Historias e estorias que não foram contadas

Historias e estorias que não foram contadas
uma foto, de um passado distante

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

UMA CONVERSA AO PÉ DO FOGO COM CHEFES AMIGOS Fasc. 65


Os três grandes fundamentos para se conseguir qualquer coisa são: -  primeiro trabalho árduo, segundo perseverença, terceiro senso comum.
Thomas A. Edson
Escrever é a única profissão em que ninguém é considerado ridículo se não ganhar dinheiro.
Jules Renard

Uma conversa pé do fogo com chefes amigos– Fasc. 65
“Causos e causos escoteiros”

A todos escotistas meus amigos que nunca vi pessoalmente, e que aprendi a ter o maior respeito. Desde agora e sempre estão marcados no meu coração

      Foi um acampamento diferente, bem diferente. Poderia dizer mesmo que não havia encontrado tanta amizade e tanto amor entre amigos que pela primeira vez se encontravam em um acampamento só deles. Fizemos de tudo, grandes pioneirias, um lindo fogão com forno, uma mesa excelente, enfim todas as necessidades básicas de uma patrulha bem formada. Claro tinha de ser superior, eramos doze adultos, doze chefes de varios grupos diferentes.

     Não lembro o motivo quando surgiu a ideia. Foi assim como se fosse um estalo. Vamos? Vamos. E todos concordaram. Ficamos juntos por cinco dias em um acampamento regional e alí começou nossa amizade. Antes da partida, fizemos um pacto. Renovamos com uma promessa de todos de não ter motivos para que ninguém faltasse. Dalí há um ano iriamos nos encontrar novamente, em um acampamento só nosso. Todos concordaram. Marcamos uma data e me escolheram para ver o local e transporte.

     O local? São Lourenço da Serra. Inesquecível. Acampei lá muitas vezes. Lindo. Um por do sol inesquecível. Uma vista de tirar o fôlego. Uma bela lagoa, uma mata que trazia uma brisa suave todas as tardes antes do sol nascer e se por. Madeira a vontade para pioneirias. Uma bela bica de águas límpidas e frescas. Não precisariamos de mais. O belo dia chegou. Abraços, comprimentos, sorrisos. Velhos amigos se encontrando. Vieram todos, os doze aventureiros conforme nós mesmos nos chamávamos.

    Tudo transcorreu tranquilamente. Tentei de todas as formas convidar o "Velho", mas ele foi irredutível. Já tinha dito para ele sobre o doze aventureiros e ele disse – São doze não treze. Afinal iria estragar tudo. Voce me conhece, sabe como sou. Dou “pitáco” em tudo! Entendí o que o "Velho" queria dizer. Não dava para convidar ninguém, nem mesmo os chefes do grupo onde prestava minha colaboração.

     Quatro dias maravilhosos e no último, após um fogo de conselho especial, alí em volta daquele calor, à conversa se prolongou por muitas horas. Causos, cantigas, gargalhadas, histórias. Cantando e sorrindo até altas horas da noite. Foi então que o chefe Afonso Soares, com seu estilo alegre nos contou duas histórias. Vamos chamar de “causos”, pois ele tinha um estílo inconfundível para narrar. Assim ele começou:

             Tínhamos uma sede em um clube. Usávamos a área que não era a área social, cujo acesso se dava pela área social, caminhávamos mais ou menos 150 metros, depois subíamos um escadão para se chegar à sede.

              Sempre tínhamos problemas com as crianças e jovens, sócios do clube, que não eram do movimento. Eles aguardavam à hora em que os lobinhos ou escoteiros fossem ao bebedouro tomar água para confrontá-los, para fazer "hora" no bebedouro. Enfim não gostavam que os lobinhos ou escoteiros bebessem água na sede social do clube; por isto faziam de tudo para dificultarem que a água fosse sorvida. Lutamos com o problema por mais de dois anos quando uma lobinha, de nome Mariana, chegou perto de mim e disse:

- Akelá, por o Grupo não compra um filtro e coloca aqui na sede?

              Aquilo foi um tiro no nosso pé. Que administradores éramos que não tivemos a visão da lobinha?

      Gargalhadas geral. Ele afoito, partiu logo para o segundo “Causo”. Afonso era assim, despreendido e amigo.

               Um dia, coincidiu a data da festa de encerramento das atividades anuais do Grupo Escoteiro com a da confraternização de uma Fazenda que era gerenciado por mim e outra pessoa.

              A confraternização na fazenda era para mais ou menos 50 pessoas e era um almoço. A do Grupo Escoteiro era às 19 horas, para nossos mais de 100 membros.
Durante a confraternização na Fazenda, para agradar a uns e outros, tomei todas as cachaças que me foram oferecidas. Pensei comigo, são 12 horas, até as 19 horas, com a "caixa" que tenho e minha resistência ao álcool ninguém vai perceber nada.

               Cheguei em casa, dormi. Acordei, tomei meu banho, aprontei-me para o encerramento do Grupo Escoteiro, vesti meu traje e fui todo alegre.
              Os lobinhos da Alcatéia I, na qual eu era Akelá, já por 6 anos, perceberam meu hálito e perceberam ainda que eu estava diferente, nervoso... O encerramento foi dirigido por outras pessoas, felizmente, e foi muito boa.

              Para minha surpresa, na primeira reunião da Alcatéia I, no ano seguinte, um lobinho se aproximou de mim e perguntou:

- Akelá, por que você fez aquilo na festa?
Respondi:
- Aquilo, o quê?
O lobinho:
- Você tinha bebido!

              Foi uma bofetada maior do que se tivessem chamado a minha atenção na festa de encerramento.
Moral da história: parei de beber

      Uma canção um olhar para o céu, lindo naquela hora e logo após o chefe Carlos Kohlrausch não se fez de rogado. Também tenho um “causo” disse. Em pé, naquele seu estilo inconfundivel de grande contador de historias começou. Prestamos uma atenção enorme no que ele dizia:

            Certa feita, acampamento de grupo, quase sete da noite, minha patrulha senior a Kilimanjaro  já com o jantar adiantado, em fogão aéreo, mesa muito bem feita de taquaras. Vi passar o escoteiro, direção a uma bica de água a uns 30 metros de nosso campo, panela na mão muito apressado, iria passar despercebido o fato se ele não estivesse cuidando "para não derramar".

       Pensei água não vai buscar. Saí de perto da galera que estava em volta do fogo, conversa animada sobre os jogos e o fogo de conselho que estaria por vir. Aproximei-me e lasquei - "daí Tchê" que tu tá inventando? Queimou alguma coisa? E ele, o Kohlrausch, tô lavando a massa! Eu disse que? Tô lavando a massa foi à resposta. Eu indaguei: - De onde tu tirou isso? Caiu no chão? E a resposta - Não, mas até agora tive que lavar tudo, tomate, alface, arroz (ainda se lavava arroz), daí vim lavar a massa!

      Olhei, pensei. Iria falar e acabei dizendo: - tá certo! Lava bem lavada! A resposta dele: - Pode deixar! Voltei e disse para a patrulha: - Vamos encenar uma peça para o fogo de conselho e olhem agradeçam ao patrulheiro Limoeiro da  Água! Ganhamos a peça de mão beijada, e mais será "baseada em fatos reais".

     Durante o fogo o rapazola teve sorte, noite sem lua, seu rosto trocando de cor quando da esquete (peça) e na hora das risadas não podia nem ser visto.

