Lendas
Escoteiras.
Velhos
Escoteiros não contam histórias...
A tarde ia chegando devagar. Ainda
havia sol e eu gostava de ficar ali em minha varanda imaginando o nascer e o
por do sol. Eu sabia que a vista não tinha montanhas não tinha arvores e em
alguns casos nem mesmo o céu azul eu podia ver. Olhava sim um telhado de um
sobrado a minha frente e imaginando que ele o sol caminhava para o oeste e no
dia seguinte ele iria aparecer no leste. Um automóvel parou na minha porta.
Quem poderia ser? Não eram meus filhos, nunca chegavam a esta hora. Desceu do
veículo a figura que menos esperava em minha casa. Nada mais nada menos que o Chefe Jack Sparrow, ou melhor, o Comissário
Plutarco. Era famoso no meu tempo. Seu distrito Escoteiro foi comentado até no
exterior. Diziam que ele era a cara do personagem de Johnny Depp no filme que lhe deu fama. Eu já o
conhecia a muitos e muitos anos e tinha seus livros que escreveu e agora não
escreve mais. Era mesmo
uma figura imponente. Cabelos brancos, um sorriso magnífico, e o melhor homem
de um caráter ilibado. Como sempre vestido a caráter com seu caqui curto e seu Chapelão.
Eu gostava de ver as abas sempre retas parecendo ter saído da fábrica.
Fiquei cismado com sua visita. Claro
uma bela visita. – Entre meu amigo, muitas
saudades de você. Ele abriu aquele enorme sorriso e me abraçou como sempre
fazia. – Perguntou-me: - Vamos conversar aqui na varanda? - Você quem manda
meu caro Chefe. Jack estava chegando aos seus oitenta anos. Seis a mais que eu.
– Chefe Vado, eu vim aqui especialmente para lhe fazer um convite. Olhei
espantado. Ele continuou: – Andei meio afastado do Movimento. Senti saudades e
vi que voltar não dava mais. Ando com dificuldade e você sabe, nesta idade
sempre temos surpresas que a velhice nos reserva. - Faz parte da vida
completei. – Sabe Chefe vou contar o porquê vim aqui. Há meses organizei em uma
rede social, um clube de Antigos Escoteiros. Eram bem vindos quem passou dos
sessenta e cinco anos. Somos dezoito e todos alegres e bonachões com seu
escotismo nunca esquecido. Evitamos criticar o presente Escoteiro. São muitas
lembranças claro sempre uma pitada de nostalgia. Alguém deu a ideia de fazermos
um acampamento uma vez por ano. – Olhei
espantado para ele. – Não me convidou Chefe Jack? – Não me lembrei. Por isto agora
é meu convidado de honra.
- Em síntese, continuou
– Vamos acampar no mês que vem. Seremos quatorze participante. Se você aceitar
seremos quinze. – Pensei com meus botões, acampar hoje? Mas porque não? Claro
que tenho dificuldades em abaixar e levantar, e o pulmão não costuma colaborar,
mas poderia dar um jeito. – Chefe Jack, os demais são como eu? Ele riu. Tem um
que vai em sua cadeira de rodas, está vindo de Salvador. Tem outro do Rio que
anda de muleta! E daí? Somos Escoteiros e não vamos morrer sem fazer nossos
acampamentos. Afinal sabemos ou não improvisar? Sorri. Seria o último de cada
um? Pode até ser, mas todos os anos um vai acontecer! Celia chegou com seu
cafezinho mineiro e depois dos apertos de mãos, abraços entrou na conversa. –
Osvaldo ela disse. Você tem de ir. Tem de voltar aos velhos tempos meu marido!
Minha mente fervilhava. Acampar novamente? Será que ia aguentar? Seria um
desafio para mim. Se o Chefe Jack e
outros toparam eu não iria ficar de fora. A conversa continuou noite adentro.
Chefe Jack Sparrow se despediu lá pelas onze da
noite. Mando para seu e-mail o dia a hora e o local aonde vamos nos encontrar.
Vamos dividir as despesas. Um ônibus estará lá para nos levar.
