Lembranças
que não se apagam.
A
canção que ela fez para mim!
Vida de Sênior, um sábado,
reunião, ufa! 30 de dezembro de 1957. O dia não era de brigadeiro. Desanimado e
mesmo assim fui cumprir minha jornada escoteira. Dia de Reunião de sede e eu
não gostava. Amava o campo, as trilhas as florestas e os rios caudalosos para
atravessar com uma boa jangada, as serras distantes convidando para descobrir
novos rumos novos horizontes. Não tínhamos férias... Prá que? Ao chegar pensei
que não era um bom dia para animar a patrulha. Na sede ninguém. Que houve?
Sempre nos encontramos no almoxarifado antes do inicio. Era divertido, falar
dos outros, papear, “causos”, as meninas bonitas e isto não era uma rotina?
Fui para o pátio da sede.
Então eu a vi. Nossa! Fiquei sem fala. Quem era? Um anjo caiu do céu? Linda!
Impossivelmente linda! Seria uma princesa? Desceu das nuvens direto na sede? Ou
quem sabe um anjo que Deus mandou para dar novo ânimo aos seniores? Meu coração
disparou. Minha mente deixava o corpo e se transportava para os mais lindos campos
onde acampei e montanhas que um dia explorei. Fui à Cachoeira do Sonho, No Rio
das Nuvens, fui à Montanha Das Borboletas Douradas, fui até no despenhadeiro da
Mil Mortes. Joguei-me lá de cima... Sabia que não ia morrer.
Foi então que percebi. Lá
estavam eles, todos os Seniores. Não faltou ninguém. Até mesmo Lindomar com o
pé quebrado e engessado estava lá. Estavam em pé encostados à parede da
biblioteca. Como eu eles também não tiravam os olhos da linda moça dos olhos azuis
e cabelos loiros com cachos dourados. Cachos brilhantes como se estivessem despencando
na Cascata do Sol Nascente. Olhos? Azuis! Incrivelmente azuis. Seria uma Safira
ou um Diamante colhido no Pico da Lontra? Uni-me a eles. Não notaram a minha
presença.
Ninguém olhava para ninguém. Seus
olhos esbugalhados assim como o meu só tinham uma direção. Cláudia Alvonaro.
Seu corpo? Não posso dizer aqui afinal o Sênior é limpo de corpo e alma! Mas
parecia ter sido esculpido por Michelangelo, ou melhor, Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni. Ah!
Una Madonna Escoteira? Quem sabe ali estava sua obra prima da renascença sua
bela escultura a Pietá? Não podia ser. Estávamos em 1957 e não 1498 quando ela
foi esculpida.
A paixão tomou
conta de mim. De mim só não de todos os seniores. Doze rapazes perdidamente
apaixonados pela bela Cláudia Alvonaro. Mas de onde ela veio? Da cidade não
era. Conhecíamos todas as beldades. – Ela é de Vitória. Espírito Santo disse Tomas
o Monitor sem olhar para mim. Meu Deus! Capixaba e linda assim? Bendita
Vitória. Amada Vitória das beldades inesquecíveis. Santino o Chefe Sênior
adentrou ao pátio. Jovem ainda. Vinte e seis anos. Viu-nos e foi até nós
cumprimentando. Ninguém olhou para ele.
Inteligente como
todo Chefe Sênior descobriu através de um “Kim” imaginário o motivo de nossa
perplexidade e imutabilidade. – Ora, ora, parecem que nunca viram uma garota!
Ele disse. Sem respostas. Continuávamos mudos. Olhos vidrados na bela Cláudia
Alvonaro. A mais bela capixaba que o mundo conheceu. E nós os bravos seniores
da tropa Anhanguera.
Ela estava
linda. Uniforme azul, bonezinho de lobo. Saia curtinha (que pernas meu Deus!).
Akelá? Não tinha mais de dezesseis anos! Não seus bobos disse o Chefe Sênior.
Ela é Assistente. Tem dezessete. Está fazendo uma visita. Vai embora hoje no
trem noturno das oito. – Vou também! Falaram todos ao mesmo tempo. Chefe
Santino riu sonoramente. Que vida. Descobre-se o amor de nossas vidas, a nossa
alma gêmea e ela vai embora assim?
E para “espatifar”
o coração de todos, ela começou a cantar. Os lobos sentados em círculo e ela
cantando uma canção que não conhecia. Voz? Uma cantora nata! Ninguém na sede
tirava os olhos dela. Maravilhosamente bela e uma voz harmoniosa, que podia
seguramente ser a maior cantora de todos os tempos. - ¶ “Que dia maravilhoso! Que
belo amanhecer... Na paz de Deus junto a terra! Ah! Como é belo viver”! ¶.
O céu que me
condene! Que me mate! Que acabe comigo. Estava “deverasmente” apaixonado.
Perdidamente apaixonado. E o pior aconteceu! Ela olhou para mim e deu um
sorriso. Senti o corpo tremer. Tive que sentar. Que sorriso! Que voz! Que
rosto! Que corpo! Não podia ser uma mulher Akelá. Era uma deusa trazida do
Olimpo. E eis que como se fosse uma chicotada, como se tivesse caído uma pedra
enorme em minha cabeça, um Chefe novo de uns vinte e cinco anos entrou
acompanhado do Chefe do grupo. – Vamos
embora meu amor! O que? Meu amor? Então olhei melhor, ele estava com a aliança
na esquerda e ela também. Marido e mulher! Covardia, pura covardia!
Ela se foi. Deu
um “xauzinho” e disse um Sempre Alerta que nunca mais, nunca mais mesmo e eu
juro, iria esquecer. A mulher dos meus sonhos, a mulher que iria ser a minha
vida, a minha alma gêmea se foi. Se houve reunião de seniores eu não sei. Acho
que os outros também ficaram como eu no mundo da lua. Começamos mudos e
terminamos calados. Chefe Santino sorria no alto dos seus vinte e seis anos. Um
homem experimentado sabendo o que sentia aqueles garotos que estavam crescendo
e aprendendo com a vida.
Cláudia Alvonaro
virou a esquina abraçado com seu amado. A tropa acompanhou com os olhos seu
ultimo adeus. E eu? Fiquei meses sonhando e planejando ir acampar em Vitória.
Mas será que ela iria deixar o marido e casar comigo? O meu amor, minha paixão
durou até o Acampamento na Serra da Piedade. Na igrejinha dos Freis
Franciscanos eu a esqueci totalmente. Vida de Sênior é assim. Um amor, outro e
então vem às atividades escoteiras ou uma grande Jornada Aventureira e a gente
esquece tudo!
Nota - Amor
é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse...
Mas não dura muito tempo! Um
sábado, uma reunião de Sênior. Reunião? Eles gostavam era de andar por aí em
trilhas e montanhas para descobrir locais que nunca viram. Mais eis que aparece
alguém, tudo muda tudo se transforma. Então chega o amor e por poucas horas ele
foi intenso ate que ela se foi!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
obrigado pelos seus comentários