            Meus amigos eram historias contadas por grandes escotistas, cujo passado nada ficava a dever as do "Velho". Eles alí naquele mmento reviviam um passado alguns distantes outros nem tanto. – Alguem gritou - Chefe Luciano Loyola, chegou a sua vez, disse um dos chefes. Chefe Loyola apesar de ser circurspecto e ponderado,  não se fez de rogado. Seu “causo” foi contado por ele em pé, fazendo gestos, como se estivesse vivendo tudo o que contava. Ele era assim, apesar de sério gora se mostrava alegre e rindo enquanto narrava seu causo.

      Certa vez montei uma jornada, com 4 trajetos diferentes. Era para a Tropa Escoteira.

      Cada trajeto com cerca de 10,5 km.
    
       Para montar a jornada, em uma zona rural próxima a Curitiba, estive por  ali 7 vezes fazendo e refazendo os percursos.
Falei com os moradores, explicando que escoteiros estariam passando por ali.

        No trajeto eles teriam que fazer diversas atividades, incluindo percurso de Gilwell, carregar alguém numa maca, e por aí vai.
Para cada patrulha, calculando o tempo de caminhada, deixava os alimentos com algum morador e o local para prepararem o almoço em um ponto de parada mais a frente.

         Levamo-los de olhos vendados e os liberamos em cada início de percurso, com bússola, envelopes com as cartas prego, rádio e câmera fotográfica, pois teriam que escrever o relatório ao final.

         Os trajetos iniciavam em locais diferentes e acabavam em um local comum.

         Os relatórios trouxeram fotos de todos os tipos.

           E todas as atividades funcionaram bem. Os moradores que passaram a tarefa para eles prepararem a maca, outros que explicaram como plantavam as hortaliças, outros que contavam as particularidades da redondeza, etc.
Inclusive nas casas onde pedi para os moradores liberarem uma área coberta onde foram colocados os fogareiros e apetrechos de cozinha. Não tivemos nenhum problema.

          Como a região é de colonização italiana e sobrevive do plantio de hortaliças, as equipes foram chamadas de patrulhas: milho, batata, tomate e beterraba.

           O "causo" que chamou a atenção, entretanto, foi de uma patrulha. Ao chegar a um dos pontos de atividade, junto a uma casa de uma moradora que eu havia conhecido, chamaram pelo rádio. Disseram que estavam na casa de dona Maria, como eu a conhecia, disse "tudo bem. O que mais?". Bom eles estavam pedindo autorização para almoçar com a senhora, pois esta ao ver aquela gurizada, ficou animada, se pôs a conversar com eles e quis preparar  o almoço para eles. E a piazada, mais do que depressa quis aceitar.

          Tive que dizer não, pois a comida e o local para preparar o almoço encontrariam mais a frente. Depois fui em seguida até a casa de dona Maria pedir desculpas.

          Eu não esperava que a presença dos escoteiros por ali fosse ser uma novidade tão interessante para os moradores.

              Não havia sono. Passava da meia noite. Mas alí eramos todos adultos, e nada mais natural que do que aproveitar aquele instante mágico. O fogo já tinha se apagado. Ainda algumas fagulhas aqui e ali insistiam em subir ao céu. Aproveitamos para tomar um cafezinho quente que estava na chaleira em cima das brasas. Mas não parou por aí, o chefe Sérgio Vanti se levantou e com seu vozeirão de barítono e disse – Agora é minha vez. Eu tambem tenho um “causo”. Grande chefe Vanti, um ótimo amigo. Assim ele começou:
 
         Certa feita, nos bons anos oitenta, eu era assistente de tropa Junior do chefe Andreazza, no meu grupo d origem, o 36° RS Iguassú.  Estávamos indo em jornada de quinze km para o local do acampamento no horto florestal, antigas instalações de também antigas estâncias. Era uma noite enluarada de sexta feira, clara, e já na zona rural, muitas árvores e campos. Avançávamos em fila indiana com tropa completa, outro assistente cerrando a fila lá atrás.

          Avanço tranquilo, silencioso quando lá na frente dois vultos deslocavam-se em nossa direção, até ai nada demais. Porém ao aproximarem-se da coluna deu pra perceber seu peculiar caminhar, e que estavam de mantos escuros com capuzes, não se podendo ver as cabeças ou rostos. A frente da coluna ia eu o chefe Andreazza conversando, junto com o monitor da primeira patrulha.

         Quando a dupla de estranhos visitantes aproximou-se de nós deu a nítida impressão que não caminhavam e sim flutuavam retos a uns centímetros do solo, e por mais que tentássemos não foi possível ver um rosto ou cabeça dentro daqueles capuzes. Chefe Andreazza, nervoso e tentando ser controlado, ainda disse: - Boa noite senhoras... E o silêncio foi sua resposta. 

        À medida que aquilo passava ao lado da tropa, ia tocando horror, a gurizada se agitando, percebendo a insolitude do a que acontecia. 
Foi um tal de escoteiros correndo uns para frente, outros para o mato ao lado, uns até chorando, vários vinham a nós dizendo: Tu viste chefe, tu viste? E os monitores, bons monitores a gritar: - Voltem pra forma “cagões”, voltem pra coluna! De fato graças aos bons monitores e subs, não tivemos problema em recompor a tropa, mas não preciso dizer como foram às guardas daquela noite...

         Vi que o sono se aproximava. Eu também estava com sono, e queria contar meu “causo” afinal como o "Velho" não estava presente, eu tinha que representar o que ele sempre nos alertava. E meu relato não era nãda divertido. O retirei um dia da internet e o adaptei. Olhe disse, esse relato é sobre uma tropa que foi acampar cujos pais não eram muito ligados ao que se passava com seus filhos, quem sabe serve de lição para o futuro. Começa com uma carta que os pais recebem dos seus filhos. Vejamos:

Queridos Pais

      Nosso Chefe Pietro Lando nos disse para nós escrevermos, pois se caso voces assistirem a inundação na televisão onde estavamos acampados não devem ficar preocupados.

     Estamos todos bem. Só uma das barracas e dois sacos de dormir é que foram na enchorrada. Felizmente nenhum de nós se afogou. Isto porque estavamos na montanha a procura do Zé, quando aquilo aconteceu.

    Ah! Por favor, liguem para a mãe do Zé e comentem que ele está bem! Ele não pode escrever por que está engessado nas pernas e nos braços.

     Andei num dos jipes da Policia Rural a procura dele. Foi Massa! Nunca conseguiriamos encontrar se não fosse a trovoada. O Chefe estava fulo com o Zé por ele ter ido fazer uma excursão sozinho, sem dizer nada a ninguém. O Zé disse que tinha dito ao Chefe, mas como foi durante o incêndio e o Chefe nem prestou atenção.

     Sabiam que se puserem uma botija de gás no fogo à botija explode? Com o chefe fizemos a experiencia. A madeira molhada perto queimou e uma das barracas também. Claro perdemos boa parte das nossas roupas. O pior vai ser o João. Ficará esquisito do jeito que está. Só vai melhorar quando o cabelo dele crescer novamente.

     Só conseguimos chegar ao acampamento no sábado, pois só neste dia o chefe conseguiu consertar o carro. A culpa não foi dele. Os freios não funcionavam quando saímos daí. O Chefe diz que em um carro "Velho" é natural essas coisas acontecerem. Acho que é por isso que ele não fez seguro.

    Mas nós curtimos muito o carro. Não importava que ficavamos todos sujos e suados. Quando ficava muito quente, o Chefe nos deixava ir em cima do para-lamas, e voces sabem dez pessoas lá dentro fica muito quente. Ele nos deixou ir tambem em cima do capô. A Policia Estadual não gostou e multou o Chefe de novo. Só porque estavamos em cinco no capô. O nosso Chefe é muito valente. Discutiu com os policiais.

