Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Qual disciplina deseja quem reclama da indisciplina?



Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Qual disciplina deseja quem reclama da indisciplina?

                    Um tema que está tornando-se moda em educação é a indisciplina. Ao afirmarmos isso, não desejamos dizer que não ocorra no escotismo e que os protestos dos chefes e pais não tenham sido sem razão. A questão da indisciplina é sempre assunto que preocupa e, nos dias de hoje, ainda mais, pois assume a perfídia em situações inesperadas ou avança para registros policiais quando não evolui para a violência. Há alguns anos atrás recebi a visita do "Chefe" Escoteiro Marcelo. – Chefe dizia ele, eu tomei algumas decisões na tropa e não sei se agi corretamente. Tenho um Monitor de Patrulha que tem trazido alguns transtornos. Já conversamos em particular, fui a sua casa varias vezes e até mesmo seus pais reclamam da sua maneira de agir. Vi depois de algumas conversas que ele sempre foi perdoado em todos os erros que cometeu. Sempre foi compreendido e nunca repreendido como devia. Resolvi agir de forma diferente.

                   No último acampamento chamei a Patrulha e disse – Todos vocês foram devidamente preparados. Cada Patrulha é livre para tomar decisões que interessam a todos. Nos últimos acampamentos vocês não se saíram bem e espero que neste possam pelo menos conseguir o totem de eficiência de campo. Conto com vocês. No entanto a noite uma chuvinha fria pegou todos de surpresa. Chamei os monitores e disse que ficariam suspensas as atividades da noite e que eles fizessem uma conversa ao pé do fogo em seus toldos com suas respectivas mesas onde estariam abrigados da chuva. Todos fizeram isso, vi inclusive de longe muitas patrulhas se preparando para a noite e inclusive colocando a lenha em local próprio para o dia seguinte. Na Patrulha do Marcinho não. Lá eram risadas, piadas e vi que a Patrulha não podia continuar assim.

               No dia seguinte com o toque da alvorada com meu chifre do Kudu, a fumaça correu nos campos de patrulhas menos na do Marcinho. Dito e feito. Hora da inspeção todos formados. A do Marcinho não. Não conseguiram acender o fogo e não tiveram café e nem leite quente. Desculpa? Lenha molhada. Era norma não deixarem lanchar sem a bebida quente. Ficaram sem o café da manhã e o almoço deles só saiu às três da tarde. Não participaram do programa de jogos na Lagoa do Jacaré.

                      A Corte de Honra resolveu puni-los. Marcinho reclamou. Se o tirassem do cargo ele sairia dos escoteiros. Uma ameaça ou uma chantagem? – Não tinha certeza. Nunca aceitei este tipo de coisa. Disse que iria pensar na punição e daria uma resposta na próxima reunião. Chamei a Patrulha e expliquei que a corte ia suspender o Marcinho. Todos sorriram. Sinal que não gostavam dele. Coloquei o tema em discussão entre eles. Resolveram fazer nova eleição. Foi escolhido o menor Escoteiro da tropa. O Pedrinho. Pequeno, raquítico. Fala mansa. Engano. Pedrinho colocou Marcinho na linha. Em pouco tempo a Patrulha se transformou. Chefe Marcelo disse-me também que no sábado anterior mandou de volta dois jovens que chegaram a sede uniformizados e ainda não tinham feito promessa. A norma na tropa era de vestir o uniforme só no dia que fizessem sua promessa. Isto sempre foi feito e o garbo e a boa ordem sempre foi orgulho da tropa. Um deles me perguntou se tirassem o uniforme podiam voltar. Não. Não podem. Só na próxima.

                    O "Chefe" Escoteiro Marcelo ficou ali me contando diversas outras passagens interessantes em sua tropa. Fiquei pensando dos meus dias de "Chefe" Escoteiro e os meninos de outrora. Uma disciplina diferente. Nunca tive esse problema. Hoje isso não acontece. Vejo jovens que pecam pela indisciplina e alguns acham que ela inexiste. Poucos sentem que o castigo ou a penitencia não deve ser utilizada por nós. Castigo e penitencia no bom sentido. Nada de violência. Alguns dizem que deveríamos ter um conceito mais amável, como por exemplo, utilizar a relação de afeto e respeito, uma ação onde haja reciprocidade aceitando que alguns erros são próprios da juventude.

                      São conceitos que hoje me sinto em dificuldade, ou melhor, sem sintonia para agir como agia no passado. No entanto acredito que devemos a todo custo manter a disciplina nas sessões, baseadas no respeito mútuo. Quando me dizem que ordem unida não faz parte mais do escotismo fico pensando o porquê alguns insistem em misturar ordem unida com militarismo. Os jovens na tropa ou na Alcateia têm de ter respeito nas formaturas. Tem de saber se formar e o melhor é ensinar as bases primordiais em uma apresentação que pode até parecer militar, mas na minha modesta opinião faz parte inicial da disciplina que se pretende dar a uma sessão Escoteira.

                          Quando os chefes de uma sessão sentam-se com seus jovens e desconstroem e sabem reconstruir com uma boa discussão e fazendo ver a plenitude do significado e dos tipos de disciplina, não apenas a reunião corre mais facilmente e a aprendizagem se concretiza de maneira mais saborosa como escoteiros/lobinhos e os chefes descobrem que, reconhecendo a disciplina como ferramenta essencial às relações interpessoais, aprendem autonomia, exercitam a firmeza e conseguem, com mais dignidade, construir o caráter.


                        A simples ação de um Escoteiro ao pegar um papel de bala jogado no pátio ou na rua, já demonstra que no Grupo Escoteiro de origem se pratica uma disciplina Escoteira que merece o meu e todo nosso aplauso. Continuarei o tema em um próximo artigo. 

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