Lendas para fogo de conselho.
A ardilosa Acará do riacho
Vermelho.
Podem dizer que é invenção. Podem dizer o que
quiserem. Não me importo, juro pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico das Mercês
que é verdade. Afinal tenho mais três testemunhas (infelizmente todas já se
foram para ao grande acampamento). Seis experientes escoteiros sendo enganados
por um peixe? Fiquei deveras preocupado com o acontecido. Isto nunca aconteceu
antes. Como uma simples pescaria um peixinho “mixuruca” deu um baile em quatro
primeiras classes? E sem me gabar, me considerava um grande pescador.
No Rio Doce pesquei
todo tipo de peixe. Era “bamba” na pesca do Timburé. O peixe que não era para
qualquer um pescar. Um dia até peguei um com as mãos quando mergulhava num
remanso lá pelos lados de Derribadinha.
Mas vamos contar o que aconteceu. Acredite
quem quiser. Nosso Chefe era muito amigo do Seu Chico das Mercês. Ele tinha um
sitiozinho lá pelos lados de Malacacheta. Um sitiozinho, mas querem saber? A
cavalo precisava de três semanas ou mais para percorrer a divisa com outras
fazendas. Gostávamos de acampar lá. Não era longe e ele era um amigo do peito
dos escoteiros. Uma floresta fechada linda a sumir de vista. Cinco córregos e
ainda o Rio Vertente cruzava de norte a sul em suas terras. Um local perfeito.
Nada que menos de duas horas de bicicletas não resolvesse a viagem
(parece que eram duas léguas de distancia, mais ou menos doze quilômetros).
Em janeiro de 1954 nas férias fomos acampar lá. Só a minha Patrulha Lobo. Grupo
fechado em férias, a nossa Patrulha Lobo reclamava de não fazer nada. Porque não
acampar? Melhor ainda, vamos levar só sal e óleo e lá nos viramos? Desafio era
conosco. Éramos quatro primeiras classes. Experiência era o que não nos
faltavam.
Primeiro
dia, montamos uma cabana para substituir as barracas. Cabia mais de oito
escoteiros. Chegamos às três da tarde. Seu Chico sempre rindo. Era uma festa para
ele nossa chegada. – Jantem comigo hoje, disse. Obrigado Seu Chico, mas sabe
como é. Pretendemos acampar próximo ao Córrego Vermelho e não é perto. -
Entendo ele disse. Mas cuidado. Não contem com as acarás de lá. São danadas de
espertas. Todos riram. Peixe esperto? Só mesmo o seu Chico para dizer isto.
Eram quatro horas da tarde e achei um local com muita minhoca “puladeira”.
Perfeito. Era a melhor para a ocasião. Cortamos eu e o Fumanchu duas varas de
bambuzinho Chinês e em minutos tínhamos tudo preparado. Romildo e Israel, Tonhão
e Alaor ficaram no campo fazendo uma mesa e um fogão suspenso. Achamos um belo remanso. Água cristalina. Lá
no fundo uma bela de uma Acará nadava se mostrando ser a maior e melhor.
Enorme. Rabo vermelho. Um jantar perfeito.
Joguei a linhada e aproximei o anzol de sua
boca. Ela deu uma nadou para trás. Fui mais próximo e ela escondeu em uma
galhada. Perdi meu anzol. Fumanchu tentou e nada. Tinha reservas. De novo ela
andando de ré. Subia até a superfície pulava e sumia. Aparecia em outro remanso
bem abaixo. Corríamos até lá e nada. A maldita sumia e aparecia em outro
remanso. Já ia escurecer e não tínhamos pegado nada. Caramba! E as traíras? E
os lambaris? Só aquela maldita Acará?
Não podíamos
desistir. A fome ia chegar e comer capim? Programa de índio. Foi então que
resolvemos fingir que íamos embora. Voltamos rastejando pé ante pé e vimos o
inusitado. Não era uma, eram mais de vinte Acarás. Elas fingiam ser uma só.
Impossível? Já disse, juro pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico. Combinei com Fumanchu.
Você joga a linha mais no meio e eu no inicio do remanso. Vamos nos encontrar
bem devagar. Pelo menos uma vaia morder.
Sabem o que elas fizeram? Uma
fila indiana como se estivessem a escrever a palavra “otários” no fundo do
remanso. Não acreditei. E elas então ficaram juntas e vieram até a borda da
água e fizeram biquinhos como estar dando risadas.
Voltamos sem nada. Uma noite sem comer não mata ninguém. Na volta achei um pé
de banana maçã. Quebrou o galho. Nossa pescaria mudou de rumo. Agora íamos até
o rio Vertente. Lá não teve problemas. Uma pescaria das boas com piaus e
corvinas.
De vez em quando ia até o remanso e ficávamos olhando as Acarás. Elas
sempre vinham à tona e abriam sua boquinha como a dizer: - Otários! Acho que
esta foi minha melhor história de menino escoteiro. Sei que ninguém vai
acreditar, mas fazer o que? Contei isto à vida inteira em Fogo do Conselho e ninguém
acreditou. s escoteiros. Os seniores gostaram tanto da piada (assim disseram)
que foram acampar lá e também foram tapeados pelas Acarás.
Na tropa e nos Seniores não houve quem não tentasse. Pela primeira vez,
a Patrulha Lobo foi enganada por um bando de Acarás. Um peixinho que todos
dizem ser mansos e agora eu mudei de opinião.
E
quem quiser acreditar tudo bem, quem não quiser paciência. Mas não se esqueçam de dizer a todos que eu
juro que é verdade. Pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico das Mercês.
Nota – O Cavalo Baio nunca existiu. Era uma lenda que Seu Chico contava e
ninguém acreditava!
Quem quiser que conte outra, pois entrou por uma
porta e saiu por outra!
Nota - Poderia
contar outra história. Tenho várias prontas para postar. Mas me lembrei desta
pescaria. Foi demais. Um peixe chamado Acará que deu um verdadeiro banho na Patrulha
Lobo. Não acreditam? Eu juro pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico das Mercês.
Não sei se ainda está vivo, mas ele me contou que foi ele mesmo quem adestrou a
peixarada par enganar os escoteiros. Risos.
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