Conversa ao pé do fogo.
Ao meu amigo
Chefe João Soldado!
- Quanto tempo eim chefe? Tempo demais. Quase sessenta anos. Voltei
algumas vezes a minha cidade e o meu grupo e depois nunca mais. Lembro que eu
tinha uns 19 anos quando o vi pela última vez. Estava de mudança para a capital
com o coração partido por ter que abandonar minhas raízes. Mas sabe Chefe, foi
bom demais. Lembro-me quando o vi pela primeira vez quando mamãe foi conversar com
o senhor para entrar no Lobinho. Piscou um olho para mim e deu um belo sorriso.
Sabia que ia gostar de ficar ali nos escoteiros. Foi uma vivência que nunca
mais esqueci. Mesmo sendo um Sargento da Policia militar, sabia sorrir, dar um
tapinha nas costas para animar, e deixar que a gente fosse escoteirar, pois
sempre nos disse que era assim que o Fundador do escotismo queria. O Chefe
Jessé sua cria e O Munir Boca de Ouro, sem esquecer o Josias eram também assim.
Pois é...
Olha Chefe, não sei se aí em cima consegue ver o escotismo de hoje. Se conseguir
saiba que tem muita gente boa querendo praticar um escotismo autêntico que
alguns insistem em chamar de tradicional. De raiz ou não eu bato palmas para
eles. Sei que não iria gostar de ver a uniformização de hoje. O Senhor sempre
foi exigente na postura e no garbo. Chefe é uma liberdade que assusta. Uns
colocam o bibico de pato com a aba voltada para trás, outros usam chapéus
canadenses e tem aqueles que nem se incomodam em mostrar que a aparência e
tudo. Tem aqueles que penduram o lenço no pescoço e se acham os tais. Nem vou
falar da tal camisa fora da calça. Agora é moda.
Sabe Chefe, não esqueço quando fui
acampar pela primeira vez o senhor na inspeção me pediu minha escova de dente,
pente, sabão para lavar o uniforme e espelho pequeno para ver se meu rosto
estava limpo e bem asseado. Lembra-se do que me disse? - Escoteiro você vai
para o mato, mas não é bicho. Se apresente sempre asseado e bem apresentado! E
quando o Totonho e o Lampreia chegaram à sede sem o lenço, com a camisa
escoteira de qualquer jeito, sem meião e o senhor os mandou de volta para casa!
Eles reclamaram, mas lembro de que o senhor educadamente disse para eles que o
Escoteiro ou está bem uniformizado ou não. Eles sabiam que só podiam vestir o
uniforme depois da promessa. Bom isto né Chefe!
Dizem Chefe João Soldado que fazemos um escotismo moderno. Que a
meninada escoteira quer assim. Lembra quando sentávamos em baixo da Mangueira
enorme do pátio atrás da igreja? O senhor fazia o jogo da boa apresentação e
garbo, o jogo da Verdade, o Jogo da Lei e o Lequinho da Elefante fingindo ser
um Escoteiro indisciplinado? Chefe eu ria a mais não poder. Chefe eu aprendi
muito com o senhor. Era nosso exemplo. Acho que por ser um militar fazia
questão de ter tudo muito bem apresentado. O senhor sempre foi impecável no seu
uniforme. Nas suas estrelas brilhando, na sua fivela do cinto escoteiro
incrivelmente limpo, no seu chapéu de abas largas e retas, do seu meião com
frisos retos do seu sapato preto sempre engraxado. Fazia questão de ter em
nossa tralha escoteira, escova de sapato e graxa preta!
Pois é Chefe, tudo está mudado. Tento me adaptar, mas é difícil. Pelo
menos ainda visto o meu uniforme com orgulho. Nada de inventar coisas que não
existem só para parecer que sou um herói de um filme e o pior Chefe é o danado
do exemplo. Como se diz mesmo? Tal pai tal filho, ou tal Chefe tal Escoteiro? A
gente Chefe João Soldado fica na espreita olhando aqueles que dizem tanto e não
fazem tanto. São poucos que põe a mão na consciência para ver se estão educando
para a vida ou para a liberdade de fazer o que bem entende. Enfim Chefe são as
mudanças que o mundo fez ao rodar em volta de si mesmo. Não sei se o Senhor
iria adaptar a realidade destes anos modernos. Mas Chefe eu ainda vou
enfrentando por que tem muita gente boa escoteirando.
Vou terminando mandando lembranças ao
Nonô, ao Tãozinho, ao Carlos, ao Chiquinho, ao Pedregulho, ao Nonato e o
Israel. Não me esqueço do Munir e se vir o Romildo diga a ele que não esqueço
quando botamos o exército brasileiro para correr nas cavernas do Rio Doce bem
acima de São Raimundo. Quase deu bode e eu passei o maior aperto. Diga a todos
que tenho saudades da carretinha, da tralha da patrulha, das subidas e descidas
dos acampamentos que fizemos quando juntos viramos as florestas de cabeça para
baixo nas belas jornadas que fizemos. Não vou demorar em encontrar vocês. Mas
não fiquem torcendo para eu ir logo, nada disto, deixa aquele lá do céu ordenar
quando chegar a hora.
Para o Senhor um grande e forte abraço. Eu fui feliz em ser um Escoteiro
do Chefe João Soldado. Espero que ainda tenha aquele belo sorriso. Um sorriso
honesto de gente que gosta da gente sem pedir nada em troca.
Sempre Alerta Chefe sem o tal SAPS coisa da
modernidade que não gosto.
Abraços fraternos a todos e um até breve,
Do Vado Escoteiro da Lobo, hoje conhecido como
Chefe Osvaldo.
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