Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

sábado, 3 de dezembro de 2011

A CO-EDUCAÇÃO - Fasc.05


A COEDUCAÇÃO  fasc.05

“Com oito anos de idade quis reformar o mundo e me tornei socialista. Escrevi” Leis para quando envelhecesse ““:
1a. - Farei de tudo para que os pobres sejam ricos como nós;
2a. - Ele terá direito a felicidade como nos;
3a. - Nas encruzilhadas todos darão esmola aos pobres limpadores de ruas, agradecendo a Deus pelos bens recebidos;
4a. - Deus fez pobre os pobres e ricos os ricos, mas é preciso pelejar para sermos bons todos;
5a. - Pôr isso precisamos rezar muito a Deus e nos esforçar para sermos bons ““.
BADEN POWELL

 “AO MEU CHEFE DE TROPA, JÁ FALECIDO, PELOS BONS TEMPOS”.
    
Abri a porta sem bater e entrei. Na Sala Grande só uma lâmpada acesa. O “Velho” estava em pé junto a estante, folheando um livro. Não olhou para traz, já conhecia meus passos e a maneira de abrir a porta.
     - Li e reli este livro várias vezes e até agora não entendo o porque desta luta imbecil! . O “Velho” de costas, sussurrava, talvez para si próprio ou quem sabe, preparando mais uma de suas armadilhas para fazer certo alarde. 
     Raciocinei que estava claro o motivo do comentário. Era o  clássico de Cervantes, ou seja a parte onde Dom Quixote e sua batalha contra os  “Moinhos de vento”, mas preferi calar-me devido a experiências anteriores. Desta vez iria devagar e não aceitaria uma batalha com o 'Velho' a moda do personagem. Tinha um tema bem ao seu gosto e pôr experiências anteriores sabia um pouco de sua opinião. Claro, era um tema complexo e para mim, trazia uma excelente abertura em nosso movimento. O “Velho” um saudosista e tradicionalista iria achar um prato cheio a discussão.
     - Havia pensado em colocar na pauta do Conselho de Chefes e se aprovado levar a Comissão Executiva para ser discutido, o assunto da implantação da Co-educação no Grupo Escoteiro.
     Arraigados ao passado, mesmo tendo diversos dirigentes de mente aberta, a palavra do “Velho” iria valer muito na decisão final.  O “Velho” querendo ler meus pensamentos, se voltou, me olhou, sorriu e caminhou até a sua poltrona de vime favorita, mas não se sentou. Encarava-me com uma expressão enigmática que me deixou mais embaraçado, pois nunca o “Velho” tinha aquele procedimento.
     - “Diabos” pensei.  - O “Velho” tem o dom de me deixar nervoso em certos momentos e não sei porque! - arrematei.
     Sem dizer nada, sentei num banquinho de madeira de três pés, o meu preferido e soltei aos borbotões o assunto que me levava ali. Não dei chance ao “Velho” de me interromper.
     Ele permaneceu em pé, espantado, pois não esperava minha atitude tomada daquele jeito.
     - “Decidi discutir o assunto da Co-educação no Grupo, - falei - Entendo que para as moças existem o Bandeirantismo, mas os grupos que implantaram, tiveram uma maior participação dos pais, enriqueceu suas sessões e houve uma aprovação geral da comunidade. Nosso Distrital acha que o Grupo tem qualidades e nas reuniões de pais de sessões, muitos tem comentado sobre suas filhas e o interesse delas em participar”.
     - Excelente idéia, disse o “Velho”. Não sei como você ou os outros membros do Grupo não pensaram nisso antes.
     Quase cai do banquinho. O susto não foi maior porque estava encostado na parede. - o “Velho” sorria matreiramente. Pegou-me de pronto o danado. Ainda com aquela aparência galhofa que de vez em quando mostrava o seu outro lado, foi até a estante e pegou um livro que desconhecia e folheando encontrou o que procurava.     
     - “Deixe-me ler para você o que pensava o nosso fundador, mesmo naquela época em que moças e rapazes mantinham um distanciamento em todos as áreas e era difícil uma aproximação entre eles”.