    Mas fiquem tranquilos, nem fiquem preocupados. Ele dirige bem. Está até ensinando o Miguel como se conduz o carro naquelas estradas de montanha, cheias de buracos, ribanceiras enormes, onde só passa um carro e com aqueles caminhões cheios de madeira indo para a  fábrica de papel era uma diversão.

   Hoje de manhã, fomos mergulhar lá de cima das rochas para o lago. Mais de trinta metros de altura. O Chefe não me deixou porque eu não sabia nadar, e não deixou o Zé porque ele está com gesso nas pernas e no braço. O Chefe achou que nós poderiamos nos afogar. Assim fomos de canoa. Foi um espetáculo. Ainda se conseguiu ver muitas árvores apesar da inundação.

    O Chefe é durão. Não é rabugento como os outros chefes. Nem se queixou por não estarmos usando coletes salva vidas. Ele tem passado muito tempo tentando consertar o carro, por isso estamos sempre procurando lugares novos, mas quando estamos próximos dele obedecendo ele em tudo.

     Conseguimos as especialidades de Socorrista! Com  o corte no braço que o David fez ao mergulhar no lago, aprendemos a usar o torniquete para estancar uma grande quantidade de sangue que saia. Tambem a torção no joelho que o Jairo fez ao cair em cima de uma pedra. Eu e o Luis vomitamos muito, mas o Chefe disse que era uma pequena intoxicação alimentar dos restos do frango de ontem que comemos. Ele disse que isso acontecia muito com a comida que eles comiam na cadeia. Acho muito bom que ele tenha saido de lá e vindo ser nosso chefe. Porreta!

   Bem tenho que terminar. Vamos a cidade mandar as cartas e comprar facas de mato, facão e balas. Ainda não usamos os fuzis e as metralhadoras que o Chefe levou.
Muitos beijos
Nelinho
P.S – Quando foi á ultima vez que tomei vacina contra o tétano?

               Nosso acampamento deixou saudades. Acho que valeu. Todos nos  abraçamos-nos e não houve quem deixasse de sentir o até logo, o breve adeus e claro pequenas lagrimas de despedidas. Não podiam faltar as juras de todos. Ano que vem tem mais disseram. Claro que sim disseram todos. Pena que desta vez o "Velho" não estava, mas acredito que a presença dele não teria dado aquele sabor que encontramos com amigos. Amigos que mostravam que eram muito mais. Agora irmãos escoteiros! Uma união que só o escotismo pode oferecer. Abraços, aperto de mão e até um próximo! E todos voltaram para seus lares sorrindo e pensando no ano que viria!

Ps. Meus agradecimentos carinhosos aos chefes Afonso Soares, Carlos Kohlrausch, Luciano Loyola e Sérgio Vanti que tornaram possivel este fásciculo. A eles meu Sempre Alerta e quem sabe, um dia estaremos juntos em um acampamento como este.

Qui em minas, té o cafezim que te oferecem a cada vizita é mais gostozim, pois em cada dose, vai um pitada de carim.
É, mas é muito fei servi café com lingua, tem qui te um biscotim, ou um bolim, se o café fica na medida certa, a moça pode inté casa, mas se nu sabe fase um cafesin gostosim, há! Vai te que isperar, inté o moço prova, e fala ta prontinha prá casar. Bjs a vcs e aqui vo ficá.


LEI DO ESCOTEIRO - LEI? ORA A LEI! Fasc. 63 e 64



Lei do Escoteiro – Lei? Ora a lei! Fasc. 63

O "Velho" faz parte do folclore escoteiro. Acredito que em todas as cidades com grupos escoteiros devemos ter alguém parecido. Quando planejei esses fasciculos, por volta de 1972, conheci alguns com todas essas caraterísticas. Ele vivenciou em sua mente um escotismo autêntico e tradicional e não abria mão de suas convicções. Viveu tudo isso e acreditava no que aprendeu. Ficou marcado para sempre em sua vida. Sua esposa a Vovó, mais parece uma santa ao seu lado, seu anjo protetor. Sacrificando, dando tudo de si para o ver alegre e feliz no escotismo. O chefe Escoteiro seria aquele que se torna amigo dos mais experientes. Ele considera que o "Velho" Escoteiro é um verdadeiro chefe, tutor, assessor, gurú e em alguns casos especiais um pai. É um escotista que sabe o que diz e tem uma grande experiência de vida e no escotismo. Ainda bem que eles existem. Nunca ou quase nunca são procurados. Postergados por outros mais novos, vivem sempre no ostracismo, lembrando dos velhos tempos, afastados de tudo sem nenhum contato direto com os escotistas de hoje. Não sei, acredito que eu também sou um "Velho" Escoteiro.


Capitulo I

                Não costumava ir à casa do "Velho" as terças feiras. Mas o dia estava tão monótono que nem esperei minha esposa chegar do trabalho. Ela sabia que se não me encontrasse em casa, ou estaria na casa do "Velho" ou ainda no trabalho. Tinha um assunto que não me saia da cabeça e queria a todo custo conversar com ele.  Claro diversas vezes conversamos algum parecido, no entanto o que vi não me agradou e eu não podia fazer nada com o fato ou será que podia?

               No sábado anterior, foi feito um grande jogo no nosso distrito escoteiro. Durou quase o dia inteiro. Para minha surpresa ví varios chefes ajudando suas tropas, alguns até fazendo por eles as atividades programadas. O jogo era para as patrulhas desenvolverem aptidões próprias e feitas para escoteiros e escoteiras. Não para os chefes escoteiros. Acredito que eles não aprenderam ainda a se postar como escotistas. O pior, em uma rodinha ouvi palavrões, anedotas e muitas delas junto aos jovens. Alguns até se degladiavam nos elogios aos atributos das chefes femininas e guias, de uma maneira jocosa e antí-ética. Inquiri um deles e ele riu, dizendo – Olha chefe, voce não viu nada, participe de uma atividade regional ou nacional, aí voce vai ver. Quem sabe vai gostar? E deram grandes gargalhadas.

             Interessante. Fiquei pasmado com aquilo. Não era o escotismo que acreditava ser. Mas não existe uma lei escoteira? Eles os escotistas alí presentes um dia não fizeram a sua promessa? Não disseram que prometiam pela sua honra? E no final não estava bem esclarecido que a promessa incluia a lei? Eu tinha minhas proprias respostas, mas gostaria de ouvir o "Velho". Ele era meu guru, meu acessor pessoal que me acompanha em minha vida escoteira desde que o conheci. Sempre o considerei reto, próbo, virtuoso, um homem integro no bom sentido. Nunca ouvi dele um palavrão, ou elogios indecorosos, e sempre mostrou que a Lei Escoteira fazia parte da sua vida.

                Notei que a sala grande estava iluminada. Um som baixinho dava os retoques da presença do "Velho". Lá estava ele, sentado na sua poltrona de vime favorita e ao seu lado a Vovó. Ambos conversavam animadamente. Quando me viram, um belo sorriso e ele comentou – Sente-se amigo. Seja bem vindo. Não esperava voce hoje, mas se aqui está, seja mais um a tagarelar conosco. E um assunto interessante e porque não dizer, Especial. Nossa! Assustei-me. O "Velho" nunca me recebeu assim. Mas entrei no jogo dele e fiz tudo diferente do que fazia. Fui até lá, cumprimentei-o com a esquerda, a Vovó também e a ela fiz uma reverencia beijando sua mão. O "Velho" riu gostosamente.

                 Estavamos falando – dizia – Do que éramos no passado e no que somos hoje. Se alguém me dissesse que num simples toque eu poderia dar uma volta ao mundo e tirar todas as dúvidas que possuia, ninguém acreditaria. Naquela época quem não tinha uma Delta Larousse ou uma Encyclopedia Britânnica não tinha nada.  O computador foi uma revolução não? – É, o "Velho" é uma surpresa. Sempre me disse que nunca iria mexer nesse “troço”. A Vovó completou – Compramos um ontem. O "Velho" não sai da frente dele. Quem diria quem diria. A Vovó completou que ela tambem estava aprendendo. Já sabia procurar um programa, um site, e varias coisas para que a navegação aconteça.

