Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

domingo, 27 de setembro de 2015

Velhos Escoteiros não contam histórias...


Lendas Escoteiras.
Velhos Escoteiros não contam histórias...

                      A tarde ia chegando devagar. Ainda havia sol e eu gostava de ficar ali em minha varanda imaginando o nascer e o por do sol. Eu sabia que a vista não tinha montanhas não tinha arvores e em alguns casos nem mesmo o céu azul eu podia ver. Olhava sim um telhado de um sobrado a minha frente e imaginando que ele o sol caminhava para o oeste e no dia seguinte ele iria aparecer no leste. Um automóvel parou na minha porta. Quem poderia ser? Não eram meus filhos, nunca chegavam a esta hora. Desceu do veículo a figura que menos esperava em minha casa. Nada mais nada menos que o Chefe Jack Sparrow, ou melhor, o Comissário Plutarco. Era famoso no meu tempo. Seu distrito Escoteiro foi comentado até no exterior. Diziam que ele era a cara do personagem de Johnny Depp no filme que lhe deu fama. Eu já o conhecia a muitos e muitos anos e tinha seus livros que escreveu e agora não escreve mais. Era mesmo uma figura imponente. Cabelos brancos, um sorriso magnífico, e o melhor homem de um caráter ilibado. Como sempre vestido a caráter com seu caqui curto e seu Chapelão. Eu gostava de ver as abas sempre retas parecendo ter saído da fábrica. 

                      Fiquei cismado com sua visita. Claro uma bela visita. – Entre meu amigo, muitas saudades de você. Ele abriu aquele enorme sorriso e me abraçou como sempre fazia. – Perguntou-me: - Vamos conversar aqui na varanda? - Você quem manda meu caro Chefe. Jack estava chegando aos seus oitenta anos. Seis a mais que eu. – Chefe Vado, eu vim aqui especialmente para lhe fazer um convite. Olhei espantado. Ele continuou: – Andei meio afastado do Movimento. Senti saudades e vi que voltar não dava mais. Ando com dificuldade e você sabe, nesta idade sempre temos surpresas que a velhice nos reserva. - Faz parte da vida completei. – Sabe Chefe vou contar o porquê vim aqui. Há meses organizei em uma rede social, um clube de Antigos Escoteiros. Eram bem vindos quem passou dos sessenta e cinco anos. Somos dezoito e todos alegres e bonachões com seu escotismo nunca esquecido. Evitamos criticar o presente Escoteiro. São muitas lembranças claro sempre uma pitada de nostalgia. Alguém deu a ideia de fazermos um acampamento uma vez por ano.  – Olhei espantado para ele. – Não me convidou Chefe Jack? – Não me lembrei. Por isto agora é meu convidado de honra.

                        - Em síntese, continuou – Vamos acampar no mês que vem. Seremos quatorze participante. Se você aceitar seremos quinze. – Pensei com meus botões, acampar hoje? Mas porque não? Claro que tenho dificuldades em abaixar e levantar, e o pulmão não costuma colaborar, mas poderia dar um jeito. – Chefe Jack, os demais são como eu? Ele riu. Tem um que vai em sua cadeira de rodas, está vindo de Salvador. Tem outro do Rio que anda de muleta! E daí? Somos Escoteiros e não vamos morrer sem fazer nossos acampamentos. Afinal sabemos ou não improvisar? Sorri. Seria o último de cada um? Pode até ser, mas todos os anos um vai acontecer! Celia chegou com seu cafezinho mineiro e depois dos apertos de mãos, abraços entrou na conversa. – Osvaldo ela disse. Você tem de ir. Tem de voltar aos velhos tempos meu marido! Minha mente fervilhava. Acampar novamente? Será que ia aguentar? Seria um desafio para mim. Se o Chefe Jack e outros toparam eu não iria ficar de fora. A conversa continuou noite adentro. Chefe Jack Sparrow se despediu lá pelas onze da noite. Mando para seu e-mail o dia a hora e o local aonde vamos nos encontrar. Vamos dividir as despesas. Um ônibus estará lá para nos levar.