     - Já nos anos de 1901 a 1903, quando ainda estava na África do Sul, de todos os lados, rapazes e moças me escreviam pedindo conselhos sobre a maneira de viver e sobre a vida dos exploradores militares ou homens da floresta que são os heróis dos adolescentes. No pouco tempo que tinha, procurava responder as mensagens recebidas, (e isto aconteceu antes da implantação das bases do movimento Escoteiro). - Continuou o “Velho”.
- É somente pelo resultado e não pelo método que se julga a instrução. Até alguns anos atrás, estes resultados eram de homens e mulheres de boa conduta, disciplinados, gente boa como se fossem soldados em parada militar, porém, sem personalidade nem força de caráter e totalmente provados de espírito de iniciativa ou de aventura e incapazes de se “virarem”.
     - E continuou lendo: - Hoje a instrução está enfrentando novas dificuldades. Um instinto de distração sempre mais forte, os efeitos perniciosos dos jornais em busca do sensacional, os filmes pornográficos e o fácil caminho para os prazeres sexuais e pôr fim à paixão do jogo. Com o moderno crescimento das cidades, fabricas, rodovias e linhas telefônicas, e de tudo aquilo que chamamos “civilização” a natureza é mais afastada ainda das pessoas. Suas belezas e seus milagres se tornam estranhos as nossas afinidades pessoais com a criação divina e se perdem na vida materialista das multidões, com suas deprimentes condições entre as espantosas construções erguidas pelo homem.
     A natureza vem sendo expulsa para fora da nossa vida e é substituída pela artificial e graças à bicicleta, ao carro, ao elevador, as nossas pernas acabarão pôr atrofiarem-se pôr falta de exercícios e os nossos filhos terão cérebros maiores, mas sem músculos.
     - E olhe que isto foi escrito na década de 40, disse o “Velho”. Fechou o livro, colocou-o na mesinha próxima e sentou-se em sua poltrona de vime já gasta com o tempo, iniciando seu ritual do cachimbo e deu o assunto como encerrado. Sua pose era aquela de começo de semana. Alheio a tudo e a todos.
     Fiquei embasbacado! - Nunca o “Velho” tinha falado daquele jeito e aprovado uma idéia tão de pronto. Também misturou tudo, pois no final de sua leitura não entendi bulhufas. O que tinha a co-educação a ver com tudo, mais ainda, a civilização etc. e etc. Bem aquele era o jeito dele.
     Vovó apareceu na sala, e uma áurea de luz tão diferente do “Velho” deu outro ar, outra luz, outra vida... Há, a Vovó, com seus cabelos brancos, e seu sorriso radiante, e aquele semblante que só ela sabia transmitir. Claro, trouxe aquele café fumegante, com os biscoitos de polvilho tão sequinhos, que mesmo tendo jantado ao ir para a casa do “Velho”, degluti com sabor, parecendo um “esfomeado” naquela noite de fim de inverno e de mais um dia da minha tradição de anos em manter minhas conversas com o “Velho”.
Fui embora antes que ele acendesse o cachimbo. Não houve até logo ou boa noite. Ele sempre me deixava encucado. Algumas vezes, falava, falava a falava. Não deixava duvidas. Em outras eu não entendia nada, mas para um bom entendedor uma frase é um livro. Mas eu gostava do “Velho”. Ele sempre me distraia e eu aumentava os meus conhecimentos do Escotismo.
     Eu pensava sempre que hoje nosso movimento poderia ser grande, tanto em qualidade como quantidade. Bastava ter pessoas como ele na ativa. E olhe que eu sabia que existiam centenas. Todos mal aproveitados. Quem perdia era o Movimento Escoteiro.
                     O vento frio me pegou de pronto ao chegar a rua. Um carro passou pôr mim buzinando... Ainda tinha estrelas no céu...
                     O...PATA...TENRA...

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