Conversa ao
pé do fogo.
E a
escoteirada foi às compras!
(Uma história
quase real).
Outro dia vi uma Chefe comentando
que foi fazer compras na Loja Escoteira. Na minha época era cantina, mas tudo
mudou. Ela contou que abriu o SIGUE, retirou seu Cartão de Crédito e de uma só
vez comprou um cinto e alguns distintivos. Vi em sua foto que ela tinha um
sorriso lindo. Desejei sorte a ela. Foi então que me lembrei de quando também
fui às compras na Cantina Escoteira. Coisa de louco comparado com hoje. Éramos
vinte e nove Escoteiros na tropa. Minha Patrulha a Lobo em sua reunião semanal
de patrulha na casa do sub Monitor (sem formalidades, entravamos e saímos como
se fosse a nossa casa) conversávamos e olhe nem me lembro do que era. No mínimo
era alguma atividade Escoteira fora da sede. Era comum quando isto acontecia,
quando a Corte de Honra autorizava e o Chefe João Soldado sacramentava. Potoca
daqui, potoca dali e nem sei como surgiu de alguém ir comprar alguns trecos e
coisas e tal na Cantina Escoteira. O papo foi bom, passava das dez da noite
quando dona Noêmia nos mandou embora. – Está tarde cambada. Hora de dormir!
Gente boa, boníssima!
No dia seguinte o tema se
espalhou. A lobada procurando a gente para fazer a encomenda. Eu quero isto eu
quero aquilo. Tens dinheiro? Dou um adiantamento! No grupo só tinha “duros”
quando precisavam de uns trocados o negócio era botar a cuca para funcional. Durante
uma semana foi feito uma lista enorme, tinha de tudo. Chapéus, anéis, cintos,
distintivos flor de lis de lapela, o livro do Velho Lobo e o escambal. Até o
disco do Trio Irakitan. Avisamos a todos que não sabíamos o preço. Que cada um
juntasse o máximo que podiam. Nunca vi tanta caixa de engraxate voando prá cima
e prá baixo na Avenida Minas Gerais. Na pracinha os lobos chamavam alto: Aqui
mais barato! Apenas dois reis! Nenhuma casa próxima a um Escoteiro escapou.
Pintar muro, limpar quintal e se precisar diziam me avise que virei correndo
fazer suas compras! Eu não entendia nada de lista de preços e nunca vi uma. O
Chefe João Soldado riu e disse: - Se virem, não foi vocês quem deram a ideia?
Danado de Chefe!
Calango dos correios tinha
sido sênior e agora trabalhava lá. Dizia ser um alto burocrata das cartas que
enviava para o Brasil e para o Mundo. Akelá Batista não podia ajudar. Era
ascensorista no Edifício do Banco da Lavoura e começava as seis até às oito da
noite. Meu pai me olhou de esguelha e disse que não entendia nada de lista de
preços e anotações de quem pagou ou não. Passou um mês. Pascoalino o Monitor se
encarregou de guardar a bolada recebida. Chamamos os monitores da Touro, da
Morcego, da Onça e do Pica Pau. Ficamos horas discutido quando daria para
comprar com os quinhentos e sessenta mil reis ajuntado. E quem vai? Cada um deu
uma opinião. Devia se o Chefe João Soldado (ele era sargento). Nem pensar ele
disse. Ausentar-me do quartel por dois dias agora com a Zona do Contestado
pegando fogo não posso mesmo. A Zona do Contestado foi uma pré-guerra entre
Minas e Espírito Santo. A politicada de Minas queria um trecho para o mar.
Minas tem que ter o mar eles diziam!
