre prestativa e atenciosa. Eu a conhecia há muitos anos.  Admirava sua simplicidade e o amor que nutria pelo "Velho". Nunca participou do movimento escoteiro na ativa, mas participava com o coração. Deu em todas as horas o apoio que ele precisava. Um dia me contou o que aprendeu com ele quando jovem. Fiquei embasbacado. Era uma grande conhecedora de técnicas escoteiras. Podia sem sombra de dúvida ensinar a todos que não conheciam essas técnicas.

      A tarde ia terminando. Agora estávamos todos prestando atenção ao "Velho" no que dizia e explicava. Com voz pausada, e algumas vezes demorando a continuar no seu raciocínio, explicavam em linguagem simples as diversas situações que antes tínhamos comentado. – Olhem meus amigos escotistas, a evolução dos tempos é uma realidade. Não se pode fugir dela. Muitas coisas acontecem e até temos dificuldades em acompanhar.

     - Mas muitos ainda não “pegaram” e sentiram o que falam. Não sabem dos resultados. Você vê nos meios de comunicação diversos professores, pedagogos, psicólogos, todos orientando, falando como agir, como fazer etc. e etc. Mas pergunto? E os resultados? O que dizem deu resultados? Olhem, no nosso mundo de hoje o que vemos é uma desunião de jovens com adultos, cada um tendo o seu direito, falando o que quer, reclamando de sua vida, tratam os pais como estranhos e esses órgãos de comunicação, mostram situações inusitadas, que até denigrem o termo caráter, lealdade, direitos entre muitos outros.

      - Poderia exemplificar aqui tantos e tantos exemplos do passado que deram resultados comprovados, pois estamos aqui hoje vendo que deu certo. Mas não é certo que devemos nos alimentar com falsas interpretações da modernidade. Vejam bem, se pensarmos em um Grupo Escoteiro bem estruturado, fazendo um bom escotismo dentro dos princípios idealizados por BP, sem alterar métodos e programas a não ser pequenas adaptações aos dias de hoje, não precisa usar tais expedientes. Isto é confessar que o Sistema de Patrulhas não existe para eles.

      O "Velho" respirava devagar, compassadamente ia desfiando seus pensamentos e todos nós ali ouvíamos com atenção alguns acho que concordando outros não. – Continuava o "Velho" – Se você tem uma boa estrutura em seu Grupo, se sua tropa ou alcatéia tem bons programas semanais, é preciso usar meios de comunicação para falar com eles os jovens? Claro que não. Olhe outro dia vi em um site, um escotista avisando que estava encerrando a data da inscrição para um evento regional. Falava da taxa a ser paga até dia tal. Embaixo vi a resposta do jovem escoteiro – Chefe, consegui só uma pequena quantia para terminar meu uniforme. Não tenho como pagar essa taxa, assim não irei à atividade! Caramba! Que chefe é esse? Não conhece seus escoteiros?

      O "Velho" estava comovido. Isso nunca teria acontecido com ele. Ou toda sua tropa iria ou não ia ninguém. Por isso ele não gostava muito de tantas atividades regionais e nacionais programadas para um só ano. Esqueceram que as tropas precisam ter mais tempo para suas atividades. Eu sabia disso. – Ele continuou – Eu gostaria mesmo de ver a educação que estão dando para seus filhos e olhe a maioria desses pensadores ou pedagogos como queira, acredito que nem filhos tem. Dizem cada coisa. Não sou um especialista para discutir A ou B, as qualidades de suas teses, mas sempre digo e sempre insisto que todas as teses tem de ser comprovadas. Basta ver o que acontece hoje, nada me mostra que eles tem razão.

      Eu fiquei ali pensando nas palavras do "Velho". Teria se fosse outro escotista muitas inquisições, indagações, mas ali agora, meditava. O "Velho" de novo colocou em sua vitrola antiga, seu LP com a musica de Mozart que entrava melodicamente em nossos corações. Houve um silencio profundo. Todos estavam materializados de olhos semicerrados na Sonata para teclado (piano) a quatro mãos em D maior. Criação maravilhosa de Mozart!