                  Eu me divertia com o "Velho" e suas novas descobertas. Ele parecia um menino que tinha ganho um novo brinquedo. Ficamos alí por um bom tempo comentando sobre as vantagens da informática na época de hoje. A Vovó descrevia com alegria seus contatos com a filha no computador. Ela dizia que sem pagar nada, ela e os netos apareciam ao vivo e a cores lá de Los Angeles. Estavam morando no Vale de San Fernando, California. A filha do "Velho" tinha dois filhos e seu marido desapareceu com menos de três anos de casado. Ninguém nunca mais ouviu falar dele. Uma grande proposta profissional à fez mudar para os Estados Unidos. Mas essa é outra história.

                  A Vovó pediu licença e ficamos só eu e o "Velho" na sala. Naquela terça feira sentí nele muita disposição. Parecia outro. Mais alegre mais ameno e menos ferino nas suas palavras não demonstrando seus 83 anos de vida. Uma vida. Eu o conheci há oito anos. Não participava do movimento. O "Velho" me fez entrar. De uma maneira peculiar. (já contada no fasc. 46 - Sessões Mistas). Não esqueço até hoje. Nunca me arrependi. Aprendi a amar o escotismo acima de tudo na vida. Sou casado há quatro anos. Ainda não tenho filhos. Minha esposa é uma executiva de uma grande empresa nacional. Ela diz que ainda não está pronta. Não sei quando realmente estará. Gostaria muito de ter um filho, poder brincar com ele, o ver crescer ao meu lado.  Mas isso é outra historia.

                  Já ia entrar no assunto que me levou alí, quando a Vovó adentrou com seu carrinho de sonhos, trazendo nosso simples café, como ela dizia, e ainda pedia desculpas, pois não teve muito tempo para preparar algum melhor e não sabia de minha visita aquela noite. Desta vez eram simples mesmo, apenas empadinhas de queijo, empadinhas de bacalhau, pasteizinhos de mandioca e banana, panzinhos fritos na manteiga, e seus sempre deliciosos pães de queijo de dar água na boca não faltando é claro os apetitosos biscoitos de polvilho cuja técnica só tinha visto nos que a Vovõ fazia. Saborosas vitaminas de goiaba, de manga e um leite quente com açucar queimado, Deus do céu! Realmente era um simples café.

                O "Velho" como sempre comia pouco. Eu como não havia lanchado me refastelei. Ele enquanto isso trocou o LP que estava tocando, colocando “Caprice n. 24 em lá menor”. Explêndida escolha. O italiano Niccoló Paganinni (1782 a 1840) foi um dos maiores violinistas de todos os tempos. Caprice está entre as mais conhecidas de suas composições e serviu como uma inspiração para muitos outros compositores de destaque. Não poderia deixar de citar aqui, quando Paganini ainda adolescente em Livorno, um rico empresário chamado Livron, emprestou-lhe um violino feito por Luthier o mestre Giusepe Guarneri, para um conserto. Livron ficou tão impressionado com ele que se recusou a levar o violino de volta. Este violino especial viria a ser conhecido como “II Cannone Guarnerius” e ficou famoso no mundo inteiro.

                As horas passavam e eu interrompi a melodia que suavemente entrava em nossas mentes, pois no dia seguinte tinha a minha labuta diária, enquanto o "Velho" aposentado nada ia fazer. Ele me olhou – Piscou os olhos azuis e disse - É, gostaria de fazer alguma coisa. Você não sabe como é a vida de um aposentado que trabalhou a vida inteira e hoje fica olhando para o céu imaginando coisas impossíveis. Olhando para a porta a espera de alguém para conversar. - Deus do céu! Tinha esquecido que o "Velho" agora tinha o dom de ler pensamentos.

               Não deixei por menos. Disse a ele o que me trazia alí nessa terça feira magra. – Humm! Ele disse. Colocou a mão no queixo, fez como fazia antes a manobra com seu cachimbo, ritual adquirido por longos e longos anos, só que desta vez invisível, pois tinha parado de cachimbar. Olhou para mim e ficou matutando por alguns minutos. – Olhe ele disse, há tempos que venho pensando nesse tema. Por varias vezes tentei abordá-lo nas reuniões distritais que sou convidado. Impossível. Ninguem quer saber disso. Não esqueço aquele dia em maio do ano de 1943 quando passei para a tropa escoteira. Nunca mais esqueci aquela data.

             Meu monitor fez questão que aprendesse e decorasse a lei. Quando dois meses depois renovei a promessa, citei a lei em toda sua plenitude e isso me marcou profundamente. Ainda lembro bem de toda a promessa, pois a fazíamos de cor, e não repetida como hoje. Depois de ter dito toda ela, lembro-me do final – “E obedecer a Lei do Escoteiro!” Notei que o "Velho" se emocionava com aquela lembrança. Sabia que seu pensamento voava ao passado e via ele ainda menino, perfilado, dizendo com orgulho sua promessa escoteira. Este é um fato marcante na vida de todos aqueles que passaram ou ainda está na ativa do Movimento Escoteiro.

Lei do Escoteiro – Lei? Ora a lei! Fasc. 64




Capitulo II

           A Lei. Lembro-me bem de tudo – continuava o "Velho" - Podem até dizer que foram outras épocas. Mas tudo permanece intácto em minha memória até hoje. Em toda minha vida escoteira sempre considerei a minha vida atuando dentro da Lei Escoteira. Nunca admití meios termos. Lembro que já adulto e atuante em cursos de formação, (adestramento no passado) tinhamos em qualquer etapa de cursos uma sessão exclusiva para este tema tão importante, na vida de todos nós escoteiros. Sempre dizia que vários homens nobres do passado diziam que nenhum homem tem o dever de ser rico ou grande ou sábio, mas, todos tinham o dever de serem honrados. Nesta prisma eu sempre enfatizava a necessidade do exemplo pessoal.

               Conheço – continuava o "Velho" – Em nosso meio escoteiro, uma pleiade de jovens e adultos que honram e dignificam a sua promessa e claro dentro da prisma da Lei Escoteira. E acredito que são a grande maioria. Mas assim como voce viu, tem muitos que andam esqueçendo e fazendo de sua honra pessoal, principalmente junto aos jovens um exemplo que não dignifica o caráter. Isto causa constrangimento, falta de lealdade ao movimento que estão subordinados, e claro prejudicando os benefícios oriundos do método que tão divinamente é desenvolvido com os jovens. Não estão coadunados com o que se esperava antes de sua entrada no escotismo. Assim, sofremos uma degeneração de continuidade, seja com os amigos dos jovens ou mesmo nas demais relações que possuem na comunidade. Lembro-me do que disse Shakespeare, mestre em frases bombásticas - Quem me rouba a honra priva-me daquilo que não o enriquece e faz-me verdadeiramente pobre!

          Voce coloca sabiamente um tema que poucos ainda se preocuparam em tomar qualquer atitude, ficando somente na duvida do certo e do errado. Eu tambem já vi em atividades regionais, e nacionais, escotistas e jovens com procedimentos e palavras inadequadas, não próprias com o que esperamos de um membro do movimento escoteiro.

         Vi inclusive há pouco tempo dirigentes regionais (esse caso não é fictício, me foi narrado por um lider comunitário) em uma atividade em determinado estado no Brasil. Denegrindo a Lei e Promessa, de uma maneira antiética mostrando falta de caráter de um membro que devia mostrar aos outros pelo seu exemplo pessoal que somos um movimento sério e de excelentes bases de formação educacional.

