Conversa ao pé do fogo.
Um Bravôo aos religiosos que fazem escotismo.
A ideia não era
de escrever o que seria o escotismo sem a religião. Nada disto. Afinal temos
que respeitar os ateus e agnósticos e isto faz parte da formação moral
escoteira e respeito com os outros. Acredito que não sou douto neste introito
bem difícil para meus parcos conhecimentos. Talvez o título devesse ser outro.
Quem sabe o que seria do Escotismo sem os religiosos. Afinal no passado eles
tiveram importantes participações da vida escoteira nacional. Hoje pela manhã
quando ia percorrer meus mais de mil metros me preparando para a São Silvestre de
São Nunca, vi que o sol apareceu lindo demais para não aproveitar. Na volta na
varanda peguei minha cadeira e cochilei, não sem dar uma lida no jornal. Eu
tenho facilidades para cochilar onde sento ou deito. Vantagens dos velhos da terceira
idade. Mas eis que me veio à memória os contatos que tive no passado com
pastores, padres e outros religiosos.
Nestas
lembranças não quero desmerecer nenhum líder religioso. Nada disto. Mas tenho
que reconhecer que apesar dos pesares, dos ditos e não ditos, das acusações de
pedofilia e outras “tantas cositas más” a Igreja Católica com seus quase cento
e vinte milhões de adeptos no Brasil praticantes ou não, trouxe uma enorme
contribuição ao escotismo. Acredito mesmo que ela ainda não foi devidamente
homenageada por isto. No passado exceto os desbravadores poucas religiões evangélicas
se interessavam pelo escotismo. A Religião Católica predominava. Os párocos
acreditam que o escotismo era uma maneira de se atingir a formação da juventude.
Seja na espiritualidade ou acreditando no método de Baden-Powell.
Sei que podemos
ter dezenas de exceções. Sei também que hoje mudou muito. Casos contraditórios,
mas eu na minha vida Escoteira tenho eternas lembranças dos meus amigos
religiosos. Quantos e quantos padres foram meus amigos. Visitavam minha humilde
morada. Fizeram refeições na minha mesa junto à família Ferraz. (adoravam a
comida da Célia) Até o batismo de dois deles foi feito em minha residência por
um deles. Vi dezenas deles de uniforme, calças curtas, orgulhosos, lutando em
uma sessão ou dando cursos em estados ou cidades distantes. Dormi em barracas
com vários. Juntos construímos lindos altares nos acampamentos. Pioneirías do
mais alto escalão. Ajudei no possível quando celebravam as missas, pois menino
fui coroinha. Tentei como comissário me aproximar de outros lideres religiosos
e fui bem aceito, mas o escotismo não deu frutos na época. Dois deles se
ombrearam comigo na luta para a expansão do escotismo em meu estado. Faço
questão de tirar meu chapéu para eles.
Perco a conta
de pensar quantos grupos iniciaram suas atividades sob o auspício da igreja
católica. Considero os que ainda sobrevivem e os que já foram fechados sobem
aos milhares. Sei de muitos ex-Escoteiros que lá cresceram. Sei de muitos
párocos que deram de tudo para que os escoteiros não ficassem ao relento. Sei
de centenas de outros que o próprio pároco vestiu a calça curta e saiu por aí
de lenço e mochila nas atividades aventureiras cantando a pleno pulmões como
era belo ser Escoteiro. Lembro-me do saudoso Chefe Padre Henrique quando
chegamos ao topo do pico da Bandeira. Seu semblante era digno de se olhar. E na
jornada com Chefe Padre João quando chegamos ao arraial e o povo veio aplaudir.
Quando souberam que era padre foi uma festa. Lembro-me do Chefe Padre João
Fagundes, naquele CAB Escoteiro e no terceiro dia descobrimos que oito chefes
se mandaram do curso sem avisar? Só porque a temperatura desceu a dois graus
abaixo de zero?
Labuta aqui
labuta ali sempre fiz amigos entre religiosos. Aqui em São Paulo quando cheguei
e comecei a dar cursos os convidava para ajudar na equipe e celebrar a missa
aos domingos. O Padre Tonino da Vila dos Remédios e o Padre Danilo de Barueri
nunca recusaram um convite para colaborar nos cursos. A missa era sagrada. Era
um tabu que não se podia esquecer. – dizia aos alunos: Amanhã pela manhã,
teremos missa no campo. Os que forem de outras religiões estarão dispensados
para junto a outros ou sozinho fazer suas orações. Interessante. No outro dia
estavam todos na missa. Desculpem-me se não aprofundar nesta seara. Não sou
muito de discutir religião. Escolhas são pessoais e cada um dia vai decidir o
que quer ser. Eu desde a idade de 17 anos sou espírita. Espiritualista por
assim dizer. Mas o que dizer destes homens de Deus, que deram tudo pelo
escotismo e ainda continuam dando? Em 1966 participava de um Grupo Escoteiro no
alto da serra em Belo Horizonte no Convento dos Franciscanos. Frei Marcolino
era nosso benfeitor. O Prior de lá sempre escondia lideres ou não procurados
pela policia politica.
Um dia de
reunião, na formatura do cerimonial, lobos escoteiros seniores em posição de
sentido e um policial do DOPS chegou e gritou: Com que direito? Aqui só tem
subversivo e comunista. Nada dissemos. Frei Marcolino foi até ele e
pausadamente disse – Meu irmão são escoteiros, jovens que querem aprender honra
e civismo. São filhos de Deus como você. Ele nada disse e foi embora. Claro não
antes de revistarem todo o convento. Levaram quatro pobres diabos e dois Freis
que chamaram de comunistas. As batidas eram frequentes, mas os religiosos nunca
desistiram e ajudar. Eu mesmo quase fui “premiado”
em uma batida em minha casa a minha procura. Estava em Belo Horizonte com minha
esposa e a casa vazia. Trabalhava na Usiminas e nosso grupo tinha o lenço
vermelho e branco. Quando chegamos em Cel. Fabriciano um Padre da paróquia veio
correndo – Chefe Osvaldo. Alguém denunciou o Senhor e o Chefe Carlos. Por causa
do lenço vermelho o chamaram de comunista. Já vieram aqui atrás do Senhor. Ele
me defendeu. O padre. A história é longa. Um dia quem sabe vou contar.
E é por isto
que louvo a Igreja Católica. Sei que tem casos diferentes, sei que muitos darão
exemplos mil de erros cometidos. Eu não. Não importa o que dizem. Para mim os
meus amigos padres que foram muitos e aí incluo o Bispo Dom Lara que faz
questão de vestir uniforme, tem uma morada eterna no meu coração. Acampei com
eles em lugares impossíveis, em noites de lua cheia, excursões sublimes e os
louvo como homens de Deus e protetores do Escotismo. Nunca tiveram duvidas em
vestir o uniforme de calças curtas. Lembro-me de dois padres que de calça curta
foram comigo a uma entrevista com O Governador Magalhães Pinto no Palácio da
Liberdade, e outras vezes em audiências com o Secretário da Educação.
Não tenho o
que reclamar da igreja católica. O Escotismo deve há eles muito. A estes padres
que fizeram de tudo para o crescimento do movimento Escoteiro no Brasil.
Nenhuma religião ou mesmo outra organização no Brasil fez tanto. A eles, meus
amigos padres que já se foram e os que ainda estão vivos, me desculpem por não
colocar o nome de cada um. Foram muitos. Aceitem meu Anrê, meu bravo, meu
aperto de mão e meu Sempre Alerta, e me curvo fazendo uma reverência com meu
chapéu de três bicos!
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