Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
“Operação Mata Pato”
Pelo
sol baixo vi que a tarde estava chegando. Ainda a pino queimava minha cabeça
através do meu chapelão Escoteiro. Nunca o abandono nas minhas andanças e nas
lembranças quando fui um grande Agente Secreto Escoteiro. Não esqueço o dia que
desceu do trem em minha cidade um homem estranho, alto, forte com um chapéu rosa
esquisito na cabeça, de sandálias camisas e bermudas também rosa. – Que isto?
Eu pensei. Só poderia ser um espião da KGB. Dizem que eles têm dois estilos. Um
circunspecto sério, caladão e só andam na sombra da noite. O outro
espalhafatoso, querendo se mostrar diferente para tapear agentes sérios como
eu. Dei voz de prisão ao espalhafatoso. Afinal eu estava uniformizado, com meu
chapelão (Cacilda, ele não sai da minha cabeça) e minha faca alemã na cintura.
Ele me olhou e deu belas gargalhadas. Tirou do bolso uma identidade. Era o novo
Juiz da cidade. Sorri seco e pedi desculpas. Escapei de boa, pois ele também fora
Escoteiro.
Mas ali
estava eu Piquitiba, capital de um estado que estava ficando famoso em meu país
devido a Operação Mata Pato. Eramos considerados ao sul do trópico de
capricórnio, (meu signo que sempre me deu sorte) como a nação das lindas
mulheres seminuas das Faculdades do Samba (deixaram de ser escola e foram
promovidas). Eu me orgulhava de ser um autêntico Arabutáneo, nome retirado de
uma arvore mais bonita que o Pau Brasil. Arabutâ tinha mais de 300 mil
escoteiros e se orgulhava de sua disciplina, pois não havia perdão para os
faltosos. Ali se errou escoteiramente falando o pau comeu. Eu sabia que naquele
mato não saia coelho e que abusava ia passar uma temporada vendo o sol nascer
quadrado nas masmorras de Piquitiba. Mas eu era um valente. Sempre fui. Na
minha infância enfrentei bandidos e peguei um jacaré pelo rabo só para ver
quantas voltas em torno de si mesmo ele aguentava sem ficar tonto.
Não foi
difícil encontrar a sede nacional. Eu sabia que estava sendo julgado. Tudo
porque recebi o certificado me nomeando para a Academia Escoteira de Letras. Eu
era agora um imortal por ser um fajuto escritor de contos escoteiros. Dois
diretores um Italiano cheio de sorrisos e outro sulista trovador e tocador de
guitarra haviam me nomeado sem mesmo perguntar se eu queria. Recebi pelo
correio o fardão. Iria ficar supimpa com ele, mas perguntei se podia usar no
dia da posse meu chapelão Escoteiro e por baixo meu uniforme caqui. Bem agora
precisava saber se iam melar minha posse. Só em Piquitiba poderia saber. Era
uma sede simples, quem via não dizia que até a Presidenta Cacilda Toupete
invejava. A porta estava aberta. Olhei uns dez funcionários jogando dominó e
outros tirando um cochilo. Não havia nenhum profissional Escoteiro lá. Estavam
em falta. Aproveitei um roncado e corri até a porta das escadas que levava ao
porão.
Minha
nossa, levei o maior susto. Vários calabouços pintados de verde e amarelo e
muitos desenhos da nova flor de lis estilizada. Ser preso junto a estes
desenhos era o fim do mundo. Todas as celas cheias de chefes escoteiros. Vi que
a maioria eram velhos escoteiros. Perguntei a um porque estava preso – Chefe!
Não quis mais escrever SAPS. Eles souberam e me trancafiaram. Outro com aquela
cara de B-P perdido no tiroteio em Mafeking disse não aceitar as mudanças do
uniforme. Ele era um caqueano e não arredava o pé! Havia dezenas deles. Em um
canto muitos listeiros da Flor de Lis confabulavam como sair dali. – Tomou
papudo! Quem fala muito dá bom dia ao cavalo. Cheguei ao salão oval onde eles
se reuniam. Parecia uma mesa que me recordava a Távola
Redonda, onde eles se
reuniam para confabular com o Rei Arthur. Sabia que ela foi feita este formato
para que não tivesse cabeceira, representando a igualdade de todos os seus
membros. Igualdade? Isto eu não vi ali.
Eram seis. Dois deles
eu sabia que não eram mais da Comissão do TCHAN. Mas mandavam em tudo ainda. A
mesa cheia de papeis, fotos minhas espalhadas por todo canto. Um vociferava:
Temos que acabar com a raça deste maldito Velho Escoteiro! Outro dizia: Mil
dias de prisão em solitária! Um lá do norte mais calmo dizia que devíamos
respeitar opiniões. Coitado, foi massacrado. Um mineiro de fala mansa resolveu
interceder por mim. Disseram a ele que não mandava nada. Ele fechou a cara.
Afinal fora eleito pela maioria dos 0,01% do efetivo nacional na Assembleia
Nacional. O Chefão da Comissão de Ética torcia as mãos. – Deixa ele comigo, vou
mostrar com quantos paus se faz uma pioneira, isto é uma canoa! – O líder
quatro tacos sorria de alegria e prazer. Já sonhava com seu quinto taco e quem
sabe chegaria a seis como foi B-P. Havia muito tempo que não trancafiavam um
chefão Escoteiro. Precisavam de um para dar exemplo e os demais dizerem SAPS
sorrindo!
Ouve um zumbido
atrás de mim. Me virei e vi mais de 1.000 Politicamente Corretos com aqueles
bastões usados em jogos de basebol batendo nas mãos e dizendo: - Agora vais
pagar por tudo Velho Escoteiro. Vais morrer na prisão. Um deles tirou o cinto
para me dar uma cintada. A fivela entortou. Era material de segunda mão e não
valia nada. Outro tirou um chapéu de pano da cabeça, vendido para aumentar o
caixa mostrando uma careca enorme com oito fios de cabelo. – Vais me pagar
pelos seus contos envenenados seu Velho chato de galocha! – Tremi na base. Não
havia como escapar. Ninguem ia me socorrer. Uma figura de um Velho de barba
branca com um sorriso legal me disse: Chefe faça como eu, enfrente os inimigos
de frente. Eu fiz por merecer na guerra do Transvaal. Não corra! Não mate! Não
morra! E viva Gilwell Park!
Comecei a berrar feito um
louco. Tentei me desvencilhar e nada. Era cada vez mais preso no piso do chão.
Me arrastavam e eu segurando o meu chapéu de três bicos. Dele nem morto ia me
separar. Um deles falou baixinho no meu ouvido: Diga que vai vestir a
vestimenta e eles te perdoam. Olhei para ele com os olhos chamuscando de raiva.
Me mate, me enforque, corte minha cabeça com uma espada, mas se tiver de morrer
será com meu caqui de quem nunca me separarei. Levei uma porretada na cabeça.
Acordei com a Célia me chamando. – Marido! Outra vez? Quando vai parar estes
seus pesadelos escoteiros? Putz Grila! Ainda bem que era um sonho, mas que
pesadelo Deus do céu. Prometo nunca mais fazer isto e ser um escoteirinho
obediente e disciplinado. Rarará!
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