            Nesta atividade que estive presente, um escotista me consultou se conhecia outras organizações que não a UEB e se elas eram sérias, pois estava pensando cuidadosamente em transferir seu Grupo Escoteiro. Agora eu pergunto, continua o "Velho" – O que esta sendo feito a respeito? Onde estão os dirigentes que deveriam tomar alguma providencia? Poderiam dizer que é nossa obrigação de informar a quem de direiro o nome desses escotistas mal formados. Teriamos mesmo coragem de fazer o que deveria ser feito? Onde estão seus líderes? Seja o dirigente regional ou distrital, ou seja, o Diretor Técnico. Estão cegos? Nada veêm?   

             Exemplos não faltam aqui e alí. Uma profusão de amigos sempre comentam comigo essa falta de dever para com a Lei e a Promessa Escoteira. Eu sempre cito Victor Hugo, que comentou que há pessoas que observam as regras de honra como se veêm as estrelas. De longe. A ética já está desaparecendo em boa parte da sociedade, podemos deixar que o escotismo seja afetado? Não podemos ficar desacreditando de nossas autoridades e Rui Barbosa foi feliz em dizer a muitos e muitos anos atrás – De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, e de tanto ver agigantarem os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.

              Não podemos que poucos se arvorem em “donos” do escotismo, e façam com seu exemplo o que não desejamos para nossos fllhos. Esses poucos que assim o fazem, seja junto aos jovens nas reuniões, com péssimos exemplos, sejam na apresentação pessoal na comunidade, devem ser afastados. Temos que ser firmes em nosso pensamentos palavras e ações. Se BP estivesse vivo diria que esses ainda não “pegaram” o que significa a Lei Escoteira. O escotismo tem um nome, uma honra, um passado de glória e não podemos aceitar esse estado de coisas. Posso afirmar a voce que não tinha visto nada assim. Agora está aparecendo. O mal tem de ser cortado e urgente.

             O "Velho" deu uma pausa, foi até ao carrinho de guloseimas e retirou dois pasteizinhos de queijo. Comeu um com gosto. Aproveitei a dica. Fiz o mesmo, mas peguei um pratinho e enchi até a borda, voltando ao meu banquinho de tres pés, que encostado a parede era o meu local predileto. O "Velho" aproveitou a deixa e continuou – Sabemos que a ética é um conjunto de valores morais e principios que norteiam a formação humana na sociedade. Ela serve para que haja equilibrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado. Por outro lado, acreditamos que a honra em seus valores não busca atalhos desonestos ou covardes para seus propósitos.

               O "Velho" mastigou com gosto o pastelzinho de queijo. Olhou para mim, sorriu e continuou – Não é hipocrisia deixarmos de tomar providencias quando os demais tratarem a honra com menos respeito. Temos a obrigação e dever de fazer as coisas como devem ser feitas, denunciando. Para podermos viver harmoniosamente em uma sociedade, e melhor, no movimento escoteiro, tarefas espinhosas tem de ser cumpridas. Eu e voce temos de dar um passo a frente e sabermos definir se está na hora de tomar decisões e se vamos ou não fazer o que deve ser feito.

               O "Velho" pigarreou e continuou – Veja se é um ponto polemico ou não. É o chefe escoteiro o exemplo pessoal para seus jovens? Claro voce e tantos outros dirão. Se ele procede em atividades escoteiras, reuniões ou quaisquer outras uniformizado, ele não está representando também todo o movimento escoteiro? Como ele pode falar em honra, em ética e pode falar em Lei Escoteira se ele mesmo falha em sua conduta pessoal?


               O "Velho" estava realmente vivendo suas palavras. Fiquei até preocupado com a sua veemência. Ele falava comigo como se estivesse se dirigindo a milhares de escotistas. Continuou - Será que eles sabem o que é palavra? Honra? Será que sabem o que significa lealdade? Amigos de todos e irmãos dos demais, seria isso verdade para ele? Ou somente uma ilusão que serve para outros? Educado e cortês? Seria mesmo? Teria respeito aos animais e as plantas? Dificil dizer. E obediente e discipllnado? Dizem que o verdadeiro lider sabe liderar e ser liderado. E sorrir? Palavra bonita, mas saberão sorrir em todas as horas? Terão coragem para mostrar que as dificuldades fazem partes de nossas vidas? E respeita mesmo o bem alheio? Demonstra em atos próprios que é economico? E para finalisar, será que ele é puro nos seus pensamentos, nas suas palavras e nas ações?

             Ficamos ele e eu em silencio por alguns instantes. O "Velho" não se deu por achado e continuou – Fico preocupado, muito. O escotismo sempre foi uma escola de respeito, disciplina, coragem e abnegação. Sempre tentamos passar para os jovens o respeito às leis, e a tantas coisas importantes para o seu desenvolvimento. Outro dia, encontrei um jovem de uniforme que me disse – Oi, beleza? Tudo massa, fala velho? Não entendi bem. Mas veja, isso é modernidade? Antes era Senhor, como vai, o senhor vai bem? Agora não. Massa! Beleza, fala! Novos tempos? Se for está tudo errado.

            Lembro com saudades que em nossas reuniões nunca em tempo algum faltou um jogo, um adestramento, uma palavra qualquer coisa para que sempre lembrassemos da Lei do Escoteiro. Uma época em que Boa Ação era ponto de honra. Nunca esqueci o nó no lenço. Desfazê-lo, só após a boa ação. Da minha moeda que carrego até hoje. Bolso direito de manhã, bolso esquerdo à tarde após ter feito a boa ação. Não sei, acho que tudo está indo embora. É um caminho sem volta. Não é o correto. Aceitam nossos dirigentes que o novo substitui o Velho. Eu para dizer a verdade não aceito isso. Os resultados estamos vendo aqui e ali. Os meios de comunicação são uma prova viva do que está acontecendo.

              Gostaria mesmo de dizer aos escotistas, que aceitem o moderno, mas mantenham os direitos e deveres acima de tudo. A Lei Escoteira é nossa base, nosso pilar. Não é simplesmente uma lembrança, uma anedota. Não quero ver à hora em que escotistas que não tenham religiosidade estarão aqui junto às tropas e não irão incentivar a formação espiritual de cada um dos seus escoteiros. Hoje criaram em sua mente o seu próprio Deus e fazem questão de dizer o que sentem dentro de sua alma. Não podemos fazer o mesmo no escotismo. Temos que ser exemplos. A religião que sua familia professa tem de ser respeitada e incentivada. É nosso dever.

             Não aceite, brigue se for necessario. Se ver escotistas mal formados, com palavras e ações inadequadas, denuncie. Não tenha duvidas nessas horas. Fale com eles, diga o que sente no que acredita. O "Velho" calou. Fechou os olhos e senti que seu pensamento agora era outro. A vitrola antiga tocava suavemente Le Streghue, depois O Carnaval de Veneza e Nel cor piú non mi sento. Niccoló Paganinni é divino. Fecho os olhos também. Mas por pouco tempo. Olhei o relógio. As horas passaram. Uma da manhã.

             Hora de partir, mais uma noite ouvindo o "Velho". Mais um dia vendo que podemos acertar, basta cada um fazer sua parte. Baden Powell nos deixou um caminho, um legado. Simples, sem ramificações sem pedras a nos atrapalhar. Tão simples e não entendo porque tentam mudar tanto. Se serviu para uma época pode valer agora também. Pricipalmente agora, onde vemos uma juventude sem saber onde está indo. Na rua um vento frio me pegou de jeito. Morava perto, menos de cinco quadras. Ah! Se tivessemos tantos mais como o "Velho". O escotismo seria outro, mas tudo passa e nós passamos. O "Velho" será um dia passado. Só espero que encontremos o nosso caminho. O caminho para o sucesso!