                        Meus preparativos me lembravam do meu tempo de menino que sonhava com o dia do acampamento. Uma semana sorrindo e fazendo mil planos. Eu parecia aquele Vado do passado, olhando a mochila, limpando, passando meu uniforme, dando um trato na minha faca e meu facão, desinfetando meu cantil e achei lá no fundo do baú meu cabo ainda costurado como gostava. Achei a capa preta e sorri ao ver que ela estava nos trinques. Célia me levou ao local do encontro. Cheguei em cima da hora. Que prazer em colocar minha mochila como nos velhos tempos. Era Escoteiro ou não? Abraços, eu sou fulano, sempre alerta! Prazer em conhecer você. Vai ser bom convivermos por três dias juntos! – Estas eram as palavras de ordem. No Ônibus parecíamos meninos a ir acampar. Bom demais. E a cantoria? E as tosses? E os remédios cruzando de mãos em mãos? Claro todos levavam seus apetrechos farmacêuticos. Esqueci, havia uma mulher. Não vou dizer o nome, mas foi DCIM há muitos anos. Famosa. Até hoje nos seus 84 anos era linda como foi no passado.

                    O local era maravilhoso. Um lindo bosque, um riacho cantante (adoro riachos que cantam), as barracas ainda por armar e o Chefe Jack Sparrow perguntou se alguém precisava de ajuda. Combinei com ele de uma barraca só minha. Seria uma aventura entrar nela, deitar, levantar várias vezes a noite e voltar. Mas sei que valeria a pena. Uma pequena casa com algumas camas e uma cozinha completavam nosso campo. Combinamos de nós mesmos cozinhar. Dividimos em patrulha. Interessante que a minha falta de ar e minhas dores diminuíram. Sentia sim saudades do meu amor. Fiz uma polenta que deixou todos de água na boca. Ao lado da casa tinha muitos bambus cortados. Minha poltrona do Astronauta não ia ficar sem fazer. Juntos fizemos uma mesa grande. Cabiam todos. Nunca vi tantos sorrisos de Velhos Escoteiros. Ninguém gemia a não ser uma tosse aqui e ali. Faz parte da velharia diziam. Risos. Todas as noites nos reuníamos em volta de um fogo. Cada um cantava, apresentava um número qualquer para os demais. Não importávamos de ficarmos até às duas da manhã sob os cuidados do orvalho saudoso que caia.

                     O Fogo de Conselho foi demais. Ninguém conhecia o Serafim. Rí à beça quando vi aquela velharia caindo de solapa no chão. Há muito tempo não ria assim. Todos pareciam irmãos de patrulha. Sempre com um sorriso nos lábios, hora nenhuma ninguém baixou enfermaria. Na canção da despedida nunca vi tantos velhos Escoteiros chorando. Ao terminar nos abraçamos com lágrimas nos olhos. No final do domingo veio à partida. Fizemos questão de nós mesmos desarmar as barracas e fazer a limpeza do campo. Ninguém fez inspeção, não precisava. Ali estava dois primeiros classe, dois Lis de Ouro, dois Escoteiros da Pátria, oito DCBS, três DCIM e eu uma Pata-Tenra perto daqueles mateiros profissionais. Na volta as canções custavam a sair. As vozes estavam embargadas. Era difícil cantar. Foi bom demais. Cada um pegou seu taxi e partiu para sua morada. Célia me esperava. Eu fiquei ali até o último partir. Ainda chorava. Sou Velho e chorão.


                     Acordei do meu sonho sorrindo. Como é bom sonhar. E se tivesse um acampamento assim? Quem sabe um dia? Não morrerei sem meu último acampamento. Estive pensando em reviver o passado e partir para uma floresta só eu e Deus. Preciso decidir, pois não posso fugir do meu destino Escoteiro. O tempo vai passando e minha vida se esvaindo. Dizem que devemos ter a velhice porque ela nunca vem só. Bengalas são provas de idade e não de prudência. Abraços e todos vocês! 

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