Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O VELHO - Fasc. 08


 O VELHO  fasc.08

 A ESCOLA  DA  VIDA
     _  A vida é bela quando não é complicada. ( Robert Browwing);
      -  Este mundo é duro para conquistar: Cada rosa tem seus espinhos, mas cada rosa   tem sua beleza . ( Frank L. Stanton)
     -   Ninguém passa a sua vida sem deixar suas pistas, assim como quem passa pela roça
     -   Somos bobos quando somos jovens ! Porque pensamos sermos mais sábios    dos  que passaram pela escola da vida, esquecendo que deveríamos aprender deles algo  todos os dias.  (Janes na Fisbrug Gazette).                                                                                          
                                       BADEN POWELL

A TODOS AQUELES QUE TAMBÉM FICARAM “VELHOS” NO ESCOTISMO !
    
Vovó ainda conservava um vigor de uma jovem de 20 anos. Sua idade para muitos era indecifrável, mas acho que passava dos 70 anos. Tinha muitas rugas, era evidente, mas um semblante e o sorriso de uma adolescente. Deveria ter sido uma moça linda e que encantou o "Velho"  quando este a conheceu. Sua voz era macia e meiga e suas maneiras mostravam uma ternura que maravilhavam a todos que a conheciam.
     Naquele dia o "Velho" estava passando pôr uma de suas crises e que aumentava com o passar do tempo. Todos nós, amigos dele estávamos preocupados, mas Vovó não, ou assim o demonstrava. Ele estava recolhido em seu quarto, calado, mesmo quando lhe dei “boa noite” e breve restabelecimento e ele não respondeu. No seu quarto era o único local onde mantinha o tabu de não fumar o cachimbo, um vicio que ele sabia dominar bem.
     Aquele foi um dia inesquecível e  que me marcou profundamente. Pela primeira vez, Vovó desfiava numa conotação de profunda nostalgia, a estória do"Velho".
      Aqui e ali eu tinha ouvido  alguma coisa daquele Escotista, que tinha passado quase toda sua vida no movimento e que carinhosamente o chamavam de BP brasileiro. Outros diziam que era temperamental, conservador, tradicionalista, perfeccionista, prepotente e outros “baratos” que poderia completar a lista  mas cuja superficialidade estava longe da verdade. Havia muito mais, desconhecido de todos, e só vovó poderia saber a verdade daquele homem.
     - Quando o conheci, - dizia ela - ele era apenas um rapazote de seus 17 anos. Foi em maio quando era promovido diversas festas  no mês da Virgem Maria, lá estava ele, junto com amigos na Igreja Matriz. Ele tomava conta de uma “barraquinha” com o jogo da bola de pano. Era uma das que os escoteiros faziam e dirigiam para colaborar com a paróquia.
     - Magro, alto para a sua idade, cabelos grandes e castanho, com mechas caindo na testa, vibrava e sorria alto cada vez que alguém derrubava todas as latas. Notei o garbo no seu uniforme caqui e as abas retas do seu chapelão escoteiro. Seu sorriso franco me cativou. Namoramos e após alguns anos ficamos noivos e casamos. A igreja estava cheia de escoteiros naquele dia.
     - Ele fez questão de estar de uniforme. Podem até me chamar de “cafona” mas não me importei. Ele amava o movimento e eu aceitava também com amor. Entrou com sete anos em meados de 1948 e nunca mais saiu. Compartilhei com ele, todas suas alegrias e tristezas.
     -  Nunca  o cobrei dos acampamentos, reuniões, viagens e cursos que fez e que depois de receber a 3a. e 4a. conta (dizem que não existem mais) passou a colaborar intensivamente no adestramento em todo o país, pois naquela época eram poucos os membros da Equipe Nacional de Adestramento. Viajou pôr boa parte do continente e até na Europa. Ele achava que atualizando, mais poderia colaborar. Não era um grande líder com as palavras, pôr isso quando participava dos encontros escoteiros, indabas, conselhos etc., mantinha-se calado na maioria das vezes, mesmo discordando. Dizia-me que estavam metendo os pés pelas mãos, mas que ele não podia convencer o contrário. Não tinha como ir contra naquele momento. 