O pata tenra...
A Pedra
O distraído nela tropeçou... O bruto a usou como projétil.
O empreendedor, usando-a, construiu.
O camponês, cansado da lida, dela fez assento.
 Para meninos, foi brinquedo. Drummond a poetizou. Já, Davi, matou Golias, e Michelangelo extraiu-lhe a mais bela escultura...
E em todos esses casos, a diferença não esteve na pedra, mas no homem! Não existe "pedra" no seu caminho que você não possa aproveitá-la para o seu próprio crescimento.
Independente do tamanho das pedras, no decorrer de sua vida. Não existirá uma, que você não possa aproveitá-la para seu crescimento espiritual. Quando a sua pedra atual, tenho certeza que Deus irá te dar sabedoria,
para mais tarde você olhar para ela,
e ter orgulho da maravilhosa experiência que causou em sua vida, no seu crescimento espiritual.


PARA ONDE VAMOS? QUAL O NOSSO DESTINO? Fasc. 61 e 62


PARA ONDE VAMOS? QUAL O NOSSO DESTINO? Fasc. 61

Mera mudança não é crescimento. Crescimento é a síntese de mudança e continuidade, e onde não há continuidade não há crescimento.

AOS JOVENS PORQUE O ELES SÃO A RAZÃO DE SER DO MOVIMENTO ESCOTEIRO
       

      Estava difícil a caminhada. A chuva nos pegou na metade do caminho. Na estrada carroçável não encontramos nenhuma proteção. Aqui e ali algumas arvores e sabíamos não ser uma boa idéia ficar debaixo delas. Nenhuma casa, nada. Parar não adiantava. Éramos dezoito escoteiros. Três patrulhas de seniores e mais três escotistas. Incrível como ninguém reclamava. Os seniores à frente, com uma cantoria das boas. A chuva aumentou mais. Agora os raios salpicavam os céus. O ribombar dos trovoes assustavam. Ainda faltavam mais de seis quilômetros para chegarmos à periferia de nossa cidade.

     Como sempre fazíamos, uma vez em cada dois meses realizávamos um acampamento de fim de semana. Ração B, material Urso Maior. Todos sabiam o que significavam. Afinal eram anos e anos de convivência. Claro tínhamos ração A, B e C. A ultima para acampamentos de quatro dias ou mais. Tudo era ensacado de tal maneira, que levamos sempre as costas ou em duplas. Encontrávamos-nos na sede lá pelas dez da noite e de ônibus íamos à estação de trem. Uma hora e meia de viagem e chegávamos ao nosso destino. Uma estrada gostosa, um céu estrelado e mais dez quilômetros chegávamos ao nosso local de campo.

       Sempre foi assim. Conhecíamos mais de dez locais e sempre mantínhamos amizade com os proprietários. Bastava um telefonema e do outro lado uma voz dizia: - Fiquem a vontade, façam de conta que lá é de vocês! Aquele foi um acampamento normal. Nosso plano era fazer uma ponte em um riacho próximo, onde a enchente tinha levado à existente. Não seria “aquela ponte!”, mas serviria para passagem dos moradores próximos.

       Eu ficava assustado com os raios. Sabia do perigo. Local descampado, poucas árvores sem abrigo. A chuva não parava. Insistia em cair mais e mais forte. Agora estávamos acostumando. Eu sentia a alegria dos seniores naquela caminhada. A lama protagonizava belos tombos! Pensava como o escotismo tinha essa força. Era realmente marcante ver jovens alegres, bem dispostos a cantarem em marcha simples sem medo e considerando tudo aquilo uma bela diversão, uma bela aventura.

      Na quinta feira seguinte a fadiga tinha tomado conta de mim. Uma lassidão enorme. Meu corpo estava em frangalhos. Tive de me desdobrar em vários na empresa que trabalhava. Uma gripe forte abateu sobre diversos funcionários e o Depo. Medico dispensou vários deles. À noite ao chegar a casa, pensei em ir à casa do "Velho", mas o cansaço era forte. Tomei um banho e fiquei o tempo todo pensando naquela atividade feita na semana anterior. Interessante. Todos nós pegamos uma enorme chuva e ninguém ficou com gripe, nada. Sei de antemão que o retorno do acampamento de fim de semana ficará gravado para sempre na memória de cada um.

       Gostaria de conversar com o "Velho" e saber dele diversas dúvidas que me assaltavam. Não naquela quinta feira. O fim de semana aproximava e claro, sabia que a Vovó iria me deliciar com um almoço dos Deuses no domingo. Era sempre assim. Minha esposa dizia que eu era um “fila-boia”, mas ela também não perdia um domingo na casa do "Velho". Ele e a Vovó adoravam nossa visita. Agora quase ninguém ia a sua casa e sua filha e os dois netos mudaram para o exterior. Um convite de uma multinacional irrecusável. Ele sentia uma falta incrível deles.

       Dos milhares de escoteiros e escotistas com que conviveu, acredito que somente eu e mais um ou dois o procuravam sempre. Não sei por que isso acontece. Dizem que é sempre assim. A velhice chegou e até outro dia! Achavam que os velhos eram repetitivos e se consideravam sábios, o que muitos não apreciavam. Eu adorava o "Velho". Perdi o meu pai muito cedo e depois que o encontrei, alem do meu mentor e mestre escoteiro, o considerava como meu segundo pai. Ir a sua casa era meu programa favorito.

     No sábado a tropa sênior tirou um tempo para uma análise do acampamento. Claro, tudo anotado em livro de ata cujo escriba era um sênior com mais de oito anos de escotismo. Pelos prós e contras a nota foi boa. Todos foram de acordo que o acampamento merecia um nome especial. Era para ficar gravado não só no livro de ata, mas também na memória de todos. O acampamento dos Raios do Trovão. Foi como o chamaram e batizaram. Ficou no livro sênior para a posteridade.

     Saí da sede depois de nove da noite. Era dia da reunião do Conselho de Chefes e diversos assuntos foram pautados como importantes. Eu gostava de nossas reuniões e do Conselho de Chefes. Éramos todos grandes amigos e nosso Diretor Técnico uma pessoa formidável. Não tinha sido escoteiro, mas já estava conosco a mais de dez anos. Amigo, companheiro, um grande líder. Sempre quando acontecia o Congresso de Grupo em época de eleições, ele era reconduzido por unaminidade. Dali eu sabia que iríamos até uma pizzaria e lá alem de pizzas saborosas, belos e gostosos chopes seriam apreciados.

     No domingo cheguei cedo à casa do "Velho".  Ele me olhou de soslaio e perguntou se estava vivo. Se havia quebrado a perna. Entendi. Passei toda a semana sem ir lá e ele para não dizer que sentiu minha falta usava de seu estilo meu velho conhecido. No inicio fingiu que eu não estava lá. O "Velho" era assim. Essas infantilidades nada mais eram que a solidão de um dia ter tantos a sua volta e hoje ver todos os amigos distantes. Eu mesmo peguei uma cerveja e fui para o salão dos fundos.

         Logo a Vovó apareceu com umas mandioquinhas fritas e pedaços carnudos de torresmo. Naquela manhã me subestimei. Tomo no máximo uma latinha de cerveja e já estava na segunda. A Vovó com aquele sorriso encantador vinha toda hora com diversos petiscos. Linguicinhas fritas na cebola com alho e óleo, batatas fritas ao molho de tomate, pelas barbas do profeta! Eu mesmo nem sabia se ia almoçar direito, pois era um petisco atrás do outro. O "Velho" pouco ficava ao meu lado. Sempre fora assim aos domingos pela manhã. Conversava com minha esposa, com a Vovó e dava uma olhada vendo se algum vizinho estava à porta.

