Crônicas de
um Velho Escoteiro.
Memórias de
um “Caderno”.
Uma Insígnia
de Madeira.
Quem não tem este sonho? Todos
têm. Alguns lutam muito outros desistem no meio do caminho. Cada tempo, cada
momento tem seu lugar na história e na memória de cada um. Dizem que ser
Insígnia no passado era mais difícil que hoje. Não sei se é verdade. Até fins
da década de setenta, a Insígnia era dividida em três partes. Parte I, o Caderno.
O famigerado Caderno. Todos morriam de medo dele. A parte II era feita no
campo. Dez dias ou oito dias. Depois diminuíram para cinco e hoje dividem
tantos fins de semana por mês. A Parte III era observação. Hoje tem muitos AP,
naquela época não. Lembro que os que se arriscavam começavam pela parte II. No
campo. Oito dias e era em local inóspito. A ideia era todos viverem como Escoteiros
em um Acampamento. Um Sistema de Patrulhas Perfeito. Monitores em rodízio,
obrigações na patrulha eram cobradas. Não importa se cozinheiro, se intendente
ou mesmo um simples aguadeiro.
Oito dias. Uma
preocupação geral em que todos saíssem dali sorrindo, amigos, um time de
verdade. Pois era assim que se esperava das patrulhas quando os chefes
voltassem para suas tropas. Não tinha restaurante, Self Service, nada. Cada
patrulha recebia suas rações e cozinhava. Na patrulha todos seriam monitores,
cozinheiros, intendentes, almoxarifes, aguadeiro, enfermeiro ou construtor de
pioneiras. Horário corrido. Tempo livre só para almoço. As sessões duravam de
uma a duas horas. Os temas mais comentados eram Sistema de Patrulhas, Corte de
Honra, Jogos, Programando o Programa, Técnicas de Pioneiria, Garbo e boa Ordem,
Padrões de Acampamentos, Normas e Regulamentos, Atividades Aventureiras, Métodos
e Programas, Tradições e Cerimônias, Conhecendo o Adolescente, Jogos, Deveres
para com Deus (Lei e Promessa) e muito mais. Hoje falam muito em temas que os
dirigentes julgam mais importantes. Bem cada um tem suas visão do
desenvolvimento de um Chefe Escoteiro. Passado é passado. Não sei se eles estão
certos e eu errado.
Claro que antes de
partir para um Curso Avançado da Insígnia de Madeira, começávamos com um Curso
de Adestramento Preliminar. Cinco dias no campo. Aprendendo tudo que
Baden-Powell deixou como bases do escotismo. Sei de muitos que fizeram a Parte
II de campo e desistiram. Por quê? O famigerado “Caderno” o terror dos chefes.
Um questionário com dezenas de perguntas para serem respondidas. Dizem-me que
hoje alguns estados ainda fazem assim. Outros não. Como fazem não sei se é bom
ou ruim. Cada um comentava que o famigerado “Leitor” não tinha “papo dois” ou
era ou não era. – Você só recebia o lenço se lutasse por ele. Sem essa de
amizade, proteção ou bajulação. A gente nem sabia quem era o leitor. Meu “Caderno”
foi posto no correio no final de abril de 1965. Olhei para a moça do balcão e
paguei como carta registrada. Seis meses e nada. Cobrar? Um belo dia ele veio
de volta. Refaça as alíneas II e VIII. Olhei, era sobre o Sistema de Patrulha e
Corte de Honra.
Passava minhas folgas
devorando os livros de BP e do Velho Lobo. Dois meses depois lá estava eu no
correio a despachar. Quatro meses e ele de volta. Refaça tudo sobre Lei e
Promessa e tudo sobre Normas e Regulamentos. Mais três meses e lá estava eu de
novo sorrindo para a moça do balcão do Correio. Desta vez demorou nove meses.
Abri o envelope e junto um Certificado de Aprovação. Sorri de orelha a orelha.
Agora era esperar a Parte III. Falar com quem? O Escoteiro Chefe é claro.
Mandei uma carta. Sem essa de e-mails ou telefone. Tudo escrito à mão. Até o
caderno tinha de ser a mão. O leitor queria ver como escrevíamos. O Chefe Darcy
Malta me mandou um ofício. Dizia que seria meu leitor. Não tinha como ver o que
fazia na tropa (Grupo Escoteiro Walt Disney em Belo Horizonte). Escrevi para ele
como eu era o que fazia quantos acampamentos fizemos nos últimos quatro anos,
quantos jovens saíram e quantos entraram.
Início de 1967, um Ajuri
Distrital em Belo Horizonte. Convidados de vários estados presentes. Eu Chefe de
um Sub. Campo Senior. A noite um fogo do Conselho só do sub. campo. Foi ali no
calor de mais de 110 seniores que recebi minha Insígnia. A mesma que uso até
hoje e o colar. Dois tacos. Ri a valer. Uma alegria sem fim. Nunca esqueci tudo
que fiz para ser um IM. Os oitos dias acampados
ficaram gravados para sempre em minha mente. O Ninho de Águia que eu e a
patrulha construímos me serviram para dizer que nada é impossível. A chamada às
duas da manhã para capturar uma capivara foi demais. Claro que depois foi
solta. À tarde das cobras corais me ensinou a não ter medo. Cada patrulha iria capturar
uma e ver quais as venenosas ou não. O fogo do conselho foi imaginável. Os
grandes jogos em patrulha, as noites em volta de uma fogueira cantando e
dançando com a equipe foi demais.
Porque escrevo isto?
Afinal não é passado? Amanhã ou em alguns anos os de hoje também não terão suas
histórias para contar? Histórias aventureiras? Espero que sim. Não sei como são
feitos os cursos de Insígnia hoje. Devem ser supimpas. Mas meus amigos não sei
se o Sistema de Patrulha, o mais importante no método de BP está sendo
realizado a altura. Os acampamentos aventureiros só com a sessão, seja Escoteira
ou de Seniores as fotos e o que me dizem não são mais os mesmos. Existem ainda
boas tropas, fazendo um belo escotismo. Mas como dizia Baden-Powell, só os
resultados interessam. Resultados de jovens alegres, firmes no seu ideal que ficavam
cinco, dez ou mais anos na sua trilha desde lobo até pioneiro. Daqueles que
tinham Deus no coração. Daqueles que um olhar bondoso se via em qualquer
situação de dificuldade.
Eu fui lobo, fui Escoteiro,
fui sênior. Aprendi muito e agradeço também aos chefes da Equipe que dirigiram
meus cursos. Em plena selva, mas com responsabilidade de saber que ali tinha
pessoas que precisam de amor, carinho e uma palavra amiga em qualquer tempo.
Dirigi muitos cursos. Muitos insígnias, muitos cursos técnicos, muitos para
lobos e seniores. Nunca concordei com os tais cursos de fins de semana para ser
um IM. Escrevemos muito sobre a palavra impossível. Eu sou fã dela. Lembro-me
daquele general inglês que era mestre em dizer que o possivel fazemos agora, e
o impossível daqui a pouco. Oito dias é pouco em uma férias. Afinal é uma vez
só na vida! Quem quer faz, quem não quer manda. Hoje não sei se isto ainda
existe. Claro tem muitos como eu que dão a vida por isto. São aqueles que ainda
não voltaram ao desejo de fugir de uma conversa ao pôr do sol, em volta de um
fogo, ou ficar horas em uma montanha só para ver o nascer do sol. Insígnia de Madeira.
Desejo de muitos, conquista de poucos. E o caderno? Puxa! O Meu foi demais!
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