Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Rio Negro, a cidade das sombras!


Lendas Escoteiras.
Rio Negro, a cidade das sombras!

                       Um telegrama simples. Dizia: “Gostaríamos de contar com sua presença nas festividades do Grupo Escoteiro Enigma do Santo Sepulcro. Será dia 28 próximo em Rio Negro, a cidade das sombras. Todas as despesas serão por nossa conta”. Mais nada. Que seria isto? Alguma brincadeira? Eu recebia sim muitos convites para palestras e pequenos cursos escoteiros em várias cidades. Mas aquele convite era extraordinário. Na internet só descobri uma cidade parecida próxima a Parecis, e mesmo assim diziam que a cidade não existia mais. Deve ser alguma brincadeira pensei. Pitágoras o Comissário sempre fazia isto comigo. Liguei para ele: - Não fui eu! Juro! Ele disse. Dei boas risadas, mas fiquei inquieto, ou melhor, encucado com tudo aquilo.

                      Não dormi bem. Não tive sonhos e nem pesadelos, mas acordei suando. Parecia que alguém dizia para eu ir à estação Rodoviária comprar a passagem. Liguei para a região para me informarem se tinha algum grupo com este nome. Riram na minha cara. Tirei o carro da garagem e fui até a Rodoviária do Tietê. Nem bem entrei vi um homem de paletó roxo, chapéu enterrado até os olhos, descalço, unhas enormes e com uma placa – Passagens para Rio Negro. – Aproximei. Ele levantou o chapéu. Enormes olhos negros. Um nariz comprido e afilado. Uma boca enorme cheia de dentes de ouro. Não tinha orelhas. Nas mãos em cada uma dois dedos tirou do bolso uma passagem. – Mandaram-me entregar, o ônibus parte a meia noite. Terminal dois. O homem desapareceu. Procurei em todos os guichês da rodoviária e nada. Informei-me sobre a cidade. Ninguém conhecia.

                     Seja o que Deus quiser. Não costumo me esconder de desafios. Iria lá nesta cidade fantasma. A final sou um Escoteiro e o Escoteiro não foge dos desafios. Nunca! À noite já com minha mochila e de uniforme social fui para a rodoviária. Eram onze e quarenta da noite. Lá estava o morto vivo a minha espera. O “cara” era esquisito. Disse-me – Siga-me. E lá fui eu. Descemos umas escadas, um corredor escuro, um vento húmido e frio a soprar. Senti frio. Um frio que machucava. Vi o ônibus. Pequeno. Negro. Sem nada escrito. Na placa Rio Negro. A porta aberta. Entrei. Ele pediu a mochila – Vai no meu colo disse – Sentei bem à frente. Não tinha ninguém no ônibus. O ônibus partiu em seguida. Só eu de passageiro. Alguém de voz rouca e cavernosa começou a cantar a canção da Promessa. Dormi. Acordei com o dia amanhecendo. Uma bruma cinzenta cobria a cidade. O ônibus parou. Desci. Suspirei fundo. Um Chefe Escoteiro de uniforme. Brim roxo. Todo roxo. Um lenço negro com uma caveira desenhada atrás. Sem sapatos. Descalço. Unhas enormes. Sempre Alerta Chefe! Sou o Funério, seu assessor pessoal, disse. Venha comigo.

                       Um carro negro fúnebre nos esperava. Atrás levava um caixão. Algum defunto para enterrar. A cidade era coberta por uma bruma cinza e seca. Quase não se via as casas. Aqui e ali pessoas atravessavam a rua devagar, como se estivessem pisando em brasas. Não havia barulho. Nenhuma ave por perto. Não vi cachorro e nem gato. O carro parou. Olhei o motorista. Sempre de costa. Um boné de couro preto. Abriu a porta e sai dando de cara com um cemitério. Aqui? Perguntei. Ele se virou. O rosto sem pele. Ou melhor, uma pele fina, mas só os ossos apareciam. – Não se preocupe Chefe. A sede do grupo é linda. Foi toda construída pelos habitantes do lugar. O Senhor vai gostar. Bragg! Comecei a tremer! Onde fui me meter? Ele me pegou pela mão como se eu fosse uma criança. Fui com ele. Não tinha outra saída. Nem sabia onde estava. Catacumbas e mausoléus enormes. Nomes estranhos. Aqui jaz – Baldassari, morreu por falta de sangue – Em outro dizia: Aqui jaz, Narkissa, a princesa beijada pelo Vampiro Damien. E assim se seguia. Meu Deus! O lugar era misterioso, amedrontador.