     Olhe meu amigo prefiro nem comentar. O almoço foi de tirar alguém do sério. Estava já sem fome quando a Vovó nos chamou para o almoço. Fui pensando se havia algum lugar no meu estomago. Inacreditável! A Vovó judiava! Havia ali uma travessa enorme cheia de um fumegante nhoque ao molho, salpicado de semolina, um dos meus pratos favoritos. Um arroz soltinho com bacalhau desfiado, pasteizinhos de mandioca se desmanchando, um pastelão de batata e ervilha. Uma tigela de feijão preto com pedaços de costelinhas de porco, pedindo para serem deglutidas. Hoje iria me empanturrar!

    Dizem que o olho sempre é maior do que a boca, como dizia minha mãe. E ali eu era prova viva da “gulodice”. Comi o que não podia. Uma sonolência, meus olhos querendo fechar e lá fui eu para a Sala Grande, sentar no meu banquinho de três pés, meu preferido. Eu sabia o que me esperava naquela maravilhosa tarde de um domingo.

     Encontrei o "Velho" em sua poltrona de vime a ouvir Verdi. Francesco Giusepe Verdi Fortunino. A música maravilhosa se espalhava pela sala harmoniosamente. Sua vitrola antiga estava ainda no seu apogeu.  La Donna é móbile “do Rigoletto”, Va pensiero (o coro dos escravos hebreus). Era fechar os olhos e sonhar. Ainda deu para ouvir La Traviata e depois os sonhos me transportaram para o teatro La Escala de Milão, e era como la estivesse na primeira fila a ouvir Verdi.

     Fiquei ali não sei por quanto tempo. Mas ao abrir os olhos não vi o "Velho". Levantei e lá estava ele na varanda, já com o sol se pondo no horizonte, seu local favorito das belas tardes de setembro. Levei meu banquinho de três pés e ao seu lado, também admirava o por do sol entre os prédios, mas a vista mais ao longe era maravilhosa. Podia-se ainda ver a montanha azul, onde ele esquadrinhou palmo a palmo toda sua topografia há tempos atrás. Durante um bom tempo ficamos ali em silencio. Isso era normal entre nós. Afinal anos e anos nos deram uma convivência fraterna de entendimentos mútuos.

     O "Velho", passado alguns minutos, me perguntou – Voce já viu o novo relatório da nossa direção nacional do ano anterior? Estão rindo a toa. Um aumento no efetivo de aproximadamente seis por cento. – Olhe "Velho" falei. Não sei por que você se preocupa tanto. Voce sabe como eu que não vai haver mudanças. Elas se vierem serão paulatinas e os resultados poderão ser ou não bons no futuro. Ele me olhou com os olhos levantados e depois virou para o lado como se fosse dormitar.

      - Olhe, falou novamente me pegando de surpresa. – No ano retrasado o numero de membros registrados foram de 60.000. Numero esse que vinha se mantendo ao longo dos anos. Agora no ano passado chegaram a 64.000. – Mas é ótimo – disse - "Velho" não vê? Quase seis por cento de aumento. É melhor que nada. Ele não me interrompeu. Ficou ali me olhando e meditando.

    - Mas sabia que só um estado do norte do país contribuiu com mais de 50% desse aumento? Disse. Como se explica isso? Esse Estado merece ser estudado. Esses resultados não podem ficar a sete chaves. Tem de ser mostrado para os demais. O que fizeram? Porque acertaram tanto? Qual o motivo desse aumento vertiginoso e em apenas um ano dobrarem o efetivo? Qual o milagre? – Olhe, continuou os maiores estados da federação, cuja população supera os demais não tiveram nenhum aumento de efetivo. Um deles até teve um decréscimo.

     - Fiquei ali a meditar. – O "Velho" continuou. Nesse ano o efetivo dos que foram registrados sem taxa adicional foi de quase 40% do aumento do efetivo. Será que isso não explica esses 6%? Estado modelo mais taxa adicional é igual a aumento do efetivo. Afinal muitos reclamam que a taxa é muito alta e diversos Grupos Escoteiros comentaram comigo da dificuldade para que se aprove junto aos órgãos responsáveis o registro sem a taxa adicional. Não sou tão bom em matemática, mas pensava que a direção nossa pudesse explicar melhor tudo isso. Só forneceram o aumento do efetivo e grifaram em vermelho!

     A noite chegou de mansinho, as luzes da cidade agora espocavam aqui e ali. O céu brilhante, uma brisa suave, e de novo a Vovó com seu carrinho mágico, nos convidando para um pequeno lanche. Pequeno? Cala-te boca! Focaccia de queijo, canudinhos de galinha, enroladinhos de salsicha, panquecas com recheio de carne e um bigatone recheado com lingüiça. Vovó! Deus do céu! O que fazes? Eu e o "Velho" devoramos mais uma fornada dos deliciosos pratos da Vovó.

Eu aprendi...
·... Que todos querem viver no topo da montanha, mas toda felicidade e crescimento ocorre quando você esta escalando-a;

PARA ONDE VAMOS? QUAL O NOSSO DESTINO? Fasc. 62

A TODOS OS DIRETORES DE TODOS OS ORGÃOS, POIS SÃO ELES A RAZAO DE SER DE UMA BOA GESTÃO NO GRUPO ESCOTEIRO
      

         A noite entrou pela varanda sem tréguas. Os poucos veículos que ali passavam estavam se recolhendo em seus lares. Minha esposa já tinha ido embora. Eu pretendia ficar mais um pouco com o "Velho".  Minha mente ainda matutava o aumento do efetivo, tão protagonizado pelo "Velho", mas tão pouco discutido nas bases. Achava que ninguém se preocupava. O trabalho dos escotistas no Grupo absorvia tanto a ponto de que a preocupação única era com seus membros juvenis.

   O "Velho" me olhou e disse – Voce tem razão. Os escotistas em nossos pais tem uma labuta tão grande e com um tempo curto para se dedicarem integralmente em suas sessões, esquecem ou talvez não queiram pensar porque seu próprio grupo não tem nos últimos anos um crescimento satisfatório. Em muitos casos estagnou ou decresceu.  Se isso acontece no seu grupo o que pensar em termos nacionais? Caramba! Como o "Velho" sabia o que estava pensando?

     - Ainda, dissertava o "Velho" – Ainda procuro uma luz no fim do túnel. Claro que fiquei contente com o relatório, mas vou com calma estudá-lo ponto por ponto. Sabia que poucos se preocuparam em lê-lo integralmente? Deveria ser sem sombra de duvidas ser discutido com mais detalhes, dando oportunidade a todos para compreender melhor os fatos importantes nele contido. Ainda repiso que o caso do estado que duplicou em um ano seu efetivo, merece ser analisado com carinho e servir de exemplo para os demais.

       - Mas veja você continuou. Um tema assim, nosso efetivo, o que mais merecia ter um estudo aprofundado, ficou em estatísticas de duas paginas. Nada. Nenhuma observação sobre a importância desses 6% por cento. Varias e varias paginas exaltando as atividades, os feitos e meras duas paginas no tema mais importante. Nada significativo e explicativo do porque de duas regiões mais tenham se sobressaído em crescimento? E o aumento de jovens que aproveitam a isenção da taxa adicional não merecia também um comentário maior? 

