Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

terça-feira, 24 de maio de 2016

Conversa ao pé do fogo. John “Bob” Thorton.


Conversa ao pé do fogo.
John “Bob” Thorton.

                    Ele me olhou de cima em baixo e sorriu. Um sorriso debochado, como a dizer então esta é a figura? Porque me convidou a visitá-lo em seu Grupo Escoteiro? Confesso que não me senti constrangido. Conhecia este tipo de Chefe e sabia era um destes deslocado no contexto de fraternidade. Lembrei-me de Pescoço longo, ou melhor, Sebastião Silva, um negro da Patrulha Antílope que me surpreendeu uma noite em volta de um fogo em frente sua barraca: - Chefe, quando alguém se vangloria de ser um homem honrado, depois de dar sua palavra, esta deve ser sagrada. E mesmo que a estrada seja longa feia ou bela, custe o que custar nem que ele tenha de ser morto, sua palavra deve ser mantida! Alma de Escoteiro era Pescoço Longo. Ele sim para mim era um verdadeiro Escoteiro. Olhei de novo para “Bob” sem encarar. Um óculos Ray ban escuro, parecendo ser legítimo, um chapéu de lona tipo canadense. Vestimenta novinha com a camisa solta e um Tênis Mizuno Wave que custa por baixo R$. 1500,00 de cor vermelha.

                Uma verdadeira figura. Olhei seus meninos não mais que uns doze. Olhos ao longe, pensamento distante pedindo a Deus para aquilo acabar. Não estavam nem um pouco interessado em quem seria o convidado da semana (Ele fazia isto para impressionar aos demais chefes do Grupo). Fiquei pensando por que ele estava vestimentado assim e os seus meninos não. Alguns ainda de caqui e dois com a vestimenta. Deduzi que foram herdados de alguns que desistiram e doaram seus uniformes. Pensei comigo que o Chefe deve ser igual à Tropa. Nem mais nem menos. Porque ele teria direito de ser diferente? Mesmo com aquela figura bonachão, seu olhar era insolente, atrevido e mal-educado. Portava a IM e fingia ser humilde usando lenço do grupo e o colar. Dois monitores escorados no bastão esperavam calados. Aprenderam assim. Fiquei com pena, pois ali eu sabia que o futuro daqueles meninos não era promissor.

                      Passei os olhos pelos 12 heróis que estavam a servir seu líder e fiquei triste porque não estavam sendo servidos. Para que o escotismo se o jovem não tem seus sonhos que um dia pensou em realizar? Pensei melhor como deveria ser a reunião. Afinal quem deveria ser o herói? Ele o “Bob” todo orgulhoso e posudo ou os meninos que um dia sonharam em ser um? Eu sabia que a alma mais forte e mais bem constituída é aquela que os sucessos não orgulham e que não se abate com os revezes. Mas se voltasse novamente em dois anos nem quatro jovens eu iria encontrar novamente. Ah “Bob”! Por que não quer ver a realidade? Queres poder a troco de que? Tem lucro? Tem paga? Ou quem sabe se sente bem “comandando” a meninada que um dia vai fugir para nunca mais voltar?

                  Lembro-me uma vez que um destes tipos prosapiosos, falador, metido a entendido publicou que se a norma aceita tem número nos estatutos ou no POR não temos porque discutir. Se entrou no escotismo tem que aceitar a disciplina se não melhor sair. É... Calar, ouvir e cumprir. Norma correta? Eu já vi tantos que se dizem Escoteiros mostrando seu saber que procurava me manter a parte sem discutir. Hoje é perda de tempo. Quem se acha em estado de graça não vai mudar. “Bob” era um deles. Era capaz de desfiar todos os artigos do Estatuto, do POR e quem sabe das normas internacionais usadas pela WOSM. Seu estilo mostrava orgulho em agradar a si mesmo e aos demais vaidade. Sentia-me incomodado. Não queria ser indelicado, mas o escotismo dele não era o meu.

Foi formal ao me receber, não me apresentou a ninguém e durante o tempo que fiquei lá não vi o Diretor Técnico ou alguém da diretoria. Afinal ele não ia perder a oportunidade de mostrar o seu saber Escoteiro e queria me impressionar. Será que ele não sabia que eu não era nada na UEB? Não tinha cargo, não pertencia à corte, nem mesmo tinha algum título de nobreza ou uma casta para apresentar. É a vaidade quer aplauso. Clac, Clac, Clac. O que dizer para ele? Fraternidade? Amor? Sinceridade? Ele teria respostas na ponta da língua. De novo me veio à mente Pescoço Longo. – Chefe, serei um cão, um macaco ou um urso. Tudo menos aquele animal vaidoso que se vangloria tanto de ser racional. – Posso? Perguntei. – Ele disse sim sem saber o que eu iria fazer. Dirigi-me a cada patrulha. Dei um abraço e um sempre alerta posudo. Claro juntei os castos com garbo e eles ficaram impressionados. Reuni os monitores, fiz o jogo da Caçada da Onça, deram boas risadas e vi que era hora de partir.

                  “Bob” posso conhecer os chefes da Alcatéia e dos Seniores? Queria também conhecer o Chefe do Grupo. Ele me olhou de soslaio – O que é Chefe do Grupo? Não seria o Diretor Técnico? Ele era mesmo um farsante fantasiado de Escoteiro, ou melhor, de aprendiz de Escoteiro, pois aquele que tem a chama no coração aprende que a vaidade exagerada é presunção e fanfarrice. Ele era fruto do que aprendeu a construir. Difícil mudar. Quem sabe poderia se adaptar a uma linha de ação até usufruir do poder. Sim, o poder encanta, Como disse Fernando Pessoa precisar dominar os outros é precisar dos outros. O Chefe é um dependente. Pensei em dizer para ele que somos todos irmãos. Iria adiantar? Repetir o que ele sabia e não seguia que o egoísmo e ódio têm uma só pátria e a fraternidade não tem? Abracei os demais chefes, fiz questão de cumprimentar todos os lobos (oito) e os seniores. Três guias de olhares lânguidos.

                Em casa fiquei pensando o porquê fiquei tanto tempo no escotismo. Quantas vezes quase desisti? Quantos “Bob” conheci em minha vida? Lembro-me quando em acampamentos em volta de um fogo, Pescoço Longo cantava belas canções e dedilhava mal um violão que a gente nem incomodava. Isto sim é que era viver. E como era bom escutar Pescoço Longo a dizer: - Chefe está se sentindo sozinho? Preencha esse espaço com solidariedade. Há muita gente que precisa de você. Não deixe que as pessoas te façam desistir daquilo que você mais quer na vida. Acredite. Lute. Conquiste. E acima de tudo seja feliz! Ah Pescoço Longo, este sim deveria ser o Escoteiro símbolo do Brasil. Uai! Onde ele anda? Gostaria tanto de revê-lo e lhe dar um enorme abraço e um aperto de mão tão forte que BP e o Zulu que lhe deu a mão esquerda morreriam de inveja!


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