Meus preparativos me lembravam do meu tempo de menino que sonhava com o
dia do acampamento. Uma semana sorrindo e fazendo mil planos. Eu parecia aquele
Vado do passado, olhando a mochila, limpando, passando meu uniforme, dando um
trato na minha faca e meu facão, desinfetando meu cantil e achei lá no fundo do
baú meu cabo ainda costurado como gostava. Achei a capa preta e sorri ao ver
que ela estava nos trinques. Célia me levou ao local do encontro. Cheguei em
cima da hora. Que prazer em colocar minha mochila como nos velhos tempos. Era
Escoteiro ou não? Abraços, eu sou fulano, sempre alerta! Prazer em conhecer
você. Vai ser bom convivermos por três dias juntos! – Estas eram as palavras de
ordem. No Ônibus parecíamos meninos a ir acampar. Bom demais. E a cantoria? E
as tosses? E os remédios cruzando de mãos em mãos? Claro todos levavam seus
apetrechos farmacêuticos. Esqueci, havia uma mulher. Não vou dizer o nome, mas
foi DCIM há muitos anos. Famosa. Até hoje nos seus 84 anos era linda como foi
no passado.
O
local era maravilhoso. Um lindo bosque, um riacho cantante (adoro riachos que
cantam), as barracas ainda por armar e o Chefe Jack Sparrow perguntou se alguém
precisava de ajuda. Combinei com ele de uma barraca só minha. Seria uma
aventura entrar nela, deitar, levantar várias vezes a noite e voltar. Mas sei
que valeria a pena. Uma pequena casa com algumas camas e uma cozinha
completavam nosso campo. Combinamos de nós mesmos cozinhar. Dividimos em
patrulha. Interessante que a minha falta de ar e minhas dores diminuíram.
Sentia sim saudades do meu amor. Fiz uma polenta que deixou todos de água na
boca. Ao lado da casa tinha muitos bambus cortados. Minha poltrona do
Astronauta não ia ficar sem fazer. Juntos fizemos uma mesa grande. Cabiam
todos. Nunca vi tantos sorrisos de Velhos Escoteiros. Ninguém gemia a não ser
uma tosse aqui e ali. Faz parte da velharia diziam. Risos. Todas as noites nos
reuníamos em volta de um fogo. Cada um cantava, apresentava um número qualquer
para os demais. Não importávamos de ficarmos até às duas da manhã sob os
cuidados do orvalho saudoso que caia.
O Fogo de Conselho foi demais. Ninguém
conhecia o Serafim. Rí à beça quando vi aquela velharia caindo de solapa no
chão. Há muito tempo não ria assim. Todos pareciam irmãos de patrulha. Sempre
com um sorriso nos lábios, hora nenhuma ninguém baixou enfermaria. Na canção da
despedida nunca vi tantos velhos Escoteiros chorando. Ao terminar nos abraçamos
com lágrimas nos olhos. No final do domingo veio à partida. Fizemos questão de
nós mesmos desarmar as barracas e fazer a limpeza do campo. Ninguém fez inspeção,
não precisava. Ali estava dois primeiros classe, dois Lis de Ouro, dois
Escoteiros da Pátria, oito DCBS, três DCIM e eu uma Pata-Tenra perto daqueles
mateiros profissionais. Na volta as canções custavam a sair. As vozes estavam
embargadas. Era difícil cantar. Foi bom demais. Cada um pegou seu taxi e partiu
para sua morada. Célia me esperava. Eu fiquei ali até o último partir. Ainda
chorava. Sou Velho e chorão.
Acordei do meu sonho sorrindo. Como é bom sonhar. E se tivesse um
acampamento assim? Quem sabe um dia? Não morrerei sem meu último acampamento. Estive
pensando em reviver o passado e partir para uma floresta só eu e Deus. Preciso
decidir, pois não posso fugir do meu destino Escoteiro. O tempo vai passando e
minha vida se esvaindo. Dizem que devemos ter a velhice porque ela nunca vem
só. Bengalas são provas de idade e não de prudência. Abraços e todos vocês!
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