      - Se você assim como tantos escotistas no país tirassem um tempo para ler com calma ponto por ponto, então teríamos uma análise talvez profunda do porque de nosso crescimento ínfimo. Mas não é isso que acontece. Entra ano e sai ano lá estão todos aplaudindo, não se interessando por detalhes e sim uma participação vip onde ver e ser visto é o mais importante. – O "Velho" era ferino em suas palavras. Mas não podia discordar. Já conhecia o funcionamento desses congressos. Recordava mesmo os meses que o antecederam e foram de interessantes fatos marcantes. Nomes importantes no escotismo nacional eram apresentados como candidatos usando pela primeira vez a internet como veículo de propaganda.

      - Isso mesmo, disse o "Velho". – Danado de "Velho", sempre adivinhando o que penso. Está agora desenvolvendo a faculdade de ler pensamentos? – Claro, disse ele. Pasmei! – Agora deveria tomar cuidado com minha mente. – O "Velho" sorriu, um sorriso maroto e continuou sua saga de escólios, tentando coordenar suas palavras com o intróito anterior. – É importante que assim como eu, todos os escotistas tomem conhecimento e façam a si próprio indagações do que leram.

     - Infelizmente o que acontece é exatamente o contrário. A uma aceitação de tudo como se estivéssemos no melhor dos mundos. Olhe, disse ele, desde os primórdios que vejo no escotismo uma disciplina, uma aceitação sem questionamento que sempre me preocupou. Isso se tornou uma norma não escrita, onde dizem que ou aceitamos as regras ou procuramos outras moradas para armar a barraca. Será isso o certo? Se alteram as regras será que temos de aceitar também? Se mudam as normas, sorrimos? Se mudam o método acreditamos que é para o bem de todos e a felicidade geral da nação?

     - O "Velho" não parava. Sua metralhadora invisível atirava para todos os lados. Eu o ouvia, pois sabia que sua razão era legítima. Era uma verdade. Infelizmente muitos que discordavam abandonavam o escotismo onde começaram e iam procurar onde seria melhor fossem compreendidos. Era um número crescente. Poucos estavam sabendo disso. A Direção Nacional se matinha calada. Aqui e ali em conversas com amigos, quase ninguém sabia da existência dos outros irmãos escoteiros que estavam fazendo um bom escotismo em outra organização. Isso não era certo. Alguém era culpado pelo surgimento deles e ninguém dizia nada.

     - Vi que o "Velho" me olhava espantado. Talvez meu semblante não fosse aquele de sempre. – Pigarreou e prosseguiu sem tentar dizer que me entendeu. – Acredito - disse, voltando ao crescimento extraordinário de membros escoteiros em um só estado, que se eles puderam duplicar seu efetivo, porque tantos outros estados vizinhos não o fizeram? Porque o sucesso de um não foi o sucesso de outro? Um dado interessante é quanto ao numero de membros por grupo escoteiro. Media de 56 por grupo. Ou seja, a maioria deve ter uma alcatéia e uma tropa, ambas incompletas e uns poucos seniores. Pioneiros e Escotistas complementariam o restante.

      Fiquei sem saber onde o "Velho" queria chegar. Parece que estava a tempos esmiuçando o relatório anual há tempos. Claro, sei que muitos não fazem isso, eu mesmo nunca fiz. Para dizer a verdade nunca me preocupei. Não será por isso que nosso crescimento é pífio? Resolvi que daquela data em diante seria mais responsável com os destinos do escotismo em meu país. Afinal que adianta ter uma meia dúzia de bons grupos e outra meia dúzia que precisavam de ajuda e sequer conseguiam registrar anualmente seus escoteiros?

      - Olhei para o "Velho", que parecia dormitar em sua poltrona de vime. Achei que já era hora de encerrar esse excelente bate papo. Quando fiz menção de levantar ele mandou que eu me sentasse – Não acabei ainda disse. Afinal que serviria meu estudo do relatório se não tivesse pelo menos você a quem mostrar os acertos e erros? – Claro, eu sabia disso. Eu era seu ouvinte. Seu único contato do movimento escoteiro. Não havia mais ninguém. Pensei comigo se teria alguma conseqüência eu saber ou não. Falar para quem?

       - O "Velho" me olhou, balançou a cabeça, sorriu de leve e como se estivesse com uma platéia de milhares de escotistas, e disse pomposamente: - Sabemos eu e você que é malhar em ferro frio. Isso não é preocupação de nossos companheiros de ideais. Seus caminhos são outros. Estão contentes com o que fazem. E isso até é bom. Assim os jovens ainda recebem algum programa, mesmo que mínimo do que BP nos legou.

      - Mas eu, garanto a você que estudaria melhor o porquê do crescimento vertiginoso de uma região escoteira. E olhe, no PIB nacional, não é lá bem colocada. Levando em consideração o IDH (índice de Desenvolvimento Humano) medido pelas Nações Unidas (ONU) é bem inferior a de muitos estados da confederação. Tem que ter uma explicação. Precisamos copiar seu programa, parabenizar tão belo trabalho a não ser é claro que existe erro na elaboração do relatório.

       - Agora, nós sabemos que nem sempre a quantidade supera a qualidade, mas levando em consideração o numero de adultos pelo de membros juvenis, ele nada fica a dever as regiões mais bem posicionadas. Infelizmente, continuou o "Velho", estes pouco cresceram. Suas médias de membros por grupo é igual ou até inferior a estados menos favorecidos. Sabe, tem tanta coisa oculta nesse relatório e principalmente o aumento satisfatório de membros com registro isentos, que até me atrevo a dizer que ele está muito pomposo e bonito.
        - Dizem, continuou o "Velho" que seus planos são de um bom crescimento em quatro anos. Não discuto. Faço votos e torço para que isso aconteça. Mas ainda bato naquela tecla já conhecida que ali não existe democracia. Parece que tem, mas não. Se escotistas bem posicionados, com altos cargos em suas regiões de origem, procuram batalhar uma vaga nas hostes do Congresso, os escotistas menos favorecidos e conhecidos nunca terão direito a voz e voto.

       O silencio reinou na sala. Logo o som maravilhoso de A Dama das Camélias, baseada no romance de Alexandre Dumas, estava sendo maravilhosamente interpretado. Era a mais popular opera de Verdi. Dizem que alcançou o segundo lugar no Operabase (lista de operas mais executadas em todo o mundo). Eu gostaria de ficar ali, mas as horas avançavam e no outro dia o dever seria novamente cobrado. Olhei para o "Velho" para me despedir e com surpresa lá estava ele, na sua poltrona de vime favorita, abraçado a Vovó, dormitando um no ombro do outro, um casal perfeito, maravilhoso que seriam invejados por muitos casais que não atingiram como eles a plenitude do amor eterno.
      
      De novo a rua me tomou de pronto. Uma rajada de ar frio me sufragou o rosto. Levantei a gola do meu paletó e me apressei pela rua deserta em busca do meu lar. Minha mente pensava em muitas coisas, dos meus afazeres profissionais, da minha esposa que já deve estar em casa dormindo, e no Movimento Escoteiro. Tantas coisas para qual se vive, se luta, uma busca incessante para que nossos filhos, nossas futuras gerações possam viver em um mundo melhor. Gostaria de avançar no tempo, talvez por centenas e centenas de anos e ver, jovens ainda com seus lenços coloridos, a dizerem que graças a um grande homem poderão se tornar cidadãos de bem. Obrigado Lord Baden Powell. Obrigado.

 
Deve-se temer a velhice, porque ela nunca vem só. Bengalas são provas de idade e não de prudência.
Se vives de acordo com as leis da natureza, nunca serás pobre; se vives de acordo com as opiniões alheias, nunca serás rico.
Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade.
Há sempre alguma loucura no amor. Mas a sempre um pouco de razão na loucura.
A nossa maior glória não reside no fato de nunca cairmos, mas sim em levantarmo-nos sempre depois de cada queda.