Vado, eu soube que foi
suspenso por uma semana do Colégio Dom Bosco. Porque você não vai? É o padre
Astholfo achou que eu era culpado por jogar a lata de lixo no Corredor. Não fui
eu, mas paciência. Dizer para ele que o Escoteiro tem uma só palavra não ia
resolver. Basta o sermão que ele me deu como era o escotismo na Espanha. – Lá
sim Seu Vado, lá se faz escotismo de coração! Pensei comigo que um dia ia lá
para ver. Bem fui o escolhido. Tremia igual vara verde. Uma dinheirada no
bornal, uma lista de sumir de tanta gente, e uma viagem de desesseis horas de
ônibus até o Rio de Janeiro. 1954, uma chuva torrencial caiu por toda semana. A
passagem já comprada não podia perder. Pensei em gastar um pouco e telefonar
para eles no Rio. Se fosse barato é claro. Dona Lourdinha da Telefônica me
desanimou. Demora quase quatro horas para completar a ligação e ela com esta
chuvarada só cai!
Quatro da tarde. Meu pai
ao meu lado e em volta a escoteirada e lobada me vendo partir em frente ao Bar
do Norberto. O ônibus estava lá. Meu pai me orientando, cuidado lá tem muito
ladrão na rodoviária, não fale com ninguém só converse com um policial. O
motorista já estava de saco cheio com tanta solicitação do meu pai. Parti
coração apertado. Tremendo de medo. Claro de uniforme com meu Chapelão. Uma
mulher gorda sentada ao meu lado implicou logo com ele. Rio Bahia sem asfalto.
Buraco de todo tamanho. A noite luz apagada eu só lia lá na frente –
Carrocerias CAIO. Nunca esqueci. Cochilava, acordava e nas paradas corria
fazendo um xixi às pressas. Medo de perder o ônibus. Chegamos ao Rio de Janeiro
ao meio dia. O motorista disse que o retorno era ás onze da noite. Eu tinha o
endereço da Cantina. O motorista me ensinou como chegar lá. Passei próximo a
Candelária. Pensei comigo se der tempo vou ver o mar. Nunca tinha visto. Mas
onde ele ficava? Um prédio simples tinha elevador, mas Subi a escada. A porta
aberta, uma linda cantina, fiquei boquiaberto. Tinha de tudo.
Dei a lista para a
mocinha simpática. Ela se assustou quando me viu de uniforme. Claro dei um
enorme Sempre Alerta e logo em posição de sentido disse: Terceiro Escoteiro
Escriba da Patrulha Lobo se apresentando! Deu uma enorme risada. Pegou minha
lista e começou a separar tudo. Quanto? Setecentos oitenta mil reis! Só tinha quinhentos e sessenta. Ela me olhou
e disse: - Confio em você. Manda-me pelo correio o saldo em um mês? Balancei a
cabeça concordando. Ela escreveu o endereço e o nome dela. Quase não aguentava
o embrulho que ela fez. – O Mar é longe? – Nem tanto, uns mil e duzentos metros,
mas longe da Rodoviária. Você com este embrulho ir e voltar é cansativo! – Mar,
não foi daquela vez. Só conheci quando estava com dezessete anos. Lindo de
morrer!
Na rodoviária amarrei
a ponta do meu cadarço no embrulho. Se cochilasse e alguém quisesse me roubar
teria que puxar meu pé. O ônibus encostou-se à plataforma no horário. Entrei. O
motorista me olhou sorrindo: - Ainda vivo? Partimos, eu de olho nas carrocerias
CAIO. Na chegada ao bar do Norberto nunca vi tanto Escoteiros, seniores e
lobos. Até o Chefe João Soldado estava lá. Senti-me importante. Nada como uma
suspensão escolar para fazer uma viagem de sonhos. Quase três dias em uma
poltrona. Escoteiro se vira! Trinta e duas horas ida e volta. Na minha lapela
do uniforme meu distintivo da flor de lis. Nunca mais o deixei de lado. Ninguém
reclamou. Durante muito tempo uma penca de Escoteiros sempre ao meu lado para
contar a viagem. Viu o Mar? Com é lá? A cantina é grande? Um mês depois lá
estava eu com Calango nos correios. O dinheiro todo que faltava estava lá. A
turma toda fez a vaquinha para pagar. Não faltou um tostão. Dois meses depois
Calango me disse que chegou uma correspondência; fui ver. Era da moça da
cantina – Dizia: - Eu sabia que podia confiar em você. Sempre Alerta! Nada mais
foi escrito nada mais foi dito nada mais foi falado!
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