Não consigo escrever poesia: não sou poeta. Não consigo dispor as palavras com tal arte que elas reflitam as sombras e a luz, não sou pintor... Mas consigo fazer tudo isso com a música...
 
O MISTERIOSO CASO DO CHEFE ESTRADA -
AS MAES DE TODOS OS MEMBROS DO MOVIMENTO ESCOTEIRO PELO SEU LINDO DIA 

Capitulo II
       A noite chegou de mansinho. Alguns dos chefes se retiraram. Ficamos eu o "Velho" e uma escotista de tropa escoteira. Não perdi tempo. Perguntei para o "Velho" o que havia acontecido ao chefe Estrada. Afinal ele começou e me deixou em suspense para saber sobre o misterioso caso. – O "Velho" não se fez de rogado. Suspirou fundo, se ajeitou melhor em sua poltrona de vime, olhou para o teto, e contou o pouco que sabia, pois o Chefe Estrada não era muito palrador.
     - Bem conforme dizia estava eu em uma Acampamento Internacional de patrulhas no Chile. Depois de ledices e alegrias pelo encontro, fomos até a cantina do campo, onde serviam cafés, doces e salgados. Bebidas somente refrigerantes. Procuramos um local agradável, próximo a uma araucária gigante, frondosa, e ali conversamos por longo tempo. A principio o Chefe Estrada não quis se abrir comigo. Eu que nunca esperava uma situação inusitada dele de abandonar um curso por mais de vinte e quatro horas, sabia que ele teria um motivo muito forte para isso.
     - Me contou que durante vários anos andou por vários estados brasileiros, pois fora admitido em uma multinacional alemã, e seu trabalho de campo (engenheiro de minas) requeria viagens em locais inóspitos, e passava a maior parte do seu tempo em minas de extração de minérios. Narrou-me um fato pitoresco, quando foi seqüestrado por uma tribo de índios Caiapós, próximo a fronteira do Pará com Mato Grosso, na região do rio Xingu.
    - Dizia o Chefe Estrada que por motivos profissionais estava fazendo uma pesquisa de um veio muito grande de bauxita, pois sua empresa estava interessada em explorar e até construir uma fábrica de alumínio naquele estado. Diariamente faziam pesquisa do solo (eram cinco três deles nativos da região). Ele se sentia bem ali, sempre gostava da vida ao ar livre. O escotismo o ensinou muitas coisas.
    - No oitavo dia à tarde, o sol se pondo e de súbito apareceram dezenas de índios Caiapós. A principio foram cordiais e afáveis. Depois exigiram que os acompanhássemos. Eram muitos. Não havia o que discutir. Chegamos à comunidade deles, um aldeia com uma praça central e ao redor casas de cada família. O “Benadióro”, chefe de turma no entender deles me levou até ao cacique. Magro, com o corpo todo pintado, me recebeu com um sorriso. Disse que ficaria ali até o homem branco da Estrada de Ferro viesse conversar com ele.
   - Tentei explicar que nada tinha a ver com a empresa em questão, mas ele libertou os demais e eu fiquei ali. Voce talvez não saiba, mas sou solteiro e meus familiares moram na Europa. Foram oito meses de um lindo cativeiro, onde vivi e aprendi memoráveis aventuras, de caça, de pesca e grandes jornadas na selva. E olhe o que mais adorava era fazer pioneiras. Tinha tempo. E muito tempo. Construí um ninho de águia em uma seringueira, que tinha mais de 20 metros de altura. Aproveitei uma queda d’água próxima alta e em arvores enormes com bambus gigantes fiz um elevador movido à água! Foi maravilhoso. Claro tinha comigo vários assistentes. Os jovens da aldeia eram companhias constantes. Meus amigos. Cheguei mesmo a organizá-los em patrulhas, mas não deu certo. Eram deliciosos moleques travessos, só viviam sorrindo e brincando.