     -O olhar da Vovó brilhava a medida que ia lembrando-se do passado ao lado do “Velho".
     O tempo foi passando. Enquanto ele era conhecido e respeitado pela suas qualidades técnicas,  nossa casa estava sempre cheia de escoteiros, chefes e amigos. Ele se entregava de corpo e alma a todos que o procuravam. Nunca soube dizer não. Havia sempre uma palavra amiga e de incentivo. Poderia vir o Presidente em pessoa ou um pai recém admitido ao movimento, que ele tratava a ambos igualmente.
     - Uma pequena lagrima brotou dos seus olhos, mas ela se desculpou deixou-a rolar pelo rosto, deu um sorriso e continuou:
     - Ficou conhecido no Pais inteiro e até no exterior. Ha uns 10 anos atrás, sentiu que suas idéias e até sua longa experiência não estavam sendo levadas em consideração. Ficou como observador e aqui e ali tentava mostrar a maneira correta, mas suas palavras não tinham valor. As novas idéias prevaleciam sobre qualquer outras mesmo que munidas de dados vindas com uma experiência e comprovação.
     - Conversamos muito a respeito. Ele e eu achávamos que assim como o mundo estava mudando e evoluindo, o escotismo também teria que mudar e evoluir. Parou de opinar e deixou que outros mais jovens tomassem as responsabilidades e como o “Escoteiro aprende a fazer fazendo“, ele deixou que os outros “Fizessem para aprender“ . Só havia uma diferença. O escoteiro aprende fazendo, mas sempre orientado pôr seu monitor que também é orientado pelo chefe . Isso foi esquecido pôr aqueles que afoitos, vieram com novas idéias e pensavam em dar o melhor de si ao movimento. Ficavam alguns anos, saiam e eram substituídos pôr outros que faziam a mesma coisa.
     - Quanta mudança! quantas  “besteiras“ ( palavras dele e minha) foram criadas. De um efetivo acima de 25 mil em 1968 ( uma  ínfima parte  do que deveria, pois sabíamos que mais de 40.000 não fizeram o seu registro) mas levando em consideração a população na época até que não era um mau numero ( hoje mal chega a 60 mil). E olhe, continuou - parece que estamos em uma terra de cego, aonde outro cego conduz a todos. Esquecem que este efetivo tem uma evasão tão grande, que ultrapassa 60%.
     - Abre-te sésamo! dizia ele. Lá dentro vamos encontrar um novo Escotismo. Uniforme? qualquer cor serve. O Grupo tem liberdade para escolher. Nestes casos, vale mais o líder que ali está no seu habitat. Distrito? acaba-se com ele. Grupo? monta-se nova estrutura. Direção Nacional e Regional? cria-se tudo de novo. E lá vão eles. Misturam lobinhos com Lobinhas, escoteiros e escoteiras fazem parte da mesma patrulha e seniores e guias já acampam na mesma barraca e meu Deus!, nada de novo no Front!
     Pôr causa de suas divergências, as visitas e os amigos de outrora começaram a rarear.  Ele não era mais convidado para opinar ou colaborar. Esta Infelizmente é uma realidade no movimento. Rei morto, Rei posto!.
     Um dia, numa reunião do Conselho Nacional lhe entregaram a medalha da “velhice” como ele a chamava. (era a mais alta condecoração no pais) uma forma de dizer : “Tome ,obrigado pelos seus serviços, vá em paz para sua casa e não amole mais. Lembre-se dos velhos tempos com seus velhos amigos e nos deixe em paz para sempre!”.
     - Não era justo. Não era isto que ele queria. Ainda achava que tinha muito vigor para ajudar o movimento e tentou. A sua maneira rabugenta tentou, insistiu... - Não adiantou. Fingiram ouvi-lo, mas pôr traz o criticavam.
