Conversa ao pé do fogo.
Mitos, lendas verdades e inverdades do Uniforme
Escoteiro.
Convenhamos que eu não seja um estudioso das tradições do uniforme Escoteiro
brasileiro. Sei apenas o que vi e vivi com ele nestes últimos 67 anos de
escotismo. Não vou dar um testemunho como foi em todo Brasil, para mim
impossível, mas posso falar mais na minha área de atuação. Não é aqui que vou
discordar das escolhas de cada um. Sei que nosso uniforme ainda levanta duvidas
e hoje muitos que fazem parte da nova geração acreditam que o presente nada tem
a ver com o passado. Tenho dito em todos os lugares aonde vou e mesmo em meus
parcos escritos que é difícil analisar uma era sem ter nela pisado com seus pés
e sentido o calor do chão de terra. Os novos eruditos que se arvoraram em donos
da verdade, muitos deles sequer conheceu o passado a não ser por escritos fazem
hoje de suas belas palavras uma verdade que acreditam ser intocável. Não sei. Não
quero polemizar. Já me disseram que isto não leva a nada. Meus comentários
ficarão restritos ao uniforme básico. Os do mar e do ar quase não sofreram
mutação e até hoje se mantem no tradicional quando foram criados.
Uma vez em um curso da Insígnia de Madeira que participava O Chefe meu amigo e
antigo mineiro já falecido, Doutor Francisco Floriano de Paula contou como foi à
uniformização em Minas Gerais durante os primórdios do escotismo. Disse que no
inicio do escotismo o uniforme foi o mesmo usado na Inglaterra. Uma espécie de
caqui cinza com meiões pretos. Com o passar do tempo surgiu à calça azul com
camisa caqui e assim permaneceu por muitos anos. Parece que a partir do final
da década de 40, o caqui começou a se expandir por vários estados. Entre a
década de quarenta e cinquenta o governo mineiro querendo uma expansão rápida
do escotismo nomeou sargentos cabos e soldados para organizarem Grupos
Escoteiros em todas as cidades mineiras. A falta de adestramento e literatura além
de acompanhamento profissional fez do escotismo um pseudo militarismo. Os
uniformes surgiram a bel prazer. Se no sul e no norte não foi assim fica o dito
pelo não dito. Quando entrei para o movimento em 1947 os lobos usavam o azulão
com o boné conhecido, mas feito à mão pelas mães dos lobos. Os Escoteiros já
usavam o caqui curto, chapéu de abas largas e nunca se via adultos trajando
calça comprida. Era uma tradição, pois BP nunca usou o uniforme com calça
comprida. Sei que em vários estados ou cidades alguns grupos fizeram adaptações
que não eram normativas. Assim apareceu o verde e cores parecidas com o caqui.
O caqui, portanto era considerado o uniforme oficial dos Escoteiros da
modalidade básica no Brasil. Em 1969 muitos adultos já forçavam o uso da calça
comprida. Discutiam que em cada estado devia haver uma abertura e varias ideias
começaram a ser discutidas. Cada um defendendo sua posição, o estilo de vida na
comunidade e a temperatura ambiente. A busca de um novo uniforme levou a
aprovação do Uniforme Social que depois foi chamado de traje. A explicação era
que precisávamos de um uniforme mais palatável quando em atividades sociais e
burguesas. Assim em 1975 formalizou-se o uniforme Social. O Chefe Darcy Malta
Escoteiro Chefe na época, explicou em linhas gerais como ele deveria ser visto
e apresentado.
Para que os adultos levassem a sério o novo Uniforme Social, vamos chamá-lo de
traje, a UEB enviou a todos os Grupos Escoteiros do Brasil um ofício via
correio explicando como ele seria confeccionado, quais as ocasiões para o uso e
juntou-se um desenho e pasmem-se: - um pedaço do pano tanto da camisa como da
calça comprida. A confecção seria por conta de cada um. Havia a preocupação da
uniformização sem mudanças ou alterações. O Tergal ou linho era regra geral. Para
maior formalidade foi dado à possibilidade do uso do paletó e gravata. Que eu
saiba uma minoria adotou este último que logo foi esquecido. No POR se
sacramentou as normas e uso. Era função do dirigente de uma atividade
determinar qual uniforme a ser usado. O POR em um dos seus artigos dizia: - Nas
atividades escoteiras os chefes deviam usar o tradicional, ou seja, o caqui. Eu
mesmo dirigi vários cursos onde se exigia ou o traje ou o caqui. Em vários
avançados da Insígnia da Madeira que fui o diretor pedia sempre os dois
uniformes. Cada dia usávamos um ou outro. O intuito era não só formalizar, mas
mostrar que a uniformização deveria ser ponto de honra para nós Escoteiros. A aparência
e a igualdade não poderia perder o garbo. Interessante que sem a tecnologia de
hoje, a disciplina era irreversível. Poucos destoavam e obedeciam sem discutir.
A partir do meio da década de oitenta muitos adultos e seniores passaram a usar
o azul mescla com calças jeans desvirtuando o sentido da aprovação do traje no
passado. Não esquecer que por volta de 1984/85 foi formalizado o escotismo
feminino no Brasil e um novo uniforme foi acrescentado para elas. Isto depois
foi esquecido e cada sessão feminina decidia pelo traje ou o caqui. A UEB nas
diversas épocas subsequentes sempre alterava um ou outro item. Isto se
banalizou completamente o sentido do uniforme SOCIAL. Cada grupo podia escolher
o que seus participantes gostariam de usar. O próprio chapéu foi escamoteado
abrindo a possiblidade do uso de bonés e outras coberturas. Lembramos que a
própria UEB em sua loja vende um tipo de cobertura feita de brim ou similar e
esta se espalhou por vários Grupos Escoteiros como uma chama. É comum ver o
Chefe com ele e os jovens sem nenhum. Finalmente no final da década de noventa
bastava portar o lenço com uma camiseta e se considerava uniformizado. A
própria UEB foi quem criou esta Torre de Babel com o traje Escoteiro. Hoje se
arvoram em dono da verdade e impuseram um novo uniforme a quem chamam de
vestimenta.
Com a participação em jamborees e atividades internacionais copiou-se o lenço
preso nas pontas dando uma nova conotação da liberdade individual e
apresentação moderna. Na nova vestimenta ficou a critério de cada um escolher
como vestir e esqueceram-se da uniformidade. Nosso marketing deixou a desejar.
Hoje cada um escolhe se quer a camisa solta ou não. Meiões ou não. Calça curta
ou comprida. Lenço bem colocado no pescoço ou solto. Se isto vai dar nova
visibilidade ao escotismo brasileiro vamos aguardar. Comparar o ontem com o
hoje não é fácil. Era uma época que tínhamos o maior respeito com nosso
uniforme. Nenhum novato poderia colocar peças antes da promessa. Todos faziam
questão de estarem bem uniformizados e bem apresentados. Era uma questão de
honra. Ninguém saia de casa sem ele. Impossível pensar em vestir na sede, pois
o orgulho fazia parte de qualquer Escoteiro.
Não sou partidário destas
escolhas e muito menos da maneira de apresentação de muitos com a nova
vestimenta. Sou um saudosista criticado por ser exigente na apresentação.
Errado ou não havia um certo orgulho quando saímos em desfile ou se
apresentando em atividades sociais. Se o hoje for considerado moderno, não
tenho contra argumentos a não ser cobrar os resultados destas modificações. Só
o futuro dirá.
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