Crônicas de um Chefe
Escoteiro.
Qual disciplina deseja quem
reclama da indisciplina?
Um tema que
está tornando-se moda em educação é a indisciplina. Ao afirmarmos isso, não
desejamos dizer que não ocorra no escotismo e que os protestos dos chefes e
pais não tenham sido sem razão. A questão da indisciplina é sempre assunto que
preocupa e, nos dias de hoje, ainda mais, pois assume a perfídia em situações
inesperadas ou avança para registros policiais quando não evolui para a
violência. Há alguns anos atrás recebi a visita do "Chefe" Escoteiro
Marcelo. – Chefe dizia ele, eu tomei algumas decisões na tropa e não sei se agi
corretamente. Tenho um Monitor de Patrulha que tem trazido alguns transtornos.
Já conversamos em particular, fui a sua casa varias vezes e até mesmo seus pais
reclamam da sua maneira de agir. Vi depois de algumas conversas que ele sempre
foi perdoado em todos os erros que cometeu. Sempre foi compreendido e nunca
repreendido como devia. Resolvi agir de forma diferente.
No último acampamento chamei a
Patrulha e disse – Todos vocês foram devidamente preparados. Cada Patrulha é
livre para tomar decisões que interessam a todos. Nos últimos acampamentos vocês
não se saíram bem e espero que neste possam pelo menos conseguir o totem de
eficiência de campo. Conto com vocês. No entanto a noite uma chuvinha fria
pegou todos de surpresa. Chamei os monitores e disse que ficariam suspensas as
atividades da noite e que eles fizessem uma conversa ao pé do fogo em seus toldos
com suas respectivas mesas onde estariam abrigados da chuva. Todos fizeram
isso, vi inclusive de longe muitas patrulhas se preparando para a noite e
inclusive colocando a lenha em local próprio para o dia seguinte. Na Patrulha
do Marcinho não. Lá eram risadas, piadas e vi que a Patrulha não podia
continuar assim.
No dia seguinte com
o toque da alvorada com meu chifre do Kudu, a fumaça correu nos campos de
patrulhas menos na do Marcinho. Dito e feito. Hora da inspeção todos formados.
A do Marcinho não. Não conseguiram acender o fogo e não tiveram café e nem
leite quente. Desculpa? Lenha molhada. Era norma não deixarem lanchar sem a
bebida quente. Ficaram sem o café da manhã e o almoço deles só saiu às três da
tarde. Não participaram do programa de jogos na Lagoa do Jacaré.
A Corte de
Honra resolveu puni-los. Marcinho reclamou. Se o tirassem do cargo ele sairia
dos escoteiros. Uma ameaça ou uma chantagem? – Não tinha certeza. Nunca aceitei
este tipo de coisa. Disse que iria pensar na punição e daria uma resposta na
próxima reunião. Chamei a Patrulha e expliquei que a corte ia suspender o
Marcinho. Todos sorriram. Sinal que não gostavam dele. Coloquei o tema em
discussão entre eles. Resolveram fazer nova eleição. Foi escolhido o menor
Escoteiro da tropa. O Pedrinho. Pequeno, raquítico. Fala mansa. Engano.
Pedrinho colocou Marcinho na linha. Em pouco tempo a Patrulha se transformou. Chefe
Marcelo disse-me também que no sábado anterior mandou de volta dois jovens que
chegaram a sede uniformizados e ainda não tinham feito promessa. A norma na
tropa era de vestir o uniforme só no dia que fizessem sua promessa. Isto sempre
foi feito e o garbo e a boa ordem sempre foi orgulho da tropa. Um deles me
perguntou se tirassem o uniforme podiam voltar. Não. Não podem. Só na próxima.
O
"Chefe" Escoteiro Marcelo ficou ali me contando diversas outras passagens
interessantes em sua tropa. Fiquei pensando dos meus dias de "Chefe"
Escoteiro e os meninos de outrora. Uma disciplina diferente. Nunca tive esse
problema. Hoje isso não acontece. Vejo jovens que pecam pela indisciplina e
alguns acham que ela inexiste. Poucos sentem que o castigo ou a penitencia não
deve ser utilizada por nós. Castigo e penitencia no bom sentido. Nada de
violência. Alguns dizem que deveríamos ter um conceito mais amável, como por
exemplo, utilizar a relação de afeto e respeito, uma ação onde haja
reciprocidade aceitando que alguns erros são próprios da juventude.
São conceitos
que hoje me sinto em dificuldade, ou melhor, sem sintonia para agir como agia
no passado. No entanto acredito que devemos a todo custo manter a disciplina
nas sessões, baseadas no respeito mútuo. Quando me dizem que ordem unida não
faz parte mais do escotismo fico pensando o porquê alguns insistem em misturar
ordem unida com militarismo. Os jovens na tropa ou na Alcateia têm de ter
respeito nas formaturas. Tem de saber se formar e o melhor é ensinar as bases
primordiais em uma apresentação que pode até parecer militar, mas na minha modesta
opinião faz parte inicial da disciplina que se pretende dar a uma sessão
Escoteira.
Quando os chefes de
uma sessão sentam-se com seus jovens e desconstroem e sabem reconstruir com uma
boa discussão e fazendo ver a plenitude do significado e dos tipos de
disciplina, não apenas a reunião corre mais facilmente e a aprendizagem se
concretiza de maneira mais saborosa como escoteiros/lobinhos e os chefes
descobrem que, reconhecendo a disciplina como ferramenta essencial às relações
interpessoais, aprendem autonomia, exercitam a firmeza e conseguem, com mais
dignidade, construir o caráter.
A simples
ação de um Escoteiro ao pegar um papel de bala jogado no pátio ou na rua, já
demonstra que no Grupo Escoteiro de origem se pratica uma disciplina Escoteira
que merece o meu e todo nosso aplauso. Continuarei o tema em um próximo
artigo.
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