Lendas
escoteiras.
Era uma
vez... Uma onça pintada guia de um Escoteiro cego.
Quando eu batia palmas no portão de
sua casa para entregar alguma correspondência eu ouvia o barulho da bengala de
Joel Fantin. Não sei, mas acho que tínhamos a mesma idade. Eu sabia que ele agora
trabalhava nos correios e quando conseguiu o emprego se transformou em outro
homem. Eu também trabalhava lá como carteiro. Conhecia um mundão de gente, mas
Joel Fantin era único. Era cego, ou seja, um deficiente visual. Perdera a visão
há oito anos atrás. O que me contaram eu entendi que foi uma fatalidade. Joel
era Escoteiro. Entrou como lobo com oito anos. Quando passou para a tropa
resolveu subir em uma árvore. Natural todo menino sobe em árvore, mas com Joel
foi diferente. O galho seco não lhe deu sustentação e ele caiu de costas
batendo a cabeça em um tronco. Levado ao hospital os médicos viram que ele
perdera a visão. Cidade pequena sem recursos, Joel vivia com seu pai um
carroceiro que fazia entrega de areia retirada do Rio Pombo.
A mãe de Joel morrera quando ele
nasceu. Um parto mal feito. O pai de Joel não sabia o que fazer. Um filho de onze
anos cego? Como cuidar dele? Interessante que em tempo algum Joel perdeu a
esperança. Mesmo sem enxergar tinha um sorriso nos lábios. Sua Patrulha a Onça
Parda lhe deu todo apoio. Em conselho de patrulha ficou determinado que pela
manhã, à tarde e a noite sempre um da patrulha iria a sua casa ajudar nas
tarefas e conversar com Joel. As outras patrulhas também fizeram o mesmo. Era
comum chegar a sua casa e encontrar quatro ou oito Escoteiros a brincarem e
conversarem. O Senhor Juventino seu pai quando chegava e encontrava tudo
arrumado, jantar pronto, e vários Escoteiros ele se emocionava. Nunca pensou
que eles por muito tempo dessem o apoio que sempre deram. Aos sábados alguém o
levava a reunião. Quando ele quis ir aos acampamentos a chefia ficou em
polvorosa. Ninguém sabia como agir ou fazer. Joel foi, esticaram um sisal por
onde ele precisaria andar no campo de patrulha. Da cozinha a barraca, da
barraca a mesa de refeições e até o WC atrás do campo de patrulha. No segundo
dia dispensou o sisal.
O tempo foi passando e Joel
quando fez dezessete anos seu pai faleceu vitima de uma dengue hemorrágica. Só
souberam que era dengue depois de morto. Desta vez Joel chorou. Agora não sabia
o que fazer. Cego e sozinho mesmo com ajudas dos seus irmãos Escoteiros seria
uma “barra” para enfrentar. Uma semana duas e mesmo com a presença dos
Escoteiros em sua casa ele nada dizia. Seus olhos que não viam nada ainda
tinham lágrimas que caiam sem cessar. Joel pensou em tirar sua vida e quem sabe
ir morar com sua mãe e seu pai no céu. Tirou logo da cabeça este pensamento. Se
até hoje ele enfrentou a vida e nunca desistiu porque desistir agora? Joel
sorria quando os Escoteiros chegavam. Mas ele sabia que cada um deles tinha sua
família e não iriam ficar com ele para sempre. Ninguém nunca me contou os
detalhes, mas fiquei sabendo que Joel Fantin foi a um acampamento na Serra do
Falcão. Para ele não havia dia ou noite, pois vivia em completa escuridão.
Nos acampamentos não demorava muito
para Joel Fantin decorar cada passo e onde podia ir. Era no campo que ele se
completava. Gostava de sentir o orvalho na pele, do vento soprando sobre ele,
do som que ouvia da passarada e do canto da cotovia. Ele tinha ideia de como
eram as estrelas no céu, de como era uma lua cheia, mas estas visões aos poucos
estavam sendo esquecidas. Em contra partida seus sentidos de audição e olfato
se transformaram. Qualquer som ele sabia o que era o cheiro da terra, o cheiro
do lago, das árvores e da sopa de Marcelinho um cozinheiro que fazia estalar a
língua nas refeições. Tudo aconteceu na ultima noite após o Fogo de Conselho em
que ele participou de um esquete com a patrulha. Não se sabe como eles se
esconderam atrás de uma árvore para serem chamados pelo Monitor e cada um iria
apresentar uma piada para quando todos tivessem terminados rolassem no chão de
tanto rir. As piadas eram sem graça, mas quando rolavam no chão a tropa também
rolava de rir com eles.
Quando Joel Fantin foi chamado ele
não veio. Não é possivel pensou o Monitor, ele estava sentado atrás do
castanheiro e tão perto da ferradura que não tinha como se perder. Nesta hora
todos abandonaram o fogo e partiram a procurar seu patrulheiro naquela noite
escura e sem luar. Duas horas depois ouviram um apito e todos acorreram para
lá. Um susto tremendo, nunca viram tal coisa – Joel Fantin estava sentado
acariciando uma enorme onça pintada. Grande, mais de 160 quilos, robusta e eles
sabiam que a potencia de sua mordida era considerada como a maior entre os
felinos de todo o mundo. A onça balançava a cauda como se estivesse gostando
das carícias de Joel Fantin. Ninguém disse nada, assustar a onça podia haver
uma alteração de amizade com a crueldade com que ela estava a agir no momento.
Joel Fantin ouviu os sons de seus amigos e os chamou – Podem aproximar, ela me
disse que não fará mal a ninguém.
A maioria não foi, mas sua patrulha a
Onça Parda sabia que devia considerar o nome que escolheram e foram até lá.
Dizem que os sorrisos as alegrias e o ronronar da onça foi de perder o folego.
O Chefe estava lá e não acreditava baixinho chamou todos para retornar ao
acampamento. A onça pintada foi atrás. Uma amizade incrível aconteceu entre ela
e Joel Fantin. E quando me contaram o desfecho da história eu não acreditei.
Sei que o Escoteiro tem uma só palavra, mas aquela história era inverossímil
demais para mim. Eles levaram no ônibus a onça pintada, ela foi morar com Joel
Fantin e agora era sua guia por toda a cidade. O próprio Chefe que era carteiro
e me contou disse que Joel Fantin morrera com mais de 90 anos e a onça viveu
com ele até o seu ultimo dia na terra. Eu sabia que uma onça tem no máximo 25 a
35 anos de vida e isto reforçava minha incredulidade na história. Foi então que
o Chefe ligou sua TV e colocou em um aparelho um DVD onde mostrava tudo que um
dia aconteceu entre Joel Fantin e sua amiga a Onça Pintada.
Histórias são histórias, alguns acreditam
outros não. Eu conheço centenas de historias algumas vi com meus próprios olhos
que a terra há de comer, outras foram causos contados nos acampamentos e nas
clareiras de uma floresta qualquer. Para dizer a verdade não queria contar
esta, pois todos vão duvidar e eu não posso provar. Portanto só posso dizer
antes de terminar que “boi não é vaca, feijão não é arroz e quem quiser
acreditar que conte dois”!
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