                     Fechei os olhos, um medo terrível. Abri. Lá estava a sede. Em letras góticas uma enorme placa: Grupo Escoteiro Enigma do Santo Sepulcro. Enormes caixões enfeitavam o teto da sede. Um belo esquife branco estava em pé, na porta e dentro um Chefe bem velho de bigode e cabelos brancos com a nova vestimenta da UEB. Estranhei. A tropa, Alcatéia e os seniores formados na bandeira. Não havia bandeira nacional. Eram bandeiras negras com escritos em grego e latim e desenhos de zumbis e cadáveres. Um Chefe se aproximou. Bem vindo Chefe! Estamos tristes com sua chegada. Mas não estão alegres? Eu disse. Aqui Chefe é o contrário. Olhei a escoteirada. Todos de uniformes negros e os lobinhos de roxo. Ninguém sorria. Sérios. Como se estivessem mortos. Vi que nenhum dos jovens tinha olhos. Só um buraco fundo. Putz! Onde fui me meter? Porque aceitei? Não havia volta. Um zumbido e um grito e as bandeiras negras com símbolos vampirescos começaram a ser içadas. Vampiros enormes voavam sobre nossas cabeças. Ao termino não houve oração. Olhei em uma catacumba mais alta e chacais davam uivos áulicos e lamurientos. Achei que um deles o mais forte poderia ser Duamutef, o filho de Hórus. Abraçaram-se todos os escoteiros e lobinhos e começaram a chorar. Todos se lamentavam por haver morrido. Morrido? Eram mortos vivos? Pensei em correr dali.

                     Pegaram-me pela mão. Levaram-me até um alto mausoléu. Diziam que eu estava no campo santo. Em volta de mim vi um jazigo cheio de ossos. Parecia que o cemitério estava acordando. Em cada catacumba, em cada mausoléu, em cada cova uma mão, uma cabeça e logo uma multidão de mortos em minha volta. Eram milhares. O Chefe do grupo me pediu para fazer a palestra. Todos aguardavam ansiosos este momento. De que meu Deus! Que palestra querem que eu faça? Nada sei do tal grande acampamento. Dizem que lá ficam todos os escoteiros que morreram, mas eu? A última vez que fui a um enterro faz anos! – Chamem Baden Powell! Ele entende disto melhor que eu!  Não Chefe, nada disto. Todos aqui querem saber como funciona a União dos Escoteiros do Brasil. Querem saber como funcionam as alcateias. Querem nomes de Akelás que o Senhor conhece para visitarem a meia noite. Todos se preocupam com as tropas. Querem nomes também dos seus amigos do Facebook. Pediram sua opinião se eles seriam bem recebidos na Assembleia Nacional do ano que vem. Deus do céu! Que era aquilo? Ajuda-me Baden Powell! Socorre-me almas escoteiras do outro mundo que já se foram!


                     Chefe Patrulha Águia convidando para o jantar. Chefe Patrulha Cucu convidando para o jantar. Chefe Patrulha corvo se apresentando para avisar que o jantar está pronto. Acordei. Abri os olhos e vi monitores fazendo o convite. Obrigado meu Deus. Era apenas um sonho. Um pesadelo. Estava com meus escoteiros num lindo acampamento. Vi o sol se pondo no horizonte. Bendito sol! Vi o regato de águas límpidas logo ali. Vi um peixinho pulando nas corredeiras. Graças a Deus. Graças a Deus. Ainda bem. Levantei-me. Espreguicei. Dei um enorme sorriso de felicidade. Havia dormido no tempo livre dado a eles para prepararem as refeições. Fui até o córrego lavar o rosto e me refrescar. Cantarolava o Rataplã, agora sim, eu estava vivo e gostava de estar. Levantei peguei a toalha para enxugar. Do outro lado do córrego, lá estava ele, Funério o morto vivo da rodoviária. – Disse alto com voz grossa cavernosa e fúnebre – Sempre Alerta Chefe, à meia noite virei te buscar!


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