Lendas
Escoteiras.
O Escoteiro
Zezé e o Espião de olhos vermelhos
Zezé era um Escoteiro Sênior dos
bons. Nunca foi Monitor. Nem sub monitor. Entrara como Escoteiro há quatro
anos. Achava-se obediente e disciplinado. Conseguiu a segunda classe e quase
“tirou” a primeira. Passou para os seniores e estava na Patrulha Leão do Norte
há um ano e meio. Também nunca foi escolhido para liderar a patrulha. Ele fazia
do escotismo sua diversão e seu modo de vida. Os seniores tinham uma bela
união. Eram três patrulhas. No ano anterior duas escoteiras passaram para
guias. Resolveram colocar na Patrulha, pois eram quatro escoteiros. Elas e eles
se deram muito bem.
Acampavam sempre. Todos eram bons
mateiros. Zezé há tempos atrás começou a ler todos os livros que lhe caiam em
mãos. Lia tudo. Não importava o tema. Com o passar do tempo passou a ler mais
livros de ficção, e adorava os policiais, principalmente aqueles de espionagem.
Passou a ser um entendido das grandes agencias de espionagens em todo o mundo.
Aprofundou seus conhecimentos no MI5 Inglês, na Cia Americana, na KGB russa, no
Mossard Israelense e na SSA Francesa. Claro sabia um pouco de outras, mas essas
eram suas preferidas.
Quando não estava na escola lá estava
Zezé na parada de ônibus interestadual, na estação de trem e de olho em algum
veiculo novo que entrasse na cidade. Ganhou de seu avô um chapéu de feltro e
paletó cinza que sua mãe cortou na sua altura. Colocava o paletó, o chapéu e lá
ia ele meio escondido nas colunas da estação ferroviária a perscrutar quem
descia da composição. Tinha amizade com Dona Manuelita do Hotel Ouro Verde e
ela sabia do que ele gostava. Rindo dizia – Zezé nenhum cliente novo. Se chegar
alguém te aviso.
Estava Zezé naquela quarta feira na estação,
como sempre atrás da coluna da entrada, claro, com sua indefectível capa e
chapéu de feltro, quando desceu do vagão de primeira classe um individuo
suspeito. Usava óculos escuros, terno preto e gravata vermelha, e somente uma
maleta de couro marrom nas mãos. Sinal de que ficaria pouco tempo. (Zezé era
assim, um Sherlock às avessas). Notou que o individuo olhou para um lado, para
o outro, de cabeça baixa, claro Zezé sabia que ele não queria ser reconhecido.
Notou que ele subiu na charrete do
Laureano e foram em direção ao hotel Ouro Verde. Esperou um tempo e entrou.
Dona Manuelita olhou para ele e sorriu. – Acho que desta vez seu espião chegou!
Zezé sentiu o sangue ferver. Ele sempre pensou que jovens como ele tinham
dentro de sí uma grande batalha a vencer. Ele sabia que ali estava sua
oportunidade. Não poderia ser sua ultima vela de uma viagem ao mar. Ele não
iria desta vez esperar que as bandeiras fossem desfraldadas antes da
continência.
É como diziam os Árabes, Senta-te nos
calcanhares enquanto ruge o trovão e deixa que Alá vele pelo amanhã. Zezé
começou sua vigília. Não procurou os amigos da Patrulha. Poderia até ter
procurado a Camélia sua amiga e confidente na patrulha. Mas não. Sabia que o
espião não conta suas fontes, nada diz as suas amantes e seus contatos são
feitos de modo tal que ninguém irá descobrir. Zezé era um “expert”. Iria
descobrir quem era Franz Henri e o que ele tinha ido fazer em Monte Alegre.
Pena que sua escola era de manhã. Mas
nem almoçou direito quando chegou a casa. Colocou sua capa seu chapéu e subiu
na “Cavernosa” (sua bicicleta Hercules que seu pai comprou para ele faziam dois
anos). Foi rápido ao hotel. Dona Manuelita lhe disse que já tinha saído. Para
onde foi? E como foi? Na Praça Lionel um dos charreteiros de aluguel contou que
ele alugou a charrete do Laureano e ele mesmo iria levar a charrete. Dispensou
Laureano. – Ai tem treta! E das grandes pensou!
Só podia ter ido rumo à fazenda do
Vasconcelos. Lá foi Zezé a toda velocidade na sua Hercules e claro, logo viu a
marca do pneu da charrete. Menos de oito quilômetros depois lá estava ela,
presa na cerca de madeira. Onde ele foi? Onde? Viu no alto do morro ele
descendo. Onde teria ido? Esperou e ficou a pouca distancia observando. Notou
que ele demorava a descer. – Sentiu um cano nas suas costas. – O que quer aqui
rapaz? Zezé virou. Levou o maior surto. O tal do Franz o olhava e dos seus
olhos brotavam chispa vermelhas! Na sua mão uma Luger PPK, que para Zezé
parecia uma metralhadora Gatling.
Claro, a vida de espião de Zezé nem bem
tinha começado e ele já molhava as calças! Zezé saiu em desabalada carreira com
sua Hercules e nem olhou para trás. Quando chegou a casa seu coração batia sem
parar. Seus olhos estavam esbugalhados. Entrou para seu quarto e ficou ali por
muito tempo até seu coração parar de bater. Não poderia descobrir o que o
espião foi fazer na sua cidade sozinho. Tinha que convencer sua Patrulha a
ajudar. Sabia que eles iriam rir dele, mas como convencê-los?