     - Tem pessoas que só vêem o que querem ver. Olhar a montanha, mesmo que seja bela, sem querer ver o que tem depois é um erro de tolos, ele dizia.
     As mudanças eram bruscas. A cada eleição, novas idéias. Muda-se tudo achando que a solução está aí. Já não havia antigos escoteiros na ativa. Podia-se contar nos dedos da mão, quantos ainda estavam atuando. Esses, quase sempre Chefes de Grupo ou Diretores que faziam parte do seu Grupo desde a sua fundação e ficavam ali até morrer. Os novos dominavam. Era uma rotatividade alarmante! - O número de jovens procurando o Escotismo diminuía cada vez mais. O movimento deixou de ser reconhecido.
     - Só servia para manchetes sensacionalistas, comentários das irresponsabilidade de uns e outros. Escotistas mal formados, adestramento abaixo da critica já que qualquer um recebia seu “taco” (Diretor de Curso) e saia com novas idéias alterando a “bel” prazer os manuais.  
     - Vovó também se sentia magoada. Pudera. Eram anos e anos de convivência. Até o linguajar do "Velho" era repetido pôr ela.
     - Lenços tortos - continuou - camisa fora da calça, boné de qualquer marca e cor (que saudade do chapelão) . Era difícil mas ele algumas vezes encontrava  alguns  “gatos pingados” em ônibus ou andando pela rua. - Quer ganhar na loto? ele dizia - Encontre um escoteiro bem uniformizado ! - Ou até mal uniformizado, ele  ria. O espírito de cidadania estava acabando.
     - Tentou organizar um clã só de antigos, visando uma participação mais efetiva. Sua idéia não era reunir alguns para lembrar o passado. Alguma coisa tinha que mudar. Aos poucos foi desistindo. Eram chamados de “Conselho dos Anciãos Saudosistas”. Respeitados pôr muitos anos, agora eram ridicularizados. No seu próprio grupo, não havia convites para palestras, aconselhamentos ou mesmo troca de conhecimentos. Infelizmente ele esperava um convite que nunca vinha.
     - O telefone dificilmente toca. Não há mais amigos escoteiros. Como você, somente um ou dois ainda aparecem para conversar. Ele já ouviu que está "Velho" senil e egocêntrico entre outras coisas. Da maneira como vai acontecendo as coisas, até eu tenho de concordar.
     - Hoje pela manhã você precisava vê-lo, sozinho pela casa, lendo, falando para si próprio, lembrando do passado e cantarolando saudosas canções escoteiras, aquelas mais tradicionais, sempre de olho na porta para ver se vem alguém, algum amigo (ele sente muita falta) ou ate aguardando a campainha do telefone que só toca quando nossa filha telefona!.
     - Vovó se calou. Seus olhos estavam marejados de lagrimas. Um nó profundo se formou em minha garganta. Não havia mais nada a dizer, a não ser que eu amava aquele "Velho" como se fosse o meu pai. - Maldição !!! - Aquele "Velho" danado estava morrendo aos poucos e quanto conhecimento tinha para dar e  ninguém se importava com isto!.
     - Conversamos ainda algumas banalidades e prometi telefonar para ver se  ele  tinha melhorado. Não faltou o “gostoso” cafezinho com biscoitos de polvilho.
     - Naquela noite, andando como sempre pela rua deserta e sozinho em meus pensamentos, lembrava das palavras de BP., da Escola da Vida e de uma experiência de tantos anos que podia contribuir e muito, mas não era assim que os outros pensavam. Lembrei de uns versos que me veio a mente e que conhecia desde a minha  infância:

“Se aquilo que a gente sente,
  Cá dentro tivesse voz...             
  Todo mundo toda gente
  Teria pena de nós...
                                                          O...PATA...TENRA




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