    - Eles aplicavam aos jovens na puberdade uma interessante prova de inteligência e habilidade, que posteriormente adaptei para a Tropa Sênior. Um galho elevado, duas árvores próximas em perpendicular, (Perpendicular é quando temos duas retas com um ponto comum formando um angulo de 90 graus)  duas cordas (lá se usava cipó) amarradas no galho uma distante da outra por um metro, cada competidor ficava em uma arvore próxima de frente para a outra com sua corda. Ao sinal penduravam na corda e aproximavam-se do outro em grande velocidade e o outro competidor fazia mesmo. Ao se encontrarem tentariam fazer que um deles perdesse o equilíbrio e cair ao chão. Para os seniores adaptei uma bexiga amarrada na cintura de cada um bem cheia com água para ser estourada. Para isso cada um levava uma vara de um metro consigo. Claro, cada competidor só tinha direito a uma vez. Depois o próximo da patrulha. Grande prova. Adorei participar, mas perdi – caí de maduro disse o Chefe Estrada.
    - O governo mandou vários representantes da empresa para negociarem com os índios. Eu não me preocupava. Gostava dali, vivia com um povo simples, sem ódio, sem rancor, sem inveja, ninguém queria ser superior, a amizade era ponto de honra e as leis, todas muito simples e obedecidas com carinho. Olhe, quando chegaram a um acordo, preferi continuar ali. Pedi demissão da empresa. O cacique Babitonga era uma grande pessoa. Disse que eu era bem vindo.  Até fez meu casamento com a jovem índia Guaraci. Já éramos par constante. Eu e ela ficamos juntos por todo esse tempo que ali permaneci.
  - Mas dizem que tudo que é bom dura pouco. Uma manhã de setembro fui informado que minha mãe estava nas ultimas. Esse telegrama chegou as minhas mãos na aldeia um mês depois. Despedi de todos, Guaraci não quis ir comigo. Disse a ela que seria difícil minha volta. Mesmo assim preferiu continuar entre os seus. Disse-me que os homens brancos não se conhecem, são estranhos. Concordei com ela. Ainda bem que não tivemos filhos.
   - Minha mãe já havia falecido quando consegui chegar a Iworth, em Cheshire na Inglaterra. Cumpri as cerimônias de praxe, pois ela era de família simples e não havia nenhuma herança a não ser sua casinha que vendi. Retornei ao Brasil poucos meses depois, após passar uns dias com meus amigos Makuxis e Wapixana em Kwazulu, na África do Sul. O chefe Estrada se levantou e se despediu. O que queria saber ele não me contou naquele dia. Passava de oito da noite e ele tinha de ver como estava seu Sub.campo. Mesmo com cinco assistentes ele era o responsável.
     - Pela manhã, quando estava fazendo o desjejum o vi sentado em uma mesa sozinho. Aproximei-me e de chofre perguntei o que queria saber: - Afinal meu amigo, o que houve no Curso da Insígnia que você desapareceu sem deixar rastros? – Ele, calmo, pensativo, me convidou a sentar. Tomamos o café juntos e nesse ínterim muitos escotistas amigos de diversos países vieram cumprimentar a mim e ao Chefe Estrada. Éramos muito conhecidos.
     - Todos se foram e eu fiquei ali olhando para o Chefe Estrada e ele se fazendo de desentendido. Agulhei-o novamente. – Vamos homem, diga! Afinal não deve ter sido tão importante assim. – Olhe meu amigo, passei poucas e boas nessa vida, mas você sabe mentir não faz parte do meu feitio. Foi uma aventura tão inverossímil, que preferi mantê-la no anonimato. Mas vou contar para você. Se mostrar incredulidade, paro.
      - Não disse nada. Continue falei. – Olhei para ele, ele suspirou e começou uma história incrível. Ouçam-na – Logo após terminar a sessão das duas, pedi ao dirigente para ir ao banheiro. Fui naquele lá no inicio do campo. Ao atravessar a trilha, vi um brilho intenso. Perdi o sentido. Acordei em uma cama enorme, Ao meu redor, pessoas estranhas, escuras, parecendo formigas gigantes com duas pernas. – Caramba! Pensei. O que tinha acontecido? Onde estava?