Primeiro foi à casa da Camélia. Ela ficou
séria e acreditou em tudo que Zezé contou. Foram à casa do Tiãozinho, mas ele
riu de tudo que lhe contaram. Mesmo assim foram até a casa do Levegildo, do
Moreno e do Marquito. Dalí foi para a sede escoteira. Durante mais de duas
horas Zezé contou e recontou tudo que viu e sentiu. Eles a principio davam
risadas. Já conheciam o Zezé e suas manias de espionagem. Mas chegaram à
conclusão se verdade ou não eles não poderiam ficar de fora.
Traçaram um plano para a Patrulha seguir o
tal de Franz. Quem estudasse a tarde ficaria responsável pela “campana” da
manhã e a tarde quem estudasse de manhã. Só Tiãozinho o Monitor e Marquito
estudavam à tarde. Mas Tiãozinho foi taxativo. Faremos tudo com uniforme. Nada
de ficar como civil. Se ele for um espião verá que não somos qualquer coisa.
Somos escoteiros. Aqueles que morrem de pé e não tem medo de cara feia!
Quando Zezé saiu da escola encontrou com
Marquito que dizia saber onde o tal Franz estava. Reuniu toda a Patrulha.
Naquele dia Tiãozinho e Marquito não foram para a escola. Tudo pela honra da
Patrulha. Enturmados lá foram eles em suas bicicletas rumo à fazenda do
Vasconcelos. A charrete estava no mesmo lugar. Deixaram as bicicletas próximo à
cerca e subiram o morro. Marquito mostrou onde ele estava. Na Pedra do Embaúba.
Mas que “Diabos” ele foi fazer ali? Rastejando, como se estivessem em um grande
jogo se aproximaram da pedra.
Lá estava o Franz. Seus olhos eram
medonhos. Vermelhos. Parecia que saiam chispas de fogo. Ele tateava devagar,
com calma cada centímetro da pedra. Quando estava dando a volta viram que ele
sumiu. Não apareceu mais. Mesmo amedrontados eles foram até a pedra. Deram uma
volta e o danado do Franz tinha sumido. Mas para onde? Não tinha como sair pelo
morro. Eles o viriam. Começaram a tatear parte por parte da pedra. Marquito deu
um grito! Achei! Correram todos. Uma saliência brotou quando ele apertou uma
pedra solta. Logo a abertura de um túnel apareceu.
E
então perguntaram a Zezé. - Então que vamos entrar, disse Zezé. Entraram e a
porta se fechou. Uma escuridão tremenda. Não viam nada. E o pior não tinham
levado lanterna e nem vela. E agora o que fazer? Não achavam nada na pedra por
dentro que fizesse a abertura abrir. Os olhos aos poucos acostumaram com a
escuridão. Lá em baixo uma pequena luz. Tateando foram descendo uma espécie de
escada. Pé ante pé! Lá estava Franz. Nas mãos um castiçal enorme, uma âmbula e
um cálice que brilhava como se tivesse luz própria.
A
poucos metros havia uma área escavada. O Espião cavou ali. Deixou tudo enrolado
em uma manta em um canto e começou a subir as e escadas devagar com uma
lanterna. Eles conseguiram esconder-se numa saliência. Ele passou por eles e se
foi. Havia no fundo da gruta uma iluminação que eles não souberam explicar.
Levegildo voltou subindo as escadas e agora podiam ver melhor onde entraram.
Ele encontrou a saliência. Gritou para todos. Logo a porta se abriu e saíram
dando alívios e urras de alegria.
Uma
alegria que durou pouco. O danado do Fritz estava a poucos metros deles com sua
Luger PPK nas mãos e rindo. Gruiu umas palavras que ninguém entendeu e atirou.
O tiro passou de raspão na orelha de Zezé. Nunca correram tanto. Uma ventania
desceu o morro e passaram com rapidez pela cerca. Em desabalada carreira voltaram
para a cidade. Foram para a casa da Camélia. Seu pai era o delegado. Melhor
colocar ele ao par.
Custou
a acreditar naqueles meninos. O Delegado Davison não era de brincadeira. Foi
com eles até a pedra do Embaúba. Abriram a porta e desceram. O Delegado viu a
manta com os objetos. Deve ter sido há muitos anos que saqueadores de igrejas
esconderam ali seu butim. Só podia ser isso. Voltaram levando os objetos. O
Delegado foi até ao hotel, mas o tal Espião havia partido. Para onde ninguém
sabia. Meses mais tarde descobriram se tratar de peças de mais de um século.
Valiosíssimas. O Governo as levou. Para onde? Perguntaram. Para o museu da
capital.
Não
houve festa, condecorações, agradecimentos nada. Apenas a lembrança do Espião
dos olhos vermelhos. Esqueci a tropa e quase toda cidade passaram a fazer da
Pedra ado Embaúba um local turístico. Usaram tanto que o dia a pedra não abriu
mais. O prefeito quis dinamitar, mas a Câmara de Vereadores não concordou.
Zezé
continua a bancar o caçador de espiões até hoje. Agora um Pioneiro está sempre
de plantão na rodoviária a espera de alguém que não aparece mais. A noitinha
corre para a estação a espera do noturno. Quem sabe um dia ele de novo vai se
encontrar com algum outro espião? Esse Zezé é um grande Escoteiro. Na Patrulha
adquiriu o maior respeito. Até fez de Camélia sua namorada. Dizem eu não sei
que casou com ela. É dono da sorveteria da cidade e nunca deixou de olhar e
observar quem chegava e quem saia.
Acho
mesmo que ele tinha na veia uma queda pela espionagem. Pena que a Cia e o MI5
não o descobriram. 007 que se cuide, pois Zezé é o “bamba” em Monte Alegre. A
cidade sabe que um dia será conhecida por alojar em sua família o maior espião
de todos os tempos. O Escoteiro Zezé!
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