Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sábado, 14 de outubro de 2017

A fantástica “Banda” do Maestro Munir.


Conversa ao pé do fogo.
A fantástica “Banda” do Maestro Munir.
(Baseado em fatos reais).

                  Quando menino escoteiro eu tinha um sonho. Ou melhor, dois, acampar no Pico da Bandeira e participar da Banda do Munir. Com treze anos um dos sonhos foi realizado. Um caminhão da prefeitura nos levou até Caratinga. Lá pegamos a Maria Fumaça para Caparaó (Águas que rolam nas pedras). Minha alegria não tinha limites. Afinal estive no Pico da Bandeira. Uma linda história para contar, mas fica para outra vez. Agora precisava entrar na Banda. Osso duro. Munir era magro e alto. Usava o chapéu Escoteiro virado, mas muitas vezes preferia uma boina preta tipo Montgomery. Eu nem sabia quem era esse tal Montgomery. Usava o uniforme caqui curto e uma bota cano longo. Sujeito estranho o Munir. Chamá-lo de Munir era briga na certa. Senhor Maestro Munir! Ele encarava você nos olhos, uns dois minutos, você não sabia onde esconder.

             A Banda treinava todas as quintas feiras entre sete e dez da noite atrás do cemitério do Azarão. Um campinho de futebol onde o barulho não incomodava. Os seniores diziam que os defuntos não podiam reclamar. Risos. A Banda não era grande, se não me falha a memória tinha quatro tambores simples, dois tambores-mor (daqueles enormes mais de um metro de altura) cinco tarois, oito caixas claras, quatro bombos, seis cornetas e dois clarins. Clarins? O meu sonho. Um dia iria tocar um. Mas precisava ter curriculum na banda para encostar um dedo nele. Munir era severo. Ria pouco. Um olhar dele gelava todo mundo. A Banda dos Escoteiros era famosa. Nas festividades todos aguardavam ansiosos a Banda. Passava em frente ao palanque das autoridades onde fazia evoluções e depois ia em algumas ruas para saudar os moradores que saiam para aplaudir a Banda dos Escoteiros.

            Munir tinha pose dos oficiais ingleses. Um estilo militar que só eles têm. Com sua varinha, seu chapéu virado, sua bota cano alto a marchar à frente da Banda fazia gestos como se estivesse regendo uma grande orquestra. Alí ele era o Rei. Era exigente o Munir. Marchar bem, com honra, respeito, garbo e boa ordem. Bastava um erro para ficar fora da banda por meses. Sua palavra era a lei. Ninguém desfazia nem mesmo o Chefe João Soldado. Eu ia sempre aos treinos da Banda. Ficava abobalhado olhando cada um com seu instrumento. Trinta minutos de ordem unida. Munir não gritava. Seus gestos eram graciosos. Sabia com perfeição fazer os sinais manuais de formaturas. Apito? Detestava. Na frente da banda um sinal seu e ela parava de tocar ou então em frente marche! Se alguém errasse valha-me Deus! Eu olhava tudo, caixas, tarol, tambores, bombos, cornetas, mas meu xodó era o clarim. Jasiel e Marquinhos eram os donos dos dois. Sentiam-se importantes demais para olhar para mim. Eram seniores corneteiros. Uma dádiva de poucos.  

          Só faltava ao treino da Banda quando ia acampar. Este era sagrado. Uma excursão, bivaque, acampamento sempre estiveram em primeiro lugar. Um dia achei um galho em um pé de Manga, e bem talhado ficaria igual a um clarim. Preparei meu instrumento medieval com carinho. Quatro meses com meu canivete suíço.  Ficava em casa horas com ele na mão. Levava a boca, fingia que tocava, balizava e sorria. Sonhava em tocar a Alvorada, o Silêncio, o reunir, debandar e tantos outros toques. Decorei todos. A Patrulha me absorvia. Eu amava minha patrulha Lobo. Entre ela e a Banda só tinha uma escolha. A patrulha. Um dia tomei coragem. Cheguei em frente do Munir. Conferi meu uniforme, tinha que estar no ponto como se fosse uma inspeção. Munir era exigente. Posição de Sentido, meia saudação – Sempre Alerta Senhor Maestro Munir, gostaria de participar da Banda! – Tinha treinado em casa em frente ao espelho como falar com ele. Se errasse ele nem na minha cara ia olhar mais.

          Tomei um susto. Ele olhou para mim. Nem piscou. Cara fechada. Ficou também em posição de sentido. Bateu um calcanhar sobre o outro. Plok! Sinal Escoteiro estilo militar. - Quinta! As sete em ponto! Se chegar atrasado não venha nunca mais! – Sai gritando de alegria. Contava para todo mundo. A Patrulha me parabenizou. E agora como você vai fazer? – Fácil disse. Os treinos são as quintas e dificilmente saímos em atividade neste dia. Nos desfiles todos vão, portanto dá para conciliar. – Não dá não disse o Romildo Monitor. Quinta não vamos acampar em Bom Jesus? É feriado lá e aqui. Minha nossa! Eu pensei e agora. – Bom Jesus ficava a vinte e cinco quilômetros de distancia. Sabia que íamos de bicicleta. Não podia perder meu primeiro dia na Banda e nem o acampamento. Bom Jesus tinha meninas lindas. Perder?

              Na quinta às quatro da tarde voltei sozinho a minha cidade no meu cavalo de aço. Correndo como um louco estrada a fora. Cheguei no campinho as cinco para as sete. Suando, cansado, mas com um sorriso no rosto. Posição de sentido e lá estava eu me apresentando ao senhor Maestro Munir. No primeiro dia só treino de ordem unida. Recebi um tambor três semanas depois. Quando terminou voltei correndo para o acampamento em Bom Jesus. Demorou dois anos para treinar o clarim. Seis meses para adquirir a “embocadura”. Toquei clarim por muito tempo. Quando servi o exército era com muito orgulho o corneteiro do dia. Nunca faltei a um treino, desfile e nem tampouco nas minhas atividades ao ar livre. Encontrei Munir muitos anos depois em Colatina. Ele bem velho, eu com meus trinta e cinco anos. Olhou-me com aquela cara feia, ficou em pé, em posição de sentido. “Ploc” ouvi seu calçado bater. Sempre Alerta! Ele disse. Eu fiz o mesmo. Maestro Munir! Que prazer! Já com aquela idade ainda tinha medo do Senhor Maestro Munir. Ele riu. Nunca o tinha visto dar um sorriso. Abraçou-me. – Sabe Vado Escoteiro, eu sempre gostei de você. Nunca o esqueci. Aquele abraço foi demais. Uma alegria. Nunca o vi dar um abraço em ninguém. 


             Os tempos são outros. As bandas escoteiras desapareceram. Não existem mais Maestros como o Munir. Sei de muitos grupos escoteiros que venderam ou doaram sua banda. Não sou contra. Aplaudo. Dá para conciliar e treinar sem incomodar. Até hoje tenho saudades dos desfiles. Quando vejo uma banda fico “arretado” e “arrepiado”, adoro isto. Na minha juventude a Banda símbolo era a dos Fuzileiros Navais. Tive o prazer de vê-la tocar muitas vezes. Mas os tempos foram passando, as bandas ficaram no esquecimento. As histórias de uma banda nos Grupos Escoteiros hoje quase não são contadas. Se eu pudesse, se meu corpo ajudasse eu teria um grupo. Um Grupo Escoteiro fantástico. Meninos vibrantes. Acampamentos mil. E mais o que? Claro, uma banda. Ia com certeza achar um Maestro Munir por aí. Que vida louca seria. Mas sonhos são sonhos. Com a minha idade não dá mais para que meus sonhos se tornem novamente realidade.

Nota de rodapé: -  Sempre Alerta corneteiro! Toque por favor, para eu dormir o toque do Silêncio. E ao amanhecer o toque da alvorada! Adoro e se quiser toque também o canto da lua, deixe-a ouvir e rasgar o céu da noite cheia de estrelas. Mas escoteiro, não esqueça da alvorada quando o sol vermelho escondido pelo orvalho da noite despontar. Toque o reunir, toque o que quiser neste céu de brigadeiro. Quantas saudades... Se quiser faça silêncio, vou tocar para você o mais lindo toque da canção da alvorada! Sei que irá adorar! Ah! Meus lindos tempos de corneteiro que nunca esqueci.  

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