     - Respirei fundo. Seria verdade? – Chefe Estrada me olhava, querendo parar de narrar, mas meus olhos, minha atenção não deixava nenhuma dúvida. Começou termina. – Olhe meu amigo dizia, eu tinha sido abduzido. Voce sabe, estava em uma grande nave, onde? Não sabia. Em algum lugar do espaço. Os Et’s me olhavam e sentia que tinha agulhas em todo corpo. Minha mente parecia estar exposta. Ouvia-os falando e não entendia, eles pareciam saber o que eu pensava.
      - Acredite, eu olhava em volta, paredes circulares e o teto também com iluminação indireta. Uma luz estranha. Eles telepaticamente falavam comigo, para não preocupar, não iriam me fazer mal. Não demorou muito, me levantei, me sentia forte, eles não se opuseram. Em sua maneira, me contavam de onde eram. Um planeta distante mais de vinte milhões de anos luz, mas que eles cruzavam o espaço em velocidades que a mente não pode medir.
     - Olhava para o chefe Estrada e não sorria. Poderia ser verdade. – Ele continuou – Me disseram que ficamos mais de um mês no espaço e quando voltasse a terra, seriam menos de vinte quatro horas. Levaram-me até um local envidraçado. Um espetáculo. A nave parecia estar parada e milhões de estrelas passavam como um raio, uma profusão de luzes brilhantes e cintilantes, em um panorama incrível. Ver tudo aquilo compensava todas minhas pequenas dores que ainda sentia pelo corpo.
     - Me levaram depois a um salão, sem móveis, se despediram que não me preocupasse que iriam apagar tudo aquilo da memória e eu não ia lembrar-me de nada. Pedi que não fizessem aquilo. Não podia esquecer. Eles na tinham esse direito. Entreolharam-se e balançaram a cabeça concordando. Minha mente ficou nevoada. Desmaiei. Acordei no mesmo local. Daí para frente você sabe o fim da historia. Não podia contar a ninguém. Tinha prometido isso a eles.
    - A historia do chefe Estrada foi emblemática. Tinha ouvido historias assim, mas não acreditava. Agora não. Ele era um escoteiro. Desde criança. E o escoteiro tem uma só palavra e sua honra vale mais que sua própria vida. Ele se calou. – O "Velho" não falou mais nada. Fiquei ali parado olhando para ele, e vi dentro dos seus olhos lembranças do passado. – Ele abruptamente me olhou e disse – Olhe, nunca mais vi o Chefe Estrada. Não sei onde anda, se está vivo, ou se voltou para sua linda Guaraci junto aos Caiapós. Se ele voltou deve estar lá se divertindo, fazendo o seu escotismo junto a índios amigos. Olhe, eu o invejo. Hoje estou aqui, sem respirar o ar puro da mata, sem ver a força de um rio caudaloso, sem poder ver o sol nascer atrás de uma montanha. Daria minha vida para mudar tudo isso.
    - O silencio reinou. Eram mais de onze da noite. Amanhã era outro dia. Ia me despedir do "Velho", mas ele estava com os olhos semicerrados, ouvindo Mozart. Symphony No. 32 em Sol Maior. Sai de mansinho sem fazer barulho. A Vovó estava na varanda, em sua cadeira de balanço a tricotar. Levantou-se, disse até logo e me fui, sorrindo pela rua deserta.
    Gosto do "Velho" tenho por ele grande apreço. Meu pai que Deus o tenha, iria se orgulhar também. Estava caminhando pela rua deserta, pensado no "Velho" nos seus conhecimentos escoteiros e nem olhei para os lados ao cruzar a esquina de minha casa. Uma forte buzina se fez ouvir. Saltei para o lado e um automóvel passou em disparada. Ufa! Quase dessa vez. Os dias irão passar e eu espero sempre o amanhã. Adoro estar com ele. Não só pelos seus conhecimentos escoteiros, mas pela grande pessoa que é. Valeu a pena conhecê-lo. Sinto-me realizado pela sua amizade. Eu realmente tenho um grande amor por esse "Velho" Escoteiro.  


Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando... Porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive, já morreu... 


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