Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

domingo, 3 de abril de 2016

Memórias de um “Caderno”. Uma Insígnia de Madeira.


Crônicas de um Velho Escoteiro.
Memórias de um “Caderno”.
Uma Insígnia de Madeira.

                    Quem não tem este sonho? Todos têm. Alguns lutam outros desistem no meio do caminho. Cada tempo, cada momento tem seu lugar na história e na memória de cada um. Dizem que ser Insígnia no passado era mais difícil que hoje. Não sei se é verdade. Até fins da década de setenta, a Insígnia era dividida em três partes. Parte I, o Caderno, Parte II Campo e Parte III observação. De todos o caderno dava medo. Havia um receio enorme do leitor. O que ele iria dizer. A parte II no campo era gostoso, dez dias acampado. Depois caiu para oito, seis e hoje nem se quanto é. A Parte III era observação. Hoje tem muitos AP, naquela época não. Lembro que os que se arriscavam começavam pela parte II. No campo. Oito ou dez dias sempre em um local inóspito. A ideia era todos vivenciassem o sistema de patrulhas como escoteiros. Monitores e demais funções em rodízio, obrigações na patrulha eram cobradas. Não importa se cozinheiro, se intendente ou mesmo um simples aguadeiro.

                      Dez dias. Uma delicia de curso acampado e vivendo a vida de um Escoteiro. No final uma equipe de verdade que aprendeu a respeitar direitos e deveres. Era assim que se esperava dos chefes quando voltassem para suas tropas. Não tinha restaurante, Self Service, nada. Cada patrulha recebia suas rações e cozinhava. Todos aprendiam a serem monitores, cozinheiros, intendentes, almoxarifes, aguadeiro, enfermeiro ou construtor de pioneiras. Horário corrido. Tempo livre só para almoço. As sessões duravam eram diferentes. Em uma sombra, uma árvore, em meu curso teve uma dentro de um remanso de águas geladas. Os temas mais comentados eram Sistema de Patrulhas, Corte de Honra, Jogos, Programando o Programa, Técnicas de Pioneiria, Garbo e boa Ordem, Padrões de Acampamentos, Normas e Regulamentos, Atividades Aventureiras, Métodos e Programas, Tradições e Cerimônias, Psicologia do Adolescente, Jogos, Deveres para com Deus (Lei e Promessa). Eram assim os cursos Em Gilwell.
                        Antes de partir para um Curso Avançado da Insígnia de Madeira, começávamos com um Curso de Adestramento Básico (CAB). Cinco dias, foi alterado para três e hoje nem sei se tem. Sei de muitos que após fazerem a parte II de campo da IM desistiram. O caderno era um osso duro de roer. Um questionário com dezenas de perguntas para serem respondidas. Dizem que hoje em alguns estados ainda fazem assim. Outros não. Não entendo a falta de padronização. Chefe do Norte é diferente do Chefe do Sul? – Você só recebia o lenço se vencesse as três partes. A última um Chefe IM da sua área ficava responsável. Sem essa de amizade, proteção ou bajulação. A gente nem sabia quem era o leitor. Meu “Caderno” foi posto no correio no final de abril de 1963. Olhei para a moça do balcão e paguei como carta registrada. Seis meses e nada. Cobrar? Um belo dia ele veio de volta. Refaça as alíneas II e VIII. Olhei, era sobre o Sistema de Patrulha e Corte de Honra.

                        Passava minhas folgas devorando os livros de BP e do Velho Lobo. Um mês depois lá estava eu no correio a despachar. Quatro meses e ele de volta. Refaça tudo sobre Lei e Promessa e Normas e Regulamentos. Mais três meses e lá estava eu de novo sorrindo para a moça do balcão do Correio. Desta vez demorou quatro meses. Abri o envelope e junto um Certificado de Aprovação. Sorri de orelha a orelha. Agora era esperar a Parte III. Falar com quem? O Escoteiro Chefe é claro. Mandei uma carta. Sem essa de e-mails ou telefone. Tudo escrito à mão. Até o caderno tinha de ser a mão. “O leitor queria ver como era nosso português” e redação. O Chefe Darcy Malta me mandou um ofício. Dizia que seria meu observador. Não tinha como ver o que fazia na tropa (Grupo Escoteiro Walt Disney em Belo Horizonte). Escrevi para ele como eu era o que fazia quantos acampamentos fizemos nos últimos quatro anos, quantos jovens saíram e quantos entraram.

                      Início de 1965, um Ajuri Distrital em Belo Horizonte. Convidados de vários estados presentes. Eu Chefe de um Sub. Campo Senior. A noite um fogo do Conselho só do sub. campo. Foi ali no calor de mais de 110 seniores que recebi minha Insígnia. A mesma que uso até hoje e o colar. Dois tacos. Ri a valer. Uma alegria sem fim. Nunca esqueci tudo que fiz para ser um IM. Os dez dias acampados ficaram gravados para sempre em minha mente. O Ninho de Águia, a ponte levadiça, a ponte pênsil, o caminho do Tarzan e o elevador ficaram na história. Ali aprendi que nada é impossível. Apitos de chamada geral às duas da manhã para capturar uma capivara foi demais. Claro que depois foi solta. À tarde das cobras corais me ensinou a não ter medo. Cada patrulha iria capturar uma e ver quais as venenosas ou não. O fogo do conselho foi imaginável. Os grandes jogos em patrulha, as noites em volta de uma fogueira cantando e dançando com a equipe foi demais.

                        Porque escrevo isto? Afinal não é passado? Amanhã ou em alguns anos os de hoje também não terão suas histórias para contar? Histórias aventureiras? Espero que sim. Não sei como são feitos os cursos de Insígnia hoje. Devem ser supimpas. Mas meus amigos não sei se o Sistema de Patrulha, o mais importante no método de BP está sendo realizado a altura. Os acampamentos aventureiros só com a sessão, liberdade de ação para as patrulhas. Tempo livre fraternidade. Até hoje lembro o que dizia Baden-Powell: - Só os resultados interessam. Resultados de jovens puros nos seus pensamentos nas suas palavras nas suas ações. Ideal e espírito Escoteiro. Jovens que lutávamos para ficarem cinco dez ou mais anos na sua trilha desde lobo até pioneiro. Daqueles que tinham Deus no coração. Daqueles que um olhar bondoso se via em qualquer situação de dificuldade.


                        Eu fui lobo, fui Escoteiro, fui sênior. Aprendi muito e agradeço também aos chefes da Equipe que dirigiram meus cursos. Em plena selva, mas com responsabilidade de saber que ali tinha pessoas que precisam de amor, carinho e uma palavra amiga em qualquer tempo. Dirigi muitos cursos. Muitos insígnias, muitos cursos técnicos, muitos para lobos e seniores. Nunca concordei com os tais cursos de fins de semana para ser um IM. Escrevemos muito sobre a palavra impossível. Eu sou fã dela. Lembro-me daquele general inglês que era mestre em dizer que o possivel fazemos agora, e o impossível daqui a pouco. Oito dias é pouco quando se sai em férias. Afinal é uma vez só na vida! Quem quer faz, quem não quer manda. Hoje não ninguém tem mais tempo. Insígnia de Madeira. Desejo de muitos, conquista de poucos. E o caderno? Puxa! O Meu foi demais!

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