Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sexta-feira, 19 de junho de 2015

E a escoteirada foi às compras! (Uma história quase real).


Conversa ao pé do fogo.
E a escoteirada foi às compras!
(Uma história quase real).

                     Outro dia vi uma Chefe comentando que foi fazer compras na Loja Escoteira. Na minha época era cantina, mas tudo mudou. Ela contou que abriu o SIGUE, retirou seu Cartão de Crédito e de uma só vez comprou um cinto e alguns distintivos. Vi em sua foto que ela tinha um sorriso lindo. Desejei sorte a ela. Foi então que me lembrei de quando também fui às compras na Cantina Escoteira. Coisa de louco comparado com hoje. Éramos vinte e nove Escoteiros na tropa. Minha Patrulha a Lobo em sua reunião semanal de patrulha na casa do sub Monitor (sem formalidades, entravamos e saímos como se fosse a nossa casa) conversávamos e olhe nem me lembro do que era. No mínimo era alguma atividade Escoteira fora da sede. Era comum quando isto acontecia, quando a Corte de Honra autorizava e o Chefe João Soldado sacramentava. Potoca daqui, potoca dali e nem sei como surgiu de alguém ir comprar alguns trecos e coisas e tal na Cantina Escoteira. O papo foi bom, passava das dez da noite quando dona Noêmia nos mandou embora. – Está tarde cambada. Hora de dormir! Gente boa, boníssima!

                    No dia seguinte o tema se espalhou. A lobada procurando a gente para fazer a encomenda. Eu quero isto eu quero aquilo. Tens dinheiro? Dou um adiantamento! No grupo só tinha “duros” quando precisavam de uns trocados o negócio era botar a cuca para funcional. Durante uma semana foi feito uma lista enorme, tinha de tudo. Chapéus, anéis, cintos, distintivos flor de lis de lapela, o livro do Velho Lobo e o escambal. Até o disco do Trio Irakitan. Avisamos a todos que não sabíamos o preço. Que cada um juntasse o máximo que podiam. Nunca vi tanta caixa de engraxate voando prá cima e prá baixo na Avenida Minas Gerais. Na pracinha os lobos chamavam alto: Aqui mais barato! Apenas dois reis! Nenhuma casa próxima a um Escoteiro escapou. Pintar muro, limpar quintal e se precisar diziam me avise que virei correndo fazer suas compras! Eu não entendia nada de lista de preços e nunca vi uma. O Chefe João Soldado riu e disse: - Se virem, não foi vocês quem deram a ideia? Danado de Chefe!

                   Calango dos correios tinha sido sênior e agora trabalhava lá. Dizia ser um alto burocrata das cartas que enviava para o Brasil e para o Mundo. Akelá Batista não podia ajudar. Era ascensorista no Edifício do Banco da Lavoura e começava as seis até às oito da noite. Meu pai me olhou de esguelha e disse que não entendia nada de lista de preços e anotações de quem pagou ou não. Passou um mês. Pascoalino o Monitor se encarregou de guardar a bolada recebida. Chamamos os monitores da Touro, da Morcego, da Onça e do Pica Pau. Ficamos horas discutido quando daria para comprar com os quinhentos e sessenta mil reis ajuntado. E quem vai? Cada um deu uma opinião. Devia se o Chefe João Soldado (ele era sargento). Nem pensar ele disse. Ausentar-me do quartel por dois dias agora com a Zona do Contestado pegando fogo não posso mesmo. A Zona do Contestado foi uma pré-guerra entre Minas e Espírito Santo. A politicada de Minas queria um trecho para o mar. Minas tem que ter o mar eles diziam!

