Conversa
ao pé do fogo.
Comentário
de um amigo distante.
Hoje, dia do Chefe Escoteiro me
lembrei deste e-mail que recebi há alguns meses atrás. Não faz tanto tempo assim,
pois foi quando fiz diversos artigos comentando o porquê tantos chefes estão
deixando o movimento Escoteiro. Tocou-me profundamente. Concordo com ele em
muito dos seus tópicos. Nossa diferença é que sou uma espécie de Dom Quixote,
lutando contra os moinhos de vento e não desisto fácil. Eu ainda acredito. E
mesmo errando vou continuar a tentar mostrar qual seria o melhor caminho para
que o escotismo seja conforme BP nos deixou. Se vou conseguir não importa.
Minha luta seja o resultado que for me considerarei vencedor. O nome do meu
amigo fica em OF. Não que ele pediu, mas achei melhor assim. Vejamos suas
palavras:
Guaíba,
Berço da Revolução Farroupilha, 16 de maio de 2015.
Meu Caro Monitor,
Sempre Alerta! Nada de SAPS ou qualquer outro modismo inventado
para “fazer diferente”. “Fazer a diferença” é o que devemos procurar. Somos uma
família onde devemos nos destacar pela qualidade e não pela modicidade. Li os
seus artigos sobre a evasão do Movimento Escoteiro e por mais que isso me doa
sou obrigado a discordar do senhor. Não há evasão do Movimento Escoteiro no
Brasil pela simples razão que o mesmo já está morto, e não se pode sair de algo
que não existe mais. Não tenho tanto tempo de Escotismo como o senhor, mas sou
do tempo do chapelão, da calça curta, do meião, do cabo solteiro, da moeda no
bolso da Boa Ação diária. Sou do tempo em que existiam Escoteiros e Chefes
Escoteiros, Patrulhas, Conselho de Tropa e Corte de Honra. Sou do tempo em que
durante a semana do Dia do Escoteiro atazanávamos a vida do nosso pobre chefe
pelos ofícios solicitando o dispensa do uso do uniforme da escola naquela
semana, para podermos ir uniformizados para a sala de aula.
Sou do tempo da malfadada frase: “O Escoteiro é uma criança
vestida de idiota, comandada por um idiota vestido de criança.” Mas também sou
do tempo em que “Ser Escoteiro” era motivo de orgulho. Do tempo em que aprendia
a fazer nós não apenas para trocar de classe, mas para saber na hora em precisar
fazer um, e fazer o certo. Do tempo em que as patrulhas faziam atividades em
dias diferentes das reuniões de Grupo, para treinar e se qualificar para as
especialidades, na busca de sempre estar um passo a frente das outras
patrulhas. Do tempo em que o “Sistema de Patrulhas” era aplicado e não apenas
um nome no rol das lembranças, onde a Bandeirola de Patrulha era cuidada,
honrada e respeitada e nunca era largada no chão.
Como escreveu o senhor, do tempo da B.O.I.A. nos hasteamentos e arreamentos.
E para quem não conhece a sigla significa Bandeira, Oração, Inspeção e Avisos.
Lembro como o nosso GE (pequeno e um dos poucos no Estado do Rio Grande do Sul
que não era patrocinado por ninguém) buscava apoio na comunidade, participava
de campanhas, guardava à Pira da Pátria, ajudava na organização do desfile
cívico e era conhecido e conceituado na comunidade. Francisco Floriano de Paula
e Caio Vianna Martins eram nomes conhecidos. Mas como se diz aqui na minha
terra, era no tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. Hoje não vemos
mais nada disso. Vemos jovens que não tem motivação, pois não existe mais com
que motivá-los.
Escotistas (tenho horror dessa palavra) que não sabem o que é
Escotismo. Cursos que são uma piada de mau gosto e taxas, taxas e mais taxas.
Não se dá o devido valor aos antigos Escoteiros formando as chamadas Patrulhas
Dinossauro nos GE. Não se convida os antigos membros para participar ou mesmo
visitar um acampamento. E sabe por quê? Pelo simples fato de que os Escotistas
de hoje tem medo de ouvir: “No meu tempo de Escoteiro era diferente!” Tem medo
de ter que dar explicação para os jovens dos motivos que levaram as mudanças.
Culpa deles? Não, pois nem eles mesmos sabem dos motivos, guardados a sete
chaves pelos medalhões. No Brasil o
Escotismo criado por BP não existe mais. Temos um simulacro, militarizado ou
completamente solto. Uma disciplina imposta ou ignorada e não mais aquela
disciplina que vinha de “dentro para fora” na medida em que íamos aprendendo o
que era o Movimento Escoteiro.
Tínhamos os “Escoteiros” e não como hoje “Escoteiro disso” ou
“Escoteiro daquilo”. Nada contra, pois são tentativas de uma volta as origens,
mas que (até onde consegui ver) não conseguiram descobrir a verdadeira origem
do Escotismo ou são impedidas de praticá-lo. O senhor listou quatro pontos: -
Programa, Apresentação pessoal, Formação/qualificação do Chefe e Ouvir sempre o
ponto de vista do jovem. Todos são válidos, mas se não resgatarmos a “Tradição
Escoteira” e o “Escotismo de B.P.” eles de nada valerão. Se não devolvermos ao
jovem o “Orgulho de ser Escoteiro” ele continuará a buscar isso em outros
locais nem sempre muito recomendado.
É inerente ao jovem participar de um
agrupamento de iguais e buscar reconhecimento. B.P. identificou esse fato e
criou um movimento voltado para aproveitar essa energia, esse sentimento de
agregação, dando um norte e uma filosofia de vida baseada no caráter e na
honra. E hoje, aqui no Brasil, foi realizado um excelente trabalho no sentido
de desmantelar todo esse esforço e banalizar o termo Escoteiro a tal ponto que
o jovem sente vergonha de ser identificado com Escoteiro e chegar à reunião com
o seu uniforme ou aquele simulacro de uniforme adotado atualmente.
O senhor deve ter notado que não
tenho participado muito das suas postagens. Mas isso não significa que não
estou acompanhando-as, mas sim que sei que vou acabar em uma ou outra rusga com
alguém. Sou chato demais nesse ponto e para mim, quando eu fiz a minha Promessa
Escoteira foi para toda a vida. E a minha promessa não foi para o que se
apresenta hoje como Escotismo, mas sim para o Escotismo de Baden Powell que
estava em espírito representado na foto colorida sobre a mesa, entre o machado
no tronco de Gilwell e a vela votiva com a promessa.
Deixo aqui o meu (considerado
arcaico) Sempre Alerta e os meus votos de força e perseverança nessa sua
jornada, a qual com certeza eu não escolheria por causa de meu pavio curto.
Um antigo Escoteiro que tem muito
orgulho do seu passado.
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