Contos
de Fogo de Conselho.
Tião
Macalé.
Vulgo
Zé Neguinho.
(Uma
história quase real).
Ele me deu um encontrão
propositadamente. Olhou-me com aquele olhar galhofeiro e sorriu debochando. –
Escoteiro de araque e ainda por cima um pateta que não olha onde anda! – O
convidei para ir ao campo do Zé da Bola. Foi uma luta gostosa, de tapas de
socos e no final cansados sentamos embaixo da trave feita de tronco de Ipê,
cada um rindo e dizendo que valeu. Ficamos amigos e nem sei por quê. Era um
marginalzinho a moda antiga. Roubava para comer e ajudar sua Mãe Dona Filomena
que doente não tinha ajuda de ninguém. Sempre me parava na esquina da Sete de
Setembro pedindo para que contasse historias de escoteiros, de acampamentos e
aventuras. Sentávamos na sombra na praça redonda da Matriz e ficávamos ali por
horas. Fiz tudo para ele ser um Escoteiro, mas nunca aceitou. – Vado Escoteiro,
isto não é prá mim, tenho outros sonhos. Cresci continuamos amigos e um dia ele
desapareceu.
Com dezenove anos após servir
a Pátria como soldado e sem emprego resolvi vender livros. Pagavam o hotel
alimentação as despesas de transporte e mais nada. Com destino a Dom Silvério
peguei o trem da Leopoldina em Caratinga. Cochilava pela longa viagem e o trem
parou em uma estação. Uma gritaria na plataforma. Olhei dezenas de soldados
armados de fuzis e tinha um com uma metralhadora ponto trinta apontada para o
meu vagão. Alguém gritou alto: Zé Neguinho! Quem fala é o Delegado Nonato. Você me conhece e me deve sua vida. Sei que está aí neste vagão. Desça com as
mãos para cima! Zé Neguinho aqui? Olhei de lado. Era ele. Cresceu, ficou forte,
muito forte, o cabelo grande sempre amarrado em um rabo de cavalo. Ele me viu.
Deu uma gargalhada – Vado Escoteiro? O Vado Escoteiro valente da porrada? É
você? Era chamado por ele assim. Levantei e dei nele um abraço.
O Delegado gritou de novo
– Vamos evitar passageiros feridos Zé. Desça logo – Ele gritou – Me dá dez
minutos delegado, prometo me entregar sem reagir. Sentado ao meu lado um senhor
de idade. – Ele olhou para ele e disse: - Suma! O velhote desapareceu. Ele sentou
comigo. Ficamos mais de dez minutos lembrando o passado. Nunca na vida contei
“causos” do passado sob a mira de fuzis. Lembra-se da descida do Bairro do
Pastoril? Eu lembrava. Uma turma querendo me dar uma surra. Ele chegou com um
pau na mão. Desceu a burduna na turma e gritou - Bateu nele bateu em mim! Só eu
posso dar porrada nele! Contava e dava gargalhadas. Os demais passageiros com
medo não entendiam nada. Ele se levantou e me deu um abraço, apertado. Chegou a
doer. Vi que seus olhos encheram-se de lágrimas. – Adeus meu amigo. Acho que
nunca mais vamos nos ver! Desceu do trem e foi cercado por dezenas de
policiais. Ainda o vi na plataforma me dando um último adeus!
Era este o seu destino?
Tornar-se um marginal? Não teria sido melhor aprender nos escoteiros? Ninguem
me soube informar o que ele fez. Zé Neguinho me marcou muito. Não foi
escoteiro. Deveria ter sido. Nunca o esqueci. De vez em quando procuro aqui na
internet se vejo alguma noticia dele. Deve ter morrido. Se fosse hoje poderia
ter descido e conversado com o Delegado. Quem sabe poderia ter ajudado. Não o
fiz. O destino não se mede pelas palavras e sim pelas ações do que se fez ou
faz. Espero que ele tenha conhecido a felicidade. Seu sorriso sempre foi
contagiante e dizem que quem sabe dar um lindo sorriso é feliz.
Nota de rodapé: - Dizem que quem escreve, escreve o que
quer. Quem conta um conto aumenta um ponto. Pois é, tenho muitas histórias e
quem não tem? Hoje na flor da idade me lembro delas. São muitas, corro com meus
dedos procurando um teclado para escrever. Zé Neguinho? Um cara durão, não
escoteiro, mas meu amigo de lutas que nunca esqueci.
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