                   Vado, eu soube que foi suspenso por uma semana do Colégio Dom Bosco. Porque você não vai? É o padre Astholfo achou que eu era culpado por jogar a lata de lixo no Corredor. Não fui eu, mas paciência. Dizer para ele que o Escoteiro tem uma só palavra não ia resolver. Basta o sermão que ele me deu como era o escotismo na Espanha. – Lá sim Seu Vado, lá se faz escotismo de coração! Pensei comigo que um dia ia lá para ver. Bem fui o escolhido. Tremia igual vara verde. Uma dinheirada no bornal, uma lista de sumir de tanta gente, e uma viagem de desesseis horas de ônibus até o Rio de Janeiro. 1954, uma chuva torrencial caiu por toda semana. A passagem já comprada não podia perder. Pensei em gastar um pouco e telefonar para eles no Rio. Se fosse barato é claro. Dona Lourdinha da Telefônica me desanimou. Demora quase quatro horas para completar a ligação e ela com esta chuvarada só cai!

                     Quatro da tarde. Meu pai ao meu lado e em volta a escoteirada e lobada me vendo partir em frente ao Bar do Norberto. O ônibus estava lá. Meu pai me orientando, cuidado lá tem muito ladrão na rodoviária, não fale com ninguém só converse com um policial. O motorista já estava de saco cheio com tanta solicitação do meu pai. Parti coração apertado. Tremendo de medo. Claro de uniforme com meu Chapelão. Uma mulher gorda sentada ao meu lado implicou logo com ele. Rio Bahia sem asfalto. Buraco de todo tamanho. A noite luz apagada eu só lia lá na frente – Carrocerias CAIO. Nunca esqueci. Cochilava, acordava e nas paradas corria fazendo um xixi às pressas. Medo de perder o ônibus. Chegamos ao Rio de Janeiro ao meio dia. O motorista disse que o retorno era ás onze da noite. Eu tinha o endereço da Cantina. O motorista me ensinou como chegar lá. Passei próximo a Candelária. Pensei comigo se der tempo vou ver o mar. Nunca tinha visto. Mas onde ele ficava? Um prédio simples tinha elevador, mas Subi a escada. A porta aberta, uma linda cantina, fiquei boquiaberto. Tinha de tudo.

                      Dei a lista para a mocinha simpática. Ela se assustou quando me viu de uniforme. Claro dei um enorme Sempre Alerta e logo em posição de sentido disse: Terceiro Escoteiro Escriba da Patrulha Lobo se apresentando! Deu uma enorme risada. Pegou minha lista e começou a separar tudo. Quanto? Setecentos oitenta mil reis!  Só tinha quinhentos e sessenta. Ela me olhou e disse: - Confio em você. Manda-me pelo correio o saldo em um mês? Balancei a cabeça concordando. Ela escreveu o endereço e o nome dela. Quase não aguentava o embrulho que ela fez. – O Mar é longe? – Nem tanto, uns mil e duzentos metros, mas longe da Rodoviária. Você com este embrulho ir e voltar é cansativo! – Mar, não foi daquela vez. Só conheci quando estava com dezessete anos. Lindo de morrer!


                         Na rodoviária amarrei a ponta do meu cadarço no embrulho. Se cochilasse e alguém quisesse me roubar teria que puxar meu pé. O ônibus encostou-se à plataforma no horário. Entrei. O motorista me olhou sorrindo: - Ainda vivo? Partimos, eu de olho nas carrocerias CAIO. Na chegada ao bar do Norberto nunca vi tanto Escoteiros, seniores e lobos. Até o Chefe João Soldado estava lá. Senti-me importante. Nada como uma suspensão escolar para fazer uma viagem de sonhos. Quase três dias em uma poltrona. Escoteiro se vira! Trinta e duas horas ida e volta. Na minha lapela do uniforme meu distintivo da flor de lis. Nunca mais o deixei de lado. Ninguém reclamou. Durante muito tempo uma penca de Escoteiros sempre ao meu lado para contar a viagem. Viu o Mar? Com é lá? A cantina é grande? Um mês depois lá estava eu com Calango nos correios. O dinheiro todo que faltava estava lá. A turma toda fez a vaquinha para pagar. Não faltou um tostão. Dois meses depois Calango me disse que chegou uma correspondência; fui ver. Era da moça da cantina – Dizia: - Eu sabia que podia confiar em você. Sempre Alerta! Nada mais foi escrito nada mais foi dito nada